A
questão que o povo Tupinambá de Olivença (Ilhéus-BA) vêm
sofrendo nos últimos anos com a usurpação de suas terras e
violência sobre suas lideranças, foi tema de uma apresentação
conjunta, onde o cacique Tupinambá Alício Francisco¹, e o professor Carlos Santos², da Universidade Estadual Santa Cruz, de
Ilhéus, falaram a respeito.
O
professor Carlos iniciou sua exposição apresentando um pensamento de E.P.
Thompson sobre leitura inversa: “ver na visão do branco, viajante,
o que eles estavam escondendo”. Isto porque a história oficial
tradicionalmente sempre foi escrita pelos colonizadores, não há
referências que enfoquem os indígenas, suas ações e pensamentos.
Assim, é necessário ler nos antigos textos o que eles estavam
escondendo. Tentar decifrar isto nos textos.
Ele
disse que o reconhecimento étnico dos Tupinambá de Olivença é de
2002. E reclama que
no dia-a-dia todos eles são pejorativamente
taxados de índios pelos não-índios, mas quando entra a questão
fundiária, não são mais considerados como tal.
O
professor questiona o uso das fontes oficiais, dos documentos
elaborados por representantes do Estado colonizador, como os
arquivados na Torre do Tombo em Lisboa:
Quem me garante que essa
documentação é verdadeira? Que não foi forjada para justificar a
colonização? É diferente da fonte oral? Não foi feita por apenas
uma das partes? Seria imparcial? (...) Entre a história e a memória
eu fico com esta. A memória é a história.
Dessa forma ele defende que a oralidade é tão ou mais válida
quanto a documentada, pois é uma outra versão, de uma das partes.
Ele nega conceder “valor a uma documentação do período colonial
ou posteriores que negam a existência dos Tupinambá em Olivença”,
pois acredita que este povo pode até ter sido massacrado, mas nunca
exterminado.
Ele diz
que “toda a classificação é um exercício de poder, de acordo
com seus interesses” citando Michael Foucault. A começar pelo
termo aldeia, que é uma palavra portuguesa, usada por eles para
classificarem os modos rústicos de vida de sua população
camponesa. Logo transplantaram o mesmo termo para o outro lado
do oceano, mas a conotação deveria ser outra.
O
Cacique Alício, liderança do povo Tupinambá de Olivença, disse
que não há porque generalizar os indígenas a partir de
estereótipos ou mitos de determinado povo. Ele acredita que
da mesma
forma que tem o índio preguiçoso e o índio trabalhador, tem o
negro e o branco preguiçoso e trabalhador.
Ao se
tratar da etnia Tupinambá, o professor e historiador Carlos disse
que os atuais são uma “farofa” de etnias que sobreviveram a
diversos massacres:
Nessa farofa o tempero mais
forte foi o Tupinambá. Não que não tenham outros temperos, mas
esse se destacou hoje. (...) No futuro, após a terra estar
demarcada, virá movimentos internos de auto-identificação.
Nesta
mesa tive uma surpresa, o professor Carlos quando chegou à sala e
tomou um lugar junto aos alunos, pouco se diferenciava dos outros
indígenas estudantes. Aliás, ele afirma ser descendente dos
Pankararu de Pernambuco. Mas o conhecimento que esse jovem doutor nos
proporcionou, foi magnífico.
Um dos
aprendizados que tive reforçado foi o uso da memória, da história
oral para contar a versão dos excluídos da história oficial. Este
caminho eu já estou utilizando em minha pesquisa, que trata de
mostrar os locais por onde se estendiam os territórios dos povos do
Planalto Central.
Também
me surpreendeu a própria história dos Tupinambá de Olivença, um
povo que na verdade são vários, e que se reuniram sob a denominação
de uma das etnias formadoras, para garantir a sua identidade
indígena. Isto também ocorre com diversos outros grupos
ressurgentes, como os Xakriabá, os Pataxó, e de certa forma até
entre os Fulni-ô, pois na verdade são refugiados de diversas
origens étnicas, que para sobreviver do genocídio luso-brasileiro
buscaram uma aliança inter-étnica ou até mesmo a miscigenação
entre tribos.
Esta
mesa também veio a reforçar a idéia de que muitos conflitos
fundiários que sofrem diversos povos indígenas no Brasil são
semelhantes, estão vinculados a enganações e ocultações de
informações por meio de órgãos oficiais na história do país,
bem como o pensamento de integração e eliminação do componente
indígena da sociedade brasileira.
A minha
perspectiva é de que oportunidades como a oferecida pelo nosso curso
de mestrado, com cotas para indígenas poderem receber titulação
acadêmica, tragam mais “Carlos” no futuro. E que eles possam
gerar outros, e outros... Novos pensadores indígenas no Brasil e no
mundo.
__________
Graves violações aos direitos humanos de povos indígenas, tema de aula na disciplina "Questões Indigenistas na Contemporaneidade", 1º semestre de 2012. Mestrado Profissional em Sustentabilidade junto a povos e terras indígenas, Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS), Universidade de Brasília (UnB).
¹ Alício Francisco, cacique da etnia Tupinambá de Olivença, Ilhéus, Bahia.
² Carlos José Santos, historiador, mestre e doutor em arquitetura e planejamento, professor da Universidade Estadual Santa Cruz (UESC), Ilhéus, Bahia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário