Questão indígena no Mato Grosso do Sul

Graves violações aos direitos humanos de povos indígenas¹


Quem abre a mesa é o professor Aguilera Ñandeva², o convidado apresenta dois vídeos: um com uma reportagem da TV Record sobre o assassinato de lideranças Guarani no Mato Grosso do Sul; outro sobre a desocupação de uma terra indígena para dar espaço ao agronegócio no mesmo Estado.

Os vídeos são emocionantes, mostram conflitos entre indígenas e fazendeiros nas terras ancestrais dos Guarani e Terena. A coincidência desses fatos apresentados com outros casos pelo Brasil demonstra que as mesmas lutas desses povos sul-matogrossenses são enfrentadas por Pataxós, Tupinambás, Xavantes, e diversos outros povos que têm suas terras invadidas por produtores rurais ou especuladores imobiliários.

O convidado denuncia a precariedade da saúde em seu Estado. Que as florestas e os rios foram eliminados e poluídos. Fala da necessidade de se garantir os reais direitos, seja do indígena, seja do não-indígena. Defende a importância dos estudantes indígenas, e do mestrado em indigenismo com índios pós-graduando.

Disse que muitos colocam que a FUNAI é a causadora dos problemas, mas ela “é só mais um órgão, controlado pelos que foram eleitos”. E que é “necessário envolver os outros órgãos públicos na questão indígena”.

O professor Cristian Teófilo³ pontua que a questão indígena coloca em confronto o próprio conceito de Estado. O que ele é? Para que? Para quem? Ele ainda questiona: “De que adianta intervir a nível local se há uma questão que envolve o poder federal? A questão do federalismo”.

Disse que há mais de cem projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que envolvem a questão indígena, vão desde adoção de menores de idade até mineração e criminalização. Afirma que o Mato Grosso do Sul abriga a maior população indígena carcerário do país. Coloca que há um conflito entre direito indigenista e direito indígena.

Quanto ao território, ele diz que é visto como área de ocupação, e não como condição necessária a existência para uma cultura material, como deveria ser visto. 

O convidado defende que o maior desafio contemporâneo no indigenismo é a questão do auto-governo, da autonomia. Defende a criação de cotas para indígenas na administração pública e nos conselhos políticos.

Giovani(4) foi um pesquisador que trouxe para a academia a ressurgência do povo Kinikinau. Foi professor de nosso colega de mestrado, Rosaldo Kinikinau, e atualmente é seu co-orientador.

Ele evoca a importância de se olhar para os “povos invisíveis”. Disse que das dez etnias atualmente reconhecidas no Mato Grosso do Sul, cerca de cinco são desconhecidas por grande parte dos indigenistas, quanto mais para o cidadão comum. Muitas vezes são questionados se até mesmo são índios.

Dentre esses fala dos Atikum, povo migrante do Estado do Pernambuco, que vive no Mato Grosso do Sul a cerca de trinta anos. São mais ou menos 110 pessoas, e vivem numa aldeia Terena. Os motivos que levaram este povo a migrar do nordeste foram a seca e o plantio de maconha. Os que não aceitaram o cultivo de Cannabis em suas terras tiveram que migrar.

Outro povo invisível são os Guató, ou canoeiros pantaneiros, que também vivem no visinho Estado do Mato Grosso. Constituem cerca de 200 índios, vivendo principalmente nas ilhas do pantanal sul-mato-grossense.

Os Kinikikau giram em torno de 250 indivídios. Giovani disse que no momento da identificação como um povo indígena ressurgente, alguns indigenistas defediam que “como os Guanó [povo dado como extinto] já são considerados Terena, então vocês [Kinikinau] também ficam sendo”. Pois sua língua pertencia a um sub-grupo da família Aruak, denominado Guaná, que abrangia a língua Exualadi, Wayana, Kinikinau e Terena.

Também há os Ofaié, que hoje são menos de cem índios, ou melhor, mais ou menos 80, que vivem na margem direita do rio Paraná. É um dos povos com maior incidência de AIDS.

Os Kamba ou Chiquitano, que vivem na região de Corumbá, vêm das planícies bolivianas, terras baixas, e querem ser reconhecidos como índios no Brasil, e não do Brasil. Vivem no lixão de Corumbá, onde foram colocados pela prefeitura. Mudaram a cara do lixão para ser possível a vida lá. Giovanni ao visitar o local viu similaridade com as missões católicas na configuração. Reconhece a comunidade não como uma favela, mas como uma aldeia.

Tem ainda os Camakôco (Ichir) que vivem no Paraguay e no Brasil. Promovem diversas trocas com os Kadiwéu, inclusive de crianças. Assim como os Chiquitano, querem ser reconhecidos como índios no Brasil, mas não do Brasil, pois querem usar os serviços públicos durante o período de estiagem (seca no Chaco) quando vão para a terra indígena Kadiwéu.

Os Kadiwéu, por outro lado, são bem famosos, totalizam em torno de mil indígenas. São vistos como “índios ricos”, devido ao constante arrendamento de suas terras para produtores rurais e por possui a maior terra indígena do Estado. O maior problema dessa etnia é o consumo de drogas, principalmente o crack.

O professor Giovanni disse que os Atikum são vistos por muitos acadêmicos como índios de segunda categoria, pois são negros, falam português com sotaque pernambucano, dentre outros pontos.

Quanto aos Guató, apesar de alguns acadêmicos afirmarem que são remanescentes dos épicos índios canoeiros dominadores do Pantanal, afirmam que não são mais os mesmos, perderam a valentia.

Aos Ofaié é fadada a extinção, pois “são tão poucos que vão sumir (...) só tem cinco falantes, vão logo acabar” acreditam muitos integrantes da academia. A academia também mistifica os Kadiwéu, os pesquisadores tentam prendê-los àqueles índios cavaleiros pintados por Debret no século XIX.

Giovani defende que é necessário rever os conceitos, e idéias na academia, inclusive sobre o que é Terra Tradicional. Diz que é necessário fazer uma antropologia da academia, para ver a questão dos estereótipos acadêmicos.

Cristian disse que assim como os povos citados por Giovani, em Goiás há os Avá-Canoeiro, que por serem tão poucos, muito não os consideram índios. Também há os Tapuio que diversos acadêmicos não os consideram índios. Ele defende que a invisibilidade étnica é não ter o direito do indígena de ser um povo diferenciado, com suas instituições e cosmologia diferentes da sociedade não-índia.

Os questionamentos levantados pelo professor da UnB são muito provocativos, e nos trazem a diversas reflexões, por exemplo: Como estabelecer política pública sem um conceito definido? Como definir algo, se as coisas não tem um limite perfeito? O que fazer com as etnias de fronteira? E as miscigenadas? Como corrigir os erros históricos de discriminação? Auto-declaração? Laudo Antropológico? Academia x Estado? Estado indigenista? E o parlamento? E o preconceito entre os indígenas (aldeiado x não-adeiado)? Para qual forma original voltar? 

A colega Solange Alves polemiza mais, colocando que há ainda o problema dos “meus índios” entre os antropólogos.

Giovani ilustra com uma fala de um índio Kamba, que ao ser entrevistado falou que “é necessário ter alguém que conte a nossa história”. Ele baliza seu pensamento afirmando que “não é só ver os limites dos outros (dos índios), mas os nossos também”. E conclui dizendo que muitos indígenas que ele conversa reivindica serem olhados com respeito, inclusive pela FUNAI.

Aguilera argumenta sobre a importância da questão pedagógica, da educação. Diz que os brasileiros querem índios como os desenhados por Debret, que nunca visitou os Kadiwéu e ilustrou-os como se andassem dependurados nos cavalos durante as guerras, sendo que o fez a partir de informações obtidas no Rio de Janeiro! “Querem índio nu! E perguntam: porque você não está nu?” Ouvindo isso me lembro da fala de uma grande amiga minha, Rosi Kariri, que quando era indagada dessa forma, logo retrucava: “E porque você não está vestido de bandeirante?”

Cristian disse que usa seu instrumento de luta: a defesa de argumentos, em textos, dissertações, teses. Disse que esse instrumento deve ser usado para isso: A defesa das idéias: “Nosso projeto deve ser um projeto de luta!” disse o professor. Completou ainda que é necessário se guardar e divulgar os documentos; que um professor no papel de burocrata é um ditador. Alertou do risco de se querer ser o que não é; ter poder de tranformar algo sem poder ser.

Também defendeu que a estrutura de Estado atravessa o indivíduo e a possibilidade de revolução anárquica. É uma estrutura de poder que se formou no tempo e no espaço.

Enalteceu a figura de Paulo Freire, dizendo que é fundamental que fosse mais lido, principalmente sobre o que é descolonização. E que atualmente, o que deve ser orquestrado é a transdisciplinaridade.

Levantou a necessidade de se ter um relatório oficial sobre as questões indígenas e não apenas elaborados por uma única ONG, o CIMI (Conselho Indigenista Missionário).

“É preciso se fazer ver e ser visto!” Argumentou Cristian. E foi além, disse que a internet é um ótimo espaço para isso, mas deve ir além dos blogs, e chegar aos fóruns de debate. Defendeu a importância de se chegar nas pessoas com dados, não só com informações ou indignações. “O conhecimento é poder!”

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¹ Tema de aula na disciplina "Questões Indigenistas na Contemporaneidade", 1º semestre de 2012. Mestrado Profissional em Sustentabilidade junto a povos e terras indígenas, Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS), Universidade de Brasília (UnB).
² ÑEMORIÁ, Aguilera de Souza. Pedagogo, especialista em educação indígena, e professor indígena Ñandeva (Guarani) no Mato Grosso do Sul.
³ SILVA, Cristian Teófilo da. Antropólogo, professor e pesquisador do Centro de Pesquisa e Pósgraduação sobre as Américas da UnB (CEPAC-UnB).
4 SILVA, Giovani José da. Antropólogo e professor da UFMS.

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