MUDANÇAS PARA UMA INFLEXÃO NA HISTÓRIA

As revoluções promovidas pela humanidade trouxeram as grandes mudanças na história. Por exemplo o domínio do fogo, a domesticação de animais e plantas, o surgimento das cidades, a língua, a escrita, a revolução industrial, a informática, dentre outras revoluções foram primordiais para as mudanças no rumo do desenvolvimento do ser humano.

Atualmente, no contexto das sociedades de consumo com o paradigma do crescimento econômico como forma de medição de bem-estar das populações, se faz necessário uma nova revolução para uma grande mudança nos rumos da história.

O fato do aquecimento climático global finalmente conseguiu trazer a temática ambiental ao centro das preocupações dos grandes líderes globais. No entanto, uma grande mudança se faz necessária para que seja possível uma inflexão nos rumos da história. Esta mudança deverá ser a transição de uma sociedade do carbono, para a do baixo carbono; que superará a contradição entre crescimento e sustentabilidade. Para isto será necessário o que alguns economistas chamam de “decrescimento feliz”.

Segundo José Eli da Veiga¹ “a superação da era fóssil já começou” e será “uma nova era de progresso e prosperidade” pretendida pelas nações. Mas deverá ser promovida por todos os países, não apenas pelos industrializados.

No entanto, para entendermos sobre em que consiste o decrescimento econômico, é importante lembrar que o crescimento econômico virou objeto supremo das políticas governamentais a partir dos anos 1950, antes a meta era o pleno emprego. Nesta época, foi criado uma convicção coletiva de que “o crescimento econômico será sempre benéfico, sejam quais forem as circunstâncias” (ibdem). No entanto, para que isto fosse possível, foi necessária a utilização cada vez maior dos recursos da natureza, em especial os energéticos (estes majoritariamente de combustíveis fósseis), findando na crise ambiental vivida nos dias atuais.

O grande problema é que se todas as nações seguirem o mesmo modelo de crescimento econômico, não haverá recursos naturais suficientes para suprir esta demanda, por isso a necessidade de um decrescimento. Metodologias de calculo da pegada ecológica, ou footprint² (em inglês), demonstram que se o planeta seguir o padrão de consumo de pessoas com perfil consumista, seria necessário solo, água, ar e biodiversidade equivalente a dezenas de planetas como a Terra.

Herman Daly (apud. VEIGA op. cit.) diz que será necessário a economia global assumir uma “condição estável”, que consiste na “prosperidade sem crescimento”. O sistema econômico, por ser um sistema, não tem condições de crescer infinitivamente, ele tem os seus limites, que será dado ou pela disposição de recursos naturais ou pela capacidade do ambiente absorver os resíduos. O colapso virá cedo ou tarde. E quanto menos preparadas as sociedades estiverem, maiores serão os impactos globais, sejam eles na economia, sejam eles na própria sobrevivência da espécie humana.

O Produto Interno Bruto (PIB), que é o índice utilizado para medir o crescimento econômico, e é calculado pelas mercadorias e serviços sem qualquer distinção se são benéficos ou não para a sociedade, considera “despesas com acidentes, poluição, contaminações tóxicas, criminalidade ou guerras são consideradas tão relevantas como os investimentos em habitação, saúde ou transporte público” (ibdem). Não são computados, por exemplo, a produção de bens não comercializados como as agriculturas de subsistência, as prendas domésticas, ou a economia solidária. Ou seja, nas palavras de Eli da Veiga, “o PIB não foi inventado para medir progresso, bem-estar ou qualidade de vida, mas tão somente uma forma muito grosseira de medir o crescimento da produção mercantil. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), surgido como concorrente do PIB per capta, já nasceu obsoleto por não considerar a problemática socioambiental que fez emergir o desenvolvimento sustentável como o principal valor de nossa época”.

Assim, as mudanças necessárias para uma inflexão na história necessitaram pensar nesse decrescimento feliz, que considere novas medidas de se calcular a economia. Que procure utilizar matrizes energéticas de baixo carbono. Que traga uma política fiscal que favoreça  as iniciativas ecológicas, os empregos verdes. Que traga uma mudança na cadeia produtiva industrial, reduzindo o consumo de energia e matéria prima. E principalmente que reduza o consumismo exagerado, que é impraticável à todas as populações do planeta.

Isto tudo deverá ser efetuado centrado numa mudança estrutural nas sociedades globais, onde apenas será eficiente caso seja banido o analfabetismo, e a educação tornar-se, finalmente, primordial nas políticas públicas de todos os países. Assim, poderemos garantir que os interesses da humanidade sobressaiam aos de pequenos grupos que pregam o exclusivismo, e a detenção de toda a energia e recursos do planeta, que só promove a  miséria e os problemas ambientais globais.

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¹ VEIGA, José Eli. Mundo em Transe: do aquecimento global ao ecodesenvolvimento. São Paulo: Ed. Autores Associados, 2009.
² Center for Sustenable Economy. Ecological Footprint: How big is your ecological footprint?  Em 20/12/09-19:40

O que devemos sugerir na COP (ONU)

O debate sobre o aquecimento global e conseqüentemente das mudanças climáticas, estava restrita à ambientalistas, mas atualmente consolida-se como preocupação multi-disciplinar e intergovernamental com a realização da Conferencia das Partes da ONU (COP) tendo este tema como foco.

O Brasil, sob o comando do Presidente Lula, tornou-se peça primordial neste debate, e seu posicionamento pode ser crucial para o destino das políticas globais sobre o tema, que envolve todas as áreas da ação humana, seja da economia, da ecologia ou de qualquer outra.

A seguir, elencamos alguns pontos que deveriam ser debatidos e incluídos como política de Estado em todos os países do Planeta, caso os líderes globais queiram realmente reduzir os efeitos dessa transformação do clima acentuada pela sociedade industrial-urbana contemporânea:

1. EMPREGOS VERDES
Profissões ligadas à atividades ambientais, como agricultores orgânicos, produtores florestais, recuperadores de áreas degradadas, coletores de materiais recicláveis, educadores ambientais, gestores ambientais, bioconstrutores, etc.
 
MOTIVOS: O fomento dessa nova categoria de trabalho vai garantir que surja um mercado de trabalho ambiental, colocando o meio ambiente não como ônus, mas como outro motor na geração de emprego e renda, fortalecendo a economia.
 
2. RESÍDUOS SÓLIDOS
Incentivar a redução de resíduos, desde a produção, passando pela comercialização até o consumo, através da taxação pela quantidade de resíduo gerado e divulgando as pessoas jurídicas que praticam a redução de resíduo.
 
MOTIVOS: Os maiores geradores de resíduos industriais, comerciais ou domésticos, não podem ser tratados por igual aos que procuram gerar menos resíduos, pois aqueles além de estarem utilizando mais recursos naturais, estão reduzindo o tempo útil dos aterros.

3. FISCO VERDE
Incentivar as iniciativas privadas que usam técnicas ecológicas no meio de produção através de benefícios fiscais. 

MOTIVOS: Como grande parte da utilização de tecnologias ecológicas em um primeiro momento é muito oneroso para o empresariado, incentivos fiscais podem fomentar o início até que o mercado se estabilize.
 
4. ENERGIA
Redução drástica no uso de combustíveis fósseis, investimento em produção limpa (eólica, marítima, solar) e diminuição da matriz hidrelétrica. Valorização da produção energética próxima ao local de consumo.
 
MOTIVOS: O grande vilão dos gases de efeito estufa (GEEs) é o gás carbônico (CO2), emitido principalmente pela queima de combustíveis fósseis como os derivados do petróleo e carvão. Pouco se têm direcionado esforços no aproveitamento das energias limpas. A transmissão da energia gerada por usinas por longas distâncias também significam impactos ambientais significativos, a geração local pode diminuir este impacto.

5. TRANSPORTE
Valorização do transporte coletivo e da bicicleta. Fomento na produção de automóveis reciclados e movidos a energia mais limpa como o hidrogênio.
 
MOTIVOS: Os veículos configuram o principal poluente urbano, que trazem consigo toda uma malha rodoviária ambientalmente problemática, assim, a valorização dos transportes ferroviário, hidroviário e da utilização de ônibus urbanos, além de melhorar a locomoção urbana e interurbana, reduz a emissão de GEEs 

6. PRODUÇÃO INDUSTRIAL ECOLÓGICA
Valorização dos processos que reduzem a utilização de matéria prima, bem como reaproveitam materiais e incluem a reciclagem no processo produtivo. Responsabilizar, ainda, a indústria com a coleta de parcela das mercadorias comercializadas quando atingirem o desuso.
 
MOTIVOS: Muitas mercadorias são produzidas com uso exagerado de matéria prima, principalmente com embalagens. A cultura do descartável acabou por gerar um número muito grande de resíduos industriais e domésticos, bem como consumir energia demasiadamente. Responsabilizar a indústria deverá trazer uma mobilização positiva na cadeia produtiva das mercadorias, em especial através dos consumidores. 

7. CIÊNCIA E TECNOLOGIA
Fomento e valorização das pesquisas na área ambiental, em especial no que tange a empregos verdes, aproveitamento econômico da floresta em pé, energia limpa, transporte eficiente, etc. Com quebra de patente.

MOTIVOS: O alto nível de desenvolvimento tecnológico ligado ao uso de energias não renováveis e na geração de produtos descartáveis é a causa principal da crise ambiental. Assim, o uso desse potencial de conhecimento da humanidade deverá ser muito eficiente para o meio ambiente, e deve constituir patrimônio mundial para possibilitar que países pobres possam implantá-los. 

8. PSAs e REDDs
Implantar mecanismos de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSAs) e de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDDs) à proprietário de terras que não removem a cobertura florestal, através de incentivos tributários ou pagamentos diretos. Bem como fomentar o plantio de florestas em áreas degradadas
 
MOTIVOS: A forma mais prática de um proprietário de terra utilizar economicamente sua propriedade é através da agricultura ou pecuária. No entanto, para o planeta e para o meio ambiente local, muitas vezes é mais vantajoso que determinadas regiões do globo mantenham a cobertura florestal, assim, estes proprietários devem ser compensados financeiramente por manter a mata em pé. Bem como políticas de reflorestamento que ajudam a captar o carbono em excesso na atmosfera. 

9. PRODUTOS FLORESTAIS
Fomento de uma economia de produtos florestais, em especial aos não madeireiros, como óleos, essências, frutos, sementes, folhas, etc.
 
MOTIVOS: A falta de conhecimento do potencial que os recursos florestais podem trazer para a farmácia, a química, a alimentação, à indústria, etc. é um dos fatores que levam a derrubada da floresta e sua substituição pela agropecuária. 

10. CERTIFICAÇÃO
Controle sobre a cadeia produtiva de todas as mercadorias. 

MOTIVOS: O Estado deve ser o grande regulador e controlador de seu território e, portanto, deve garantir que as mercadorias respeitem as regras ambientais, trabalhistas e fiscais, mantendo o consumidor informado, condenando as práticas marginais. 

11. AGRICULTURA ECOLÓGICA
Fomento a técnicas agrícolas diversificadas que não utilizam agrotóxicos, transgenia, e que sejam menos nocivos aos recursos da natureza (água, solo, ar e biodiversidade).
 
MOTIVOS: A monocultura, a utilização de agrotóxicos, transgênicos, e de técnicas agressivas aos recursos naturais traz conseqüências negativas ao meio ambiente, como desertificação, assoreamento de rios, desflorestamento, aquecimento global, etc.

12. CONSUMO
Incluir a produção de bens e a economia solidária nos índices de medição econômica dos países. Fomentar o decrescimento feliz.
 
MOTIVOS: O Produto Interno Bruto (PIB) apenas contabiliza as mercadorias, ou seja, os produtos e serviços comerciados. No entanto, economias de subsistência e mercados não financeiros reduzem a utilização de recursos naturais, energéticos e transporte. Além disto, o perfil de consumo da população economicamente ativa não será possível se praticado por toda a população global, não teriam recursos suficientes para isto. 

13. SANEAMENTO BÁSICO
Coleta, tratamento e aproveitamento dos efluentes.

MOTIVOS: Os esgotos são emissores de um importante GEE, o gás meta-no (CH4), além disto, quando não coletados, trazem sérios riscos à saúde humana, poluindo os recursos hídricos. Se devidamente coletados e tratados, podem ainda, servir como fonte energética. 

14. PECUÁRIA
Reduzir a produção extensiva de bois, e fomentar a redução do consumo de carne bovina.
 
MOTIVOS: A pecuária configura-se no maior vilão brasileiro de GEEs, devido à emissão de gás metano promovida pela ruminância da boiada, somada à devastação florestal para implantação de pastos. Técnicas intensivas e orgânicas já são utilizadas em diversas partes do Brasil, e devem ser popularizadas, pois não há mais necessidade de expansão de novas pastagens. O aproveitamento das áreas já degradadas é suficiente para garantir – e ainda aumentar – a produção com qualidade, se for necessário.


Estas são algumas políticas que se promovidas por todos os países do Planeta, podem contribuir para a re-dução tanto das emissões dos gases de efeito estufa, como captá-los também. Além de trazer melhorias para o meio ambiente e para as comunidades locais e globais. Garantindo que os impactos provenientes das mudanças climáticas globais sejam, pelo menos, amenizados, já que neste momento histórico são irreversí-veis.

É POSSÍVEL A SUSTENTABILIDADE?

Como conciliar nossas necessidades de desenvolvimento com a sustentabilidade da vida no Planeta? Para garantir a sustentabilidade da vida nós devemos, principalmente, rever nosso padrão de consumo, pois caso haja um crescimento do número de consumidores nos moldes da população economicamente ativa dos países (principalmente os de economia forte), não teremos planeta suficiente para suprir a demanda por matéria prima, energia ou alimentos.

Crescimento econômico, este é um dogma que temos nas sociedades atuais, e que é medido apenas através do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, a chamada “riqueza de um país” é apenas o que ela produz e coloca no mercado para comercializar, ou melhor, a produção de mercadorias. Assim, a política dos países coloca como prioridade a intensificação e ampliação de mecanismos de crescimento econômico.

Isto acabou por criar sociedades consumistas, onde o bem-estar está vinculado a produção e circulação de mercadorias, o que requer um uso exagerado dos recursos naturais, além da capacidade que o planeta tem de oferecer tais recursos.

Toda a mercadoria é formada por materiais advindos da natureza, além disto, para que seja possível a transformação da natureza em produtos, é necessária a utilização de energia. Assim, quanto maior a quantidade de mercadorias produzidas, maior será a quantidade de produção energética que também provém da natureza. A circulação dessa mercadoria também consome mais materiais e energia. Além do mais, caso toda a população global tenha um padrão de alimentação semelhante ao realizado pelas sociedade consumistas, não teremos alimentos para todos.

Mas então, o que fazer? Manter uma classe privilegiada consumidora de mercadorias, e conseqüentemente, de recursos naturais, energia e alimentos acima da grande maioria da população global?

Algumas organizações ambientalistas dispõem na rede internacional de computadores metodologias que calculam a pegada ecológica¹ ou rastro que cada indivíduo deixa no planeta de acordo com seu estilo de vida. Estas organizações apontam que para o padrão de consumo atual da classe média brasileira (quatro integrantes na família com veículo e casa próprios), necessitaria de pelos menos, dois planetas, caso toda a população global possuísse o mesmo perfil de consumo de água, alimentos, energia, transporte e mercadorias.

Assim, uma das medidas apontadas por educadores ambientais, é a adoção de práticas simples, como a Redução, Reutilização e Reciclagem de produtos: o chamado “3R’s”. Para isto é necessário repensar e assumir novas formas de consumo, escolhendo melhor as mercadorias que utilizam menos embalagem, que são mais eficientes energeticamente, que respeitam as regras ambientais no processo produtivo, etc.

Outra medida que pode ser adotada pelos países, é o chamado “decrescimento econômico”, ou “decrescimento feliz”, que consiste em utilizar como medida de uma sociedade economicamente forte não o “PIB”, ou seja, mercadorias produzidas e comercializadas, mas sim o “bem”, que consiste em tudo que um cidadão necessita para viver feliz, independentemente se foi comprado ou produzido por sigo mesmo. Assim, a produção de subsistência, um objeto manufaturado e utilizado pelo próprio produtor também devem ser contabilizados numa economia, e mais ainda, devem ser incentivados pelo Estado, pois isto permite uma redução da utilização de recursos naturais, sejam eles na produção industrial, alimentos, transporte ou energia. Para isto é necessário uma mudança do paradigma econômico de crescimento do comércio.

Maurizio Pallante pensador e ativista italiano, diz que “Se formos capazes de colher toda a riqueza de uma relação correcta com o território, com os seus recursos, ligados a modos tradicionais de produção, nossos e vossos, podemos ter um futuro melhor, nós e vós, saindo da miséria, não porque acumulamos o máximo de dinheiro possível, mas porque conseguimos ter tudo o que nos serve para viver, sem restrições, mas também sem desperdício. Com grande respeito pelo lugar onde vivemos, com grande respeito entre nós, nas relações inter-pessoais, e com grande respeito por nós mesmos. Porque o sentido da vida não é acumular o máximo de coisas possível, mas ter relações serenas com os outros e com o lugar onde se vive”².

Assim, tanto a primeira medida, os “3R’s”, como “decrescimento feliz”, para serem finalmente aplicados, devem ser aceitos e absorvidos pelas sociedades, através da educação, protegidos por regras de Estado (Leis) que privilegiam tais opções.

No entanto, antes de qualquer medida a ser tomada é necessário pensar: quem serão as gerações futuras? Se continuarmos com grupos sociais ou países privilegiados, consumindo mais do que é possível para todos vivermos, não teremos planeta suficiente. Pois “A contradição entre o interesse individual e o interesse da comunidade é tão-somente uma das diferenças que geram comportamentos diferentes com respeito ao meio ambiente e que deram lugar à polêmica sobre a ‘Tragédia dos bens coletivos'. A moderna tecnologia, ou a ideologia produtivista que a expressa, é comumente identificada como a causa humana da atual crise ambiental. Entretanto, trata-se das manifestações mais aparentes de uma essência não tão visível, as relações sociais³.

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¹ WWF. Qual é o tamanho da sua pegada? Em 12/12/09-19:32
² CARINI, Mário. Carta de Pallante a um amigo africano – o que é decrescimento feliz. Em 12/12/09-22:02
³ FOLADORI, Guillermo. Limites do desenvolvimento sustentável. Campinas-SP: EdUNICAMP, 2001.

O que sustenta o analfabetismo no Brasil?

Os analfabetos no mundo giram em torno de 850 milhões, 35 milhões deles só na América Latina, onde o Brasil corresponde por mais de 40% desta faixa, fato que fere um dos direitos básicos concedidos pela Constituição Federal, o da Educação. Colocando o analfabetismo como sendo, ainda, um dos maiores problemas do Brasil.

O [atual] Presidente da República [Lula] poderia ter entrado para a história como o presidente que eliminou o analfabetismo do país” diz Cristóvam Buarque¹, que sustenta a idéia de que o problema poderia ter sido resolvido se a educação não tivesse perdido espaço para programas de distribuição de renda centrados na inclusão da população no mercado consumidor. O senador e ex-ministro de Lula diz que se tivesse mantido o vínculo forte da palavra “Bolsa-Escola” – substituída por “Bolsa-Família” – a imagem da educação teria saído muito mais fortalecida, e possivelmente as políticas dessa área seriam muito mais valorizadas pela população como um todo. Pois quando se desvincula a educação e vincula a família no principal programa de distribuição de renda do governo, favorece, assim, uma postura inconsciente de que o mais importante não é a escola e sim ter filhos.

O analfabetismo dificulta a troca de informações e de idéias entre as pessoas, diminuindo drasticamente as possibilidades de aprendizado técnico ou teórico. Isola as pessoas em sua própria sociedade, abrindo espaço para práticas políticas coronelistas que usam do fato da ignorância informativa das pessoas para expandir seu poder político, através de pequenos privilégios aos eleitores, como compra de voto, presentes, ou mesmo ameaçando-os.

O analfabetismo também aumenta o desnível social e econômico. Pesquisas da UNESCO apontam que a pobreza está intimamente ligada ao analfabetismo. Timothy Ireland em seu artigo intitulado “Analfabetismo até quando?”² aponta que “é preciso frisar a importância primordial da alfabetização para a democracia, para a liberdade individual e coletiva e para desenvolvimento socioeconômico e sustentável das nossas sociedades. (...) A educação é um dos melhores investimentos, tanto para a melhoria e dignificação da vida quanto para a sociedade”.

O fato de uma pessoa ter freqüentado a escola não significa que ela foi alfabetizada, pois temos diversos exemplos de analfabetos informais, que concluíram o ensino fundamental, mas não têm condições de realizar operações básicas da aritmética, ou mesmo compreender ou elaborar um período textual. São considerados “cegos sociais” como conceitua Oliveira (2000)³. Isto deixa claro que é necessária uma mudança no próprio sistema educacional brasileiro.

No mundo contemporâneo, a informação corresponde na maior riqueza que o ser humano pode acumular, pois não lhe é roubada tampouco se perde com o tempo. Ser analfabeto é estar condenado a não usufruir das possibilidades que a era da informação pode lhes oferecer.

Mas a quem interessa a manutenção de analfabetos no país? Aos trabalhadores? A classe produtiva? Aos meios de comunicação? Esta é uma pergunta difícil de se responder.

Não é fácil identificar a qual grupo social é vantajoso a manutenção de analfabetos, por outro lado, a poucos importam a sua eliminação pois como nos coloca Ireland (op. cit.) “sinais de recessão são normalmente acompanhados por cortes nos investimentos sociais em áreas mais vulneráveis como educação e saúde e em programas de assistência aos segmentos mais pobres. Se esses gastos já eram pequenos na maioria dos paises da América Latina, corremos o risco de cortes que colocam em perigo os modestos avanços dos últimos anos”. Assim, nas sociedades mais imediatistas como a brasileira, é mais importante garantir que o ensino de qualidade se restrinja aos níveis universitários, que produz informação, idéias e tecnologias, do que ao ensino de base, cujos frutos serão colhidos apenas a longo prazo.

Ireland (ibdem) complementa que “há que se investir mais em políticas sociais de longo prazo destinadas a aumentar a eqüidade e a inclusão. Entre essas políticas sociais evidentemente incluímos a educação no sentido amplo – educação básica, alfabetização e educação continuada para jovens e adultos. Qualquer corte nos orçamentos da educação de adultos, que na maioria dos países não chega a representar 1% do orçamento da educação, seria um retrocesso e um novo ato de exclusão. Mais do que isso, o analfabetismo representa um custo alto e um poderoso obstáculo para o Brasil inserir-se no mundo como nação democrática e cidadã”.

Nestes termos, observamos que não há um ator social específico que deseja o analfabetismo, mas há poucos que o colocam como prioridade na política pública brasileira. Os analfabetos tem menores condições de participar do mercado de trabalho, do mercado consumidor, do usufruto de serviços públicos como bibliotecas, museus, serviços básicos como transporte urbano, ou até mesmo o uso de dinheiro no comércio. Ou seja, o analfabeto é um indivíduo muito mais propício à margem da vida social como um todo.

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¹ Cristóvam Buarque. Ex-ministro da Educação do Governo Lula e atual Senador da República pelo PDT-DF.
² IRELAND, Timothy. (2008). Analfabetismo até quando? In UNESCO-BRASIL. Em 03/12/09-19:50
³ OLIVEIRA, L. A. Analfabetismo: Causas e conseqüências. UEPG: Ponta Grossa, 2000.

HÁ DEMOCRACIA NO BRASIL?

Democracia, do grego: demos = povo; kratia = governo, poder. Trata-se de um regime de governo cujas maiores decisões se dão pelo povo. Pode ser exercido diretamente ou indiretamente através de representantes. A Democracia direta é utópica, pois para que fosse exercida em sua integridade seria necessária a ausência de funcionários de Estado¹. A construção democrática é um processo, construído pacificamente para se atingir a sua plenitude, tolerando todas as formas de pensamento e ação política, de acordo com as diversas crenças, culturas e religiões que convivem no mesmo território.

Apesar de a própria palavra democracia estar vinculada ao povo, este é comumente substituído por cidadãos, ou seja, as pessoas que gozam livremente dos direitos de uma determinada sociedade e cumpre com seus deveres. Um Estado democrático, para ser efetivo, necessita primeiramente de uma definição clara de quem são seus cidadãos. Isto já demonstra seu grau de democracia. Podemos dizer que quanto maior a abrangência de pessoas residentes em determinado território na categoria de cidadão daquele Estado, mais democrática será esta sociedade. Além disto, a diversidade de idéias defendidas e grupos organizados convivendo pacificamente na gestão das instituições do Estado também deve ser considerada em uma sociedade plural, democrática e tolerante, isto pode ser observado pela quantidade de partidos políticos legalmente ativos em determinado território.

A Constituição Federal do Brasil, em seu artigo 1º, diz que “a República Federativa do Brasil (...) constitui-se em ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO”. Assim, o Brasil é um país cuja democracia é auto-declarada. No entanto o simples fato de ser uma democracia “de direito”, não o credencia a sê-lo “de fato”. Por exemplo: a China com seu regime uni-partidário e altamente repressor declara-se um país democrático; Os EUA usam o termo democracia para alterar o quadro político de determinados lugares no mundo através de intervenções militares. Ou seja, não há o exercício da cidadania de toda a população envolvida nestas decisões e, portanto, não podem ser considerados países democráticos.

Para ser uma democracia, “de fato”, temos que avaliar: A forma como a população residente em um determinado território participa das decisões sobre ele; Como se configura o poder do Estado desse território; Como são discriminados os direitos e deveres da população residente no território.

A Carta Magna brasileira declara que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”, e para garantir essa “soberania popular”, em seu Art. 14 institui o “sufrágio universal”, o “voto direto e secreto, com valor igual para todos”.

É considerado brasileiro toda a pessoa nascida no território nacional, o filho de brasileiro ou o estrangeiro naturalizado. Os cidadãos considerados eleitores são obrigados a votar, que são todos os brasileiros com seus direitos políticos em vigor, residentes ou não no país, maior de 18 anos de idade. Facultado às pessoas com 16, 17 ou maiores de 70 anos, aos analfabetos e aos naturalizados. Os cidadãos considerados aptos a se candidatar devem ser brasileiros, ter seus direitos políticos em exercício, ser eleitor e alfabetizado, residir na circunscrição eleitoral, ser filiado a um partido político, e ter idade mínima para ocupar o cargo.

O Estado Brasileiro constitui-se em Três Poderes independentes e harmônicos entre si: o Judiciário – que julga e pune através das leis; o Legislativo – que elabora as leis e fiscaliza as contas do Estado; e o Executivo – que executa as leis e governa. O pleito popular ocorre apenas para a escolha dos representantes principais no poder Legislativo e Executivo.

Quanto aos direitos do cidadão brasileiro, destacam-se alguns pontos do artigo 5º da Constituição²: igualdade (inclusive de gênero e raça), legalidade, integridade, liberdade (de opinião e religiosa), intimidade (inclusive a inviolabilidade de domicílio), sigilo das comunicações, propriedade, habeas-corpus, mandado de segurança, defensoria pública, ação popular, garantia processual, dentre outros.

Apesar deste tão avançado arcabouço burocrático para a prática da democracia no Brasil contemporâneo, suas experiências são bastante questionáveis em sua história. A democracia no Brasil – nos momentos em que ocorreu – sempre foi indireta. No período colonial, como estava sob o domínio da Coroa portuguesa, não houve exemplo de democracia, os principais funcionários do Estado eram hegemonicamente portugueses nomeados pela Coroa. No império, houve um momento de bi-partidarismo da nobre elite brasileira, que governava sob a tutela do monarca. A República Velha foi um momento de fortalecimento das elites regionais, com diversos partidos federalistas liderados por caudilhos. A Revolução de 1930 foi um momento de grande democracia, de pluripartidarismo, com mulheres eleitoras, mas que durou apenas 7 anos, pois logo foi interrompido pela ditadura do Estado Novo. Em 1945 volta a democracia no Brasil que dura 19 anos, interrompida com o golpe da Ditadura Militar em 1964. Uma nova abertura política inicia-se em 1979, dando espaço para a Nova República, sacramentada pela Constituição de 1988. 3,4

Atualmente o país vive seu ápice democrático “de direito”, simbolizado por uma das mais avançadas e democráticas Constituições do mundo. No entanto, ainda não se apresenta como uma democracia plena, “de fato”, devido à concorrência díspar entre candidatos, que favorece a permanência no poder dos grupos com maiores condições de gastos com campanhas. Além disso, os grandes meios de comunicação são controlados por poucos grupos. Acrescenta-se, ainda, a ausência de eleições no Poder Judiciário, fazendo com que os cidadãos não tenham participação direta em suas decisões. Isto tudo distancia as soluções para problemas como justiça social, distribuição de renda, equilíbrio ambiental, mantendo antigos problemas como corrupção e enriquecimento de grupos detentores do poder.

Assim, apesar da declaração de abertura da Constituição do Brasil, que pretende


“instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”

a democracia neste país ainda está em processo de consolidação, e caso não seja interrompido no decorrer de sua história futura – pois foram muitos momentos de autoritarismo no passado que ainda marcam o pensamento e atos de muitos representantes de sua elite 5 – poderá um dia, oxalá, instituir o verdadeiro Estado Democrático o qual se pretende.

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¹ Wikipédia. Democracia. Em 17/11/09-19:01
² Jornal do Senado, Especial Cidadania. Direitos e garantias fundamentais do cidadão. Em 18/11/09-17:15
³ Colégio Academia (2008). A Democracia no Brasil. Em 19/11/09-11:40
4 Tribunal Superior Eleitoral. História das eleições no Brasil. Em 19/11/09–11:50
5 L'APICCIRELLA, Nadime. Democracia no Brasil. In Revista Eletrônica de Ciências Nº 24. São Carlos: 2005.

Nossa mentalidade brasileira

A forma natural que nós brasileiros nos posicionamos e reagimos frente a diversas questões e assuntos, ou seja, nossa “mentalidade”, não é algo simples de ser traduzida, pois corremos um sério risco de cairmos em generalizações, no sentido da falsa hegemonia que este conceito pode trazer.

O antropólogo Darcy Ribeiro¹ coloca que o Brasil é formado por diversas matrizes culturais, com inúmeras etnias, sendo nossa identidade criada a partir da miscigenação do indígena, do africano e do europeu. Essa identidade brasileira, baseada em uma multi-etnicidade, possui uma história marcada por relações de dominação, assimilação e troca cultural entre nossas matrizes, que ainda encontra-se em plena construção. Portanto, é muito perigoso fazer afirmações em torno de uma “mentalidade hegemônica” brasileira.

Podemos dizer, no entanto, que temos algumas posições majoritárias que são constituídas a partir da formação do povo brasileiro: nas relações sociais cotidianas, no comércio, na política, na administração, dentre outras áreas.


Roberto DaMatta² nos traz uma importante análise para entender nossa mentalidade. Ele coloca que a sociedade brasileira possui um arranjo fortemente hierarquizado (vertical), marcado pela pessoalidade, onde a posição social de determinada pessoa o credencia para alguns privilégios. Ele destaca a frase: “Você sabe com quem está falando?” muito utilizada por alguns de nós brasileiros para intimidar seu interlocutor, rebaixando-o socialmente, na tentativa de se beneficiar com algum privilégio em determinada situação.

O mesmo autor coloca que existem outras sociedades cujo arranjo social é horizontal (não hierarquizado) e exemplifica com a frase: “Quem você pensa que é?”. Assim, estas sociedades são marcadas pela impessoalidade, onde as normas são respeitadas com maior rigor, independente da classe social.

DaMatta infere que as relações sociais no Brasil são permeadas pela busca por “privilégios”. Isto é evidente quando observamos as relações comerciais do mercado interno brasileiro, onde há a diferenciação dos clientes através de sua categorização como: primeira classe, estilo, ouro, platinum, VIP, class, personalité, dentre outras formas de proporcionar a diferenciação entre um cliente dito especial e outro comum. Isto eleva hierarquicamente os brasileiros.

Estes privilégios podem ser observados, ainda, na política, através do chamado “foro especial”, ou seja, alguns cidadãos – pelo fato de exercerem mandato eletivo ou ocupar cargo judiciário ou militar – podem ser julgados apenas em “situações especiais” e, se mesmo assim forem condenados, cumprem punições diferenciadas do restante da população.


Este tipo de postura pode ter suas origens na formação do país no período colonial, pois segundo Gilberto Freyre “o Brasil colonial seria um caso extremo de descentralismo político, criando as condições para um patriarcalismo que se cristaliza em mandonismo local ilimitado, pela ausência [ou distanciamento] de instituições intermediárias acima da família” nas decisões locais (apud. SOUZA, 2001)³. Isto explica diversos atos vistos como normais em nossa sociedade, mas que ultimamente vêm sendo questionados, como o nepotismo, prática típica de sociedades monárquicas cuja transferência de poder se dá aos seus entes familiares – como ocorria na Europa medieval e absolutista.

O coronelismo reinante no Brasil colonial – e que sobrevive até os dias de hoje em determinadas regiões
brasileiras – personifica os três poderes das instituições do Estado brasileiro. Fato intensificado pelo “foro especial” às “autoridades”, estas que acabam por usar a máquina pública em benefício próprio. Distanciando, assim, o Estado da população brasileira, não possibilitando que a noção do público seja apropriada pela massa de brasileiros. Assim, quando há uma política pública que beneficie a população, esta responde com surpresa, recebe-a como um favor, um presente dado pelos políticos. Abrindo espaço à corrupção, e adicionando à mentalidade brasileira o equívoco de que “todo o político é corrupto”, distanciando parte de nós brasileiros da vida política de nosso país (4).

Esta falta de noção da coisa pública promove o descaso do patrimônio pela própria população, onde é comum opiniões como: “é público, posso fazer o que eu quero”, resultando em depredações de bens públicos como escolas, praças, ruas, etc.

Presente em nossa mentalidade está ainda o chamado “jeitinho brasileiro” – onde vigora a vulgar “Lei de Gérson” (5) – que aceita o desrespeito às normas ou regras da sociedade, desde que traga benefício a si próprio. Também conhecido como malandragem.

No que tange aos recursos naturais, nossa mentalidade é mitificada no fato de que são abundantes ou
inesgotáveis, proporcionando uma gestão irresponsável desses recursos, através do desflorestamento dos biomas, poluição dos recursos hídricos (em especial nos ambientes urbanos), escassez dos mananciais, etc.

Apesar da máxima de que o “Brasil é o país do futuro” nós somos uma sociedade que pouco planeja sobre ele. Valorizamos mais as ações no presente do que as suas conseqüências. Isto trouxe historicamente diversos problemas à nossa poupança e à urbanização. Um político que quer se re-eleger, evita ações a longo prazo pois “isto não dá voto” e promove apenas ações paliativas de grande impacto no presente.

Salientamos que, como já posto inicialmente, é impossível colocar uma mentalidade hegemônica brasileira, e afirmar que todos nós somos assim: nepotistas, corruptos, malandros, coronelistas, pessoais... No entanto, não podemos negar a sua existência.

Embora tudo isso faça parte de nossa mentalidade – com as devidas proporções – somos um povo otimista,
que acredita que tudo vai dar certo no final. Que cultua as belezas do corpo, donos de um orgulho imenso de viver, com muita festa, cerveja, futebol e carnaval! Um povo que se orgulha de suas paisagens e de sua diversidade e que não nega sua simplicidade. VIVA O BRASIL!

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¹ RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Comp. das Letras, 1995
² DAMATTA, Roberto. Carnavais, Malandros e Heróis. 3.ª Ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.
³ SOUZA, Jessé. A sociologia dual de Roberto DaMatta: Descobrindo nossos mistérios ou sistematizando nossos autoenganos. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 16, nº 45. São Paulo, 2001.
4 ALVES FILHO, Ari Martins. A construção social da corrupção. Goiânia: Assembléia Legislativa do Estado de Goiás.
5 Lei de Gérson: Reclame dos cigarros Vila rica em 1976, onde o meio armador Gérson da Seleção Brasileira de Futebol dizia: "Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também!"

A HISTÓRIA TEM LÓGICA?

Lógica, de acordo com o pensamento aristotélico¹ é uma idéia construída e afirmada através de argumentos ou por comprovações materiais organizadas. Uma idéia lógica, com sentido, busca a comprovação da verdade, a construção do conhecimento.

Dessa maneira, é sim possível ver lógica na história, já que sua elaboração metodológica se dá através de argumentações construídas com base em evidências materiais como os artefatos arqueológicos, ou manuscritos antigos, bem como imagens, sons, livros ou outros tipos de registros que apresentam algum aspecto sobre determinado momento do tempo social manifestado num espaço definido.

Por outro lado por ser a história uma construção de idéias a partir de indícios e registros produzidos pela própria espécie humana em tempos passados (ou atuais), ela é fortemente influenciada pelas ideologias e pela cultura de quem as produz ou as reproduz. Assim, nem sempre o registro é passado de uma forma isenta, mas a partir de um olhar construído por diversos outros olhares.

Ou seja, a verdade buscada pela lógica pode ter diversos aspectos, diversas facetas. A versão de determinado fato histórico pode ser interpretada por opiniões distintas, mudando o sentido do que é a verdadeira verdade. Assim, a verdade é fruto da construção lógica de argumentos, podendo ter diversas facetas, e versões.

Como exemplo: a construção do Brasil enquanto Estado-nação. Alguns intelectuais e defensores do avanço civilizatório para o Oeste, como o nacionalista Rondon², podem dizer que o pensamento ocidental aportado na costa brasileira com os portugueses, marchou na direção do sertão sul-americano, avançando Tordesilhas, e ocupou o que era desconhecido, 'impondo' a força ou através da razão um mundo dito 'civilizado', em prol da construção de uma identidade única, falante da mesma língua, e compartilhando da 'mesma' história. Assim, seguiu a lógica do conquistador, que veio, viu e venceu³. Rondon acreditava que a ocupação do sertão do oeste brasileiro por colonos do litoral e a integração dos indígenas à cultura brasileira seria o verdadeiro progresso da nação brasileira.

Mas se por outro lado, observar através do olhar do conquistado, não será fácil encontrar a mesma lógica, a mesma verdade. A Declaração Solene dos Povos  Indígenas do Mundo diz que esse avanço ocidental, que se deu em toda a América, e em diversas partes do mundo, foi construída “com fome de sangue, de ouro, de terra e de todas as suas riquezas, trazendo numa mão a cruz e na outra a espada, sem conhecer ou querer aprender os costumes de nossos povos, nos classificaram abaixo dos animais, roubaram nossas terras e nos levaram para longe delas transformando em escravos os ‘filhos do Sol’”4.

Há quem considere o legado de Rondon como “a primeira solva em uma guerra de destruição ambiental e etnocídio que continua até nosso dias (...) [No entanto] a motivação de Rondon proveio de outra fonte (...)sonhos de unificação nacional, de um Brasil maior e integrado”5. Eis a dialética da lógica da histórica.

Qual a lógica da história afinal? A lógica do conquistador ou do conquistado? Seria a verdade única, dita por diversos aspectos diferentes, de acordo com a visão lógica do observador? Ou seriam diversas verdades que se manifestam no tempo e no espaço de acordo com a lógica de quem a procura? Como a teoria da física quântica que apresenta o universo como super cordas paralelas, em distintas freqüências, formando uma “malha composta por diversas realidades de energia”6 que são sintonizadas de acordo com as partículas elementares que nas cordas vibram 7. Eis a dialética da lógica da história: a lógica de quem?

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¹ Aristóteles, filósofo grego da Antiguidade.
² Mal. Candido Mariano da Silva Rondon, militar e sertanista brasileiro que implantou um ramal de comunicação entre o sul e o norte no sertão oeste do país, cruzando o então estado do Mato Grosso, onde hoje é o estado de Rondonia. Também criou o Serviço de Proteção ao Índio, atual FUNAI.
³ "Veni Vidi Vinci", declaração do imperador romano Caius Julius Caesar ao conquistar o reino do Ponto na Ásia Menor, atual nordeste da Turquia.
4 Declaração solene dos Povos Indígenas do Mundo. Port Albemi: Conselho Mundial dos Povos Indígenas, 1975.
5 DIACON, T. A. Rondon. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, pp 93.
6 Silvânias. (2008). As super cordas da física quântica. Em 22/09/09-19:40.
7 ABDALLA, E. Teoria quântica da gravitação: Cordas e teoria M. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 27, n. 1, p 147-155. Em 20/09/09-22:22.

Saltos da humanidade

As maiores transformações da humanidade ocorreram a partir do impacto da apropriação e transformações dos recursos da natureza. Podemos dizer que essas grandes transformações, ou saltos, da humanidade, se deram em diferentes áreas, mas refletiram todo o desenvolvimento da história humana, trazendo grandes transformações. Na economia os maiores saltos se deram com o desenvolvimento das seguintes atividades:
  • Agricultura: viabiliza o surgimento do sedentarismo;
  • Comércio: possibilita o acesso a diversidade de víveres;
  • Indústria: desenvolve uma complexidade de objetos.
Estes três grandes saltos ocorreram anacrônicamente em diferentes partes do planeta, ou seja, não podemos dizer que há uma lógica ordem de ocorrência dos fatos, pois segundo Max. Sorre¹ a condição de vida das sociedades, ou gêneros de vida, tem uma íntima relação entre o meio onde situam e as sociedades com quem mantém relações; assim, alguns grupos, devido ao seu meio e relações sociais com outros grupos, desenvolveram as diferentes áreas da economia em momentos e níveis distintos, portanto, temos uma diversidade de sociedades que não praticam todas estas áreas; quer seja pela ausência da necessidade, quer seja pelo contato com outros grupos sociais que não dominavam determinada área da economia.


A agricultura (e o pastoreio) surgiu na humanidade por volta de 7mil (a 10mil) anos atrás, em planícies férteis e bem irrigadas: na Mesopotâmia, entre os rios Tigre e Eufrates; na China, junto ao rio Amarelo; e nas várzeas do rio Nilo, no Egito. Essa técnica de domesticação de plantas e animais trouxe para a humanidade o sedentarismo, e com ele a possibilidade do desenvolvimento das diversas faculdades intelectuais ou manuais humanas, nas artes (música, dança, pintura, escultura, literatura...), na política (surgimento das cidades, das instituições e das civilizações), na fiolosofia, ciência e tecnologia. No entanto, para que essas faculdades pudessem ser desenvolvidas por pessoas que não praticavam a agricultura, foi necessário o surgimento do comércio e das relações trabalhistas, inclusive na forma de escravidão.


O comércio, em conjunto com a agricultura, viabilizou o surgimento de uma complexa divisão do trabalho nas sociedades, tornando possível a alimentação de diferentes grupos sociais, como a manutenção de exércitos. O comércio em sua forma mais rudimentar consistia no escambo de mercadorias e, conforme foi se tornando mais complexo surgem as moedas, que correspondiam a unidades de medida de valor para fins de troca de mercadorias, trazendo novos saltos para a humanidade, pois não havia mais necessidade de se conduzir toda a sua produção para o mercado quando necessitasse de outro bem, mas sim reduziria o volume por algumas moedas ou notas.


Quanto à indústria, podemos dizer que surge com a mecanização da manufatura dos objetos. Ou seja, objetos que levariam dias ou até meses para serem produzidos, passam a levar poucas horas. As consequencias são: o aumento do número de objetos disponíveis para comercialização, com redução de seu valor-de-troca, até que a demanda pelo objeto aumente acima da produção. O grande salto na industrialização foi o surgimento da máquina a vapor, na Inglaterra, com a chamada Revolução Industrial (sec. XVIII).


No entanto, além desses saltos na economia, a humanidade passou por diversos outros saltos, como nas comunicações, onde podemos fazer alguns destaques:
  • Surgimento da língua: possibilita a comunicação entre seres humanos através da transmissão de uma idéia;
  • Escrita: possibilita o registro de informações tornando viável a comunicação entre pessoas que não necessariamente estejam juntas no mesmo tempo ou espaço;
  • Imprensa: comunicação escrita em escala industrial;
  • Telecomunicações: mensagens, idéias e imagens transmitidas por longas distâncias;
  • Internet: um universo de informações em tempo real, em qualquer parte do globo.
As formas desenvolvidas pela humanidade para se comunicar foram cruciais para a viabilização de grandes avanços nas sociedades. A troca de informações é essencial para que uma determinada idéia se configure em algo real, ou traga a repercussão desejável, ou seja, se concretize, passando do mundo subjetivo para o objetivo.


Os diferentes tipos e desenvolvimentos dos transportes também podem ser vistos como saltos da humanidade. Pois possibilitaram o deslocamento de pessoas e objetos, aproximando distantes áreas em períodos cada vez mais curtos. Os grandes saltos nas áreas dos transportes podem ser diferenciados da seguinte maneira:
  • Domesticação de animais para o transporte;
  • Surgimento da roda, primeiras carroças;
  • Navegação;
  • Trem;
  • Automóvel;
  • Avião.
Além das áreas da economia, comunicação e transporte, o surgimento das cidades se configuram em outro grande salto da humanidade, pois nelas se dão as mais complexas relações sociais, tornando possível as mais complexas instituições, dentre elas destaca-se o surgimento do Estado.


No entanto, dar juízo de valor a estes “saltos” da humanidade, colocando que estes avanços representam uma melhoria na qualidade de vida das pessoas e ao bem-estar do planeta, pode ser um equívoco, pois não necessariamente uma sociedade que apresente todos os níveis de avanços nas áreas da economia, transporte, comunicação e urbanização, configura-se em um povo feliz, sem problemas. Muitas vezes, comunidades tradicionais que passaram por poucos “saltos” são capazes de criar um ambiente muito agradável e de boa convivência entre seus integrantes, demonstrando que os “saltos”, se vistos pelo prisma de uma sucessão de avanços da humanidade, podem nem sempre ser para a plenitude, mas também “saltos” para abismos, trazendo discórdia, desequilíbrio e até mesmo guerras.


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¹ SORRE, Max. (1940) Fundamentos da Geografia Humana. In MEGALE, J. F. Geografia. Ática: São Paulo, 1996.