Marãiwatsédé(1), é "mata perigosa" ou "misteriosa", na língua A'wén (Xavante), disse Vanderlei Temirete (Daduwari)(2) e seus primos. Eles apresentaram o filme “Vale dos Esquecidos”, participante do festival “É
Tudo Verdade”, e que resume o caso dramático que vem ocorrendo com seu povo.
A película
demonstra como os Xavantes foram retirados pela Força Aérea na década de 1940 a
pedido do Governo de Mato Grosso para fins de implantação de um assentamento
para reforma agrária. No entanto, no lugar, foi implantado a maior fazenda da
América Latina na década de 1970, a Suiá-Missu.
Os índios
foram levados para a terra indígena São Marcos, distante 600 km ao sul de Marãiwatsédé, mas retornaram – após um
sonho do cacique Damião – por diversos motivos, dentre eles o fato de manterem
uma ligação ancestral com a área em que foram retirados; e pelo fato de não se
adaptaram a nova área, apesar de dividirem-na com integrantes da mesma etnia.
O
caso repercutiu na Conferência da ONU no Rio de Janeiro (ECO-92’), pois a área
estava sob a propriedade de uma multinacional italiana, a Agip. A empresa sob
pressão internacional entregou-a ao governo federal, para a criação de uma
terra para os Xavante. O governo homologou-a como terra indígena. No entanto,
ao retornarem ao local, os indígenas viram a “mata misteriosa” ser gradativamente
sendo devastada para dar lugar ao agronegócio.
Alguns
agricultores mato-grossenses, aproveitando a saída da empresa italiana do
local, ocuparam-na, e intensificaram o desmatamento, confiantes numa possível
regularização fundiária aos posseiros, por meio de reforma agrária. Esse grupo
é apoiado pela multinacional do agronegócio Cargil, que tem investimentos em
soja na área. E também pelo frigorífico Friboi.
Dessa forma,
inicia-se uma disputa que tem como campo de batalha os tribunais estaduais e
federais, e a própria reserva indígena, com violentos embates entre índios e
colonos. De um lado os agricultores e classe política ruralista do Mato Grosso,
que quer aumentar a área produtiva do Estado, para fortalecer ainda mais o
agronegócio, e do outro os indígenas, que tem apoio de algumas ONGs.
Este conflito
é tão grave que a Terra Indígena Marãiwatsédé
é considerada a mais devastada do país. Em 2004 os indígenas conseguem retomar
10% da área total homologada, no entanto, o solo está contaminado com
agrotóxicos.
Os xavantes
convidados dizem que “a verdade tá se distorcendo pro lado do dinheiro, a
justiça é dinheiro!” Dizem que “nunca nenhuma das três prefeituras locais
fizeram algo para ajudar os indígenas, nem mesmo com saúde que é básico!”
O Greenpeace
faz propaganda contra as frigoríficas, principalmente a JBS-Friboi, para não
comprarem mais carne de áreas com irregularidades, o que inclui Marãiwatsédé.
Assim, o
Tribunal Regional Federal dá causa favorável aos indígenas, mas um
desembargador estadual suspende a decisão, tendo em vista uma Lei Estadual que
autorizada a permuta da terra com um Parque Estadual para abrigar os índios. A
disputa continua, pois os xavantes querem a Mata Perigosa de volta.
A memória dos
anciões foi fundamental para o ganho da causa nos tribunais federais.
Os indígenas
que estavam representando a comunidade de Marãiwatsédé
mantém suas esperanças na retomada do local, pois “apesar dos retrocessos,
sempre houve, há e haverá muitas vitórias”, eles dizem que “ter uma visão
trágica, fatalista, que não terá solução, é um caminho sem sucesso. Tem que
pensar o contrário!”
Após
esta comovente apresentação, eu vejo que a luta desse povo Xavante, é a mesma
dos sul-mato-grossenses do primeiro dia, e também as que enfrentam Pataxós,
Tupinambás e diversos outros povos que têm suas terras invadidas por produtores
rurais ou especuladores imobiliários.
Umas
das mudanças que tive após o contato com o caso desta mesa é o fato de ver que
há divergências não só no movimento indígena nacional, mas dentro da própria
etnia. Poucos são os Xavante que apóiam a retomada de Marãiwatsédé.
Também percebi que há diferenças culturais
entre aldeias desta etnia, por exemplo, o cacique Damião, liderança máxima do
movimento desta retomada, utiliza um cocar que nunca havia visto um Xavante
utilizar, pelo contrário, é muito parecido com o cocar Kayapó, seus inimigos
históricos.
Aliás,
quando visitei a aldeia Etenhiritipá,
na terra indígena Pimentel Barbosa,cerca de 200 km ao sul da ‘Mata Perigosa. O
cacique me disse que “a população de Marãiwatsédé
já foi a mais numerosa da nação a’uwê
uptabi [Xavante], e sempre foram a barreira contra os assaltos dos Kayapó
que vinham do norte”.
__________
¹ Tema de aula na disciplina "Questões Indigenistas na Contemporaneidade", 1º semestre de 2012. Mestrado Profissional em Sustentabilidade junto a povos e terras indígenas, Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS), Universidade de Brasília (UnB).
² Vanderlei Temirete (Daduwari), foi eleito vereador de Bom Jesus do Araguaia em 2012, um dos municípios que abrange a Terra Indígena Marãwatsédé.
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