Um vídeo sobre um encontro de
pajés que ocorreu no país, e que teve como enfoque a “sabedoria e
ciência dos índios e a propriedade industrial”, foi o início da apresentação de Sidney Monzilar². O audio-visual trata de um evento raro,
pois geralmente os pajés são muito protegidos pelas suas
comunidades e quase não saem das aldeias.
Sidney
disse que o preparo para ser pajé ocorre desde cedo, quando
crianças, momento em que passam a receber os ensinamentos dos
ancestrais. “Para eles, a mata é a farmácia”, acredita o
palestrante. Ele
defendeu que o Brasil é um país pluriétnico, e deve reconhecer
isso. Disse que a terra nos é emprestada, não somos donos de nada. Para
ele, as patentes substituem a bula papal de Tordesilhas, pois é como
se algumas pessoas – principalmente empresas – tivessem o direito
sobre algo que não é exclusivo delas. Mas sim, fruto de um processo
cultural que vem de milênios.
Questionou que seja necessário colocar a biodiversidade e o
conhecimento à serviço de toda a humanidade, mas como fazer isso
sem concentrar o poder nas mãos de um pequeno grupo? Como valorizar
o conhecimento e a experiência das comunidades tradicionais nesse
processo? Sidney falou sobre a Medida Provisória 2186, legislação que trata
da propriedade intelectual e conhecimento tradicional. Disse que nos
três períodos de política indigenista oficial a função dessa
política foi a integração ou assimilação do índio à cultura
nacional: o primeiro momento com o Diretório dos Índios, de 1760 a
1889; em seguida com o SPI, de 1910 a 1965; e por último o momento
atual com a FUNAI, de 1965 em diante. Ele defendeu que o conhecimento tradicional indígena vai além do
técnico. Disse que a coletividade – princípio indígena – vai
além do eu, é nós.
“Somos a 6ª economia mundial, a presidenta quer chegar a 1ª! Temos
70% da Amazônia destruída, quando chegarmos em 1º, teremos 100%
dela eliminada!” indignou-se o convidado.
A
promotora Juliana Santili³, por sua vez, iniciou a apresentação falando sobre o
Estatuto do Índio, dizendo que previa a assimilação dos indígenas,
classificando-os conforme seu estágio nessa política: isolados; em
vias de integração; integrados. Defendeu que falta a incorporação do direito indígena às
formações de direito, inclusive existem juízes que desconhecem a
legislação específica. Como exemplo de aplicabilidade dessa
legislação citou o caso da UHE Teles Pires, cuja licença de
instalação foi suspensa por uma juíza federal, com base na
Convenção OIT 169, para que pudessem ser ouvidos os povos Apiacá,
Munduruku e Kaiabi.
Ao
avaliar o quadro da política atual do país, ela alegou que os
setores mais retrógrados, como os ruralistas, têm um poder político
desproporcional à realidade atual brasileira. Também
defendeu que o uso de Medidas Provisórias (MP) para reduzir os
limites de unidades de conservação é inconstitucional, pois a
Constituição Federal prevê que alterações (diminuição) de
limites só podem ser executadas por meio de Lei. Por isso o
Ministério Público Federal ingressou com ação de
inconstitucionalidade (ADIN) a estas MPs.
A Lei
Maria da Penha só foi oficializada após levar o caso da mulher que
nomeia a lei à corte Interamericana. Portanto, há precedentes de
uso político das cortes internacionais. Desaprovou
a postura do Brasil em relação a OEA (Organização dos Estados
Americanos), que após ter sido retaliado pelo organismo
internacional, retirou retira seu apoio financeiro à entidade. “Isto
é um desrespeito as instituições internacionais!” reclamou
Juliana.
O
expositor Paulo Montejo(4), da APIB, iniciou sua apresentação declarando que a
academia esteve sempre longe dos debates sociais. Defendeu que a
criação do Centro de Desenvolvimento Social na Universidade de
Brasília e principalmente do curso de mestrado em indigenismo é
algo fundamental para a melhoria de nossa sociedade.
Disse
que os brasileiros estão se tornando consumistas sem limites. E que
essa busca por um consumo exacerbado tem como fim a utilização de
todos os recursos disponíveis. E que o atual governo não está
preocupado com ações socioambientais.
Pontuou
que agricultura indígena é diferente de agricultura familiar, não
podem ser confundidas. A terra para o índio não é só um meio de
produção onde se está assentado, mas um meio de vida (mitológico,
cultural, etc.). Também
defendeu que o movimento indígena tem muito a aprender com o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que usa a luta de
massa como luta política.
Estas exposições, me
possibilitou um contato com um promotor do Ministério Público, algo
que nunca tive a oportunidade. Também tivemos contato com um jovem
indígena que atua politicamente usando de um alto grau de
conhecimento técnico-acadêmico, e que por pouco não esteve entre
nós cursando o mestrado. Mas me deixou muito contente em saber que
ele não desistiu, e continua a sua trajetória.
Este indígena me proporcionou mais respeito a figura dos xamãs (ou
pajés). Eu já tinha muito respeito por eles, mas confesso que nem
imaginava o quanto importante são para seu povo, chegando ao ponto
de não permitirem sua saída da comunidade em qualquer situação.
Os pajés são mais importantes que até mesmo os líderes políticos,
ou seja, os caciques.
A
promotora também fortaleceu a imagem que temos de uma das nossas
mais importantes instituições democráticas, o Ministério Público.
Ela demonstrou por sua postura e argumentos que é possível
utilizar-se do Estado para a defesa dos direitos indígenas.
No
entanto, para isso, temos que nos organizar mais, é o que eu aprendi
com o assessor político da APIB. Outros movimentos devem servir de
exemplo aos indígenas e indigenistas. Com organização as vitórias
acontecem com mais facilidade.
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¹ Tema de aula na disciplina "Questões Indigenistas na Contemporaneidade", 1º semestre de 2012. Mestrado Profissional em Sustentabilidade junto a povos e terras indígenas, Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS), Universidade de Brasília (UnB).
² Sidney Baconepá Monzilar, etnia Umutina, bacharel em Direito, integrante da COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira;
³ Juliana Santili, promotora do Ministério Público Federal no Distrito Federal. Colaboradora do ISA (Instituto Socioambiental) e do IEB (Instituto Internacional de Educação do Brasil);
(4) Paulino Montejo, assessor político da APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.
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