Vozes dos Biomas

Geobiodiversidade em áreas protegidas na Mata Atlântica


Você já ouviu falar sobre geobiodiversidade? E neste contexto, qual papel as unidades de conservação e terras indígenas tem exercido para a conservação da Mata Atlântica e quais pressões sofrem na atualidade?



Caso o vídeo não esteja a disposição acima, clique na frase "assistir no Youtube" que aparece no centro quadro negro, ou acesse <https://www.youtube.com/watch?v=NuTX3vENLMs> diretamente no canal da jornalista Sucena Shkrada Resk.


138ª entrevista do programa Vozes dos Biomas do Blog Cidadãos do Mundo, conduzida pela pela jornalista Sucena Shkrada Resk.

Sistemas locais de áreas protegidas, conservadas e verdes (e azuis)

Balizamento conceitual e relevância


Cláudio Carrera Maretti
Beatriz B. Aydos
Victor B. Ferraz
Ângela C. Guirao
Juliana Echeverri
Sueli A. Thomaziello
André L. Lima
Rodrigo Martins dos Santos
Gabriel N. Fenerich
Sueli Angelo Furlan    
Marta de Azevedo Irving

 

Resumo

O quadro legal brasileiro supõe a implementação de UCs pelos governos locais. A tradição da gestão urbana de qualidade define espaços livres, parques urbanos e áreas verdes. Este artigo trata desses e outros tipos de áreas,no interesse da sociedade, expresso sobretudo no nível local e em relação às cidades. Trata da importância dos sistemas dessas áreas protegidas, verdes e azuis,locais e as diretrizes que devem considerar, como um conjunto integrado, interativo, dinâmico e evolutivo, para resultados e impactos positivos. Esses sistemas precisam ser reconhecidos no âmbito da conservação da biodiversidade. Como somos progressivamente sociedades urbanas, são fundamentais na promoção da saúde e do bem-estar e no enfrentamento das mudanças climáticas, que já chegaram. Interessa que sua governança seja participativa e inclusiva e que haja contribuição efetiva para a qualidade de vida dos grupos sociais que habitam as cidades, com eficácia e equidade.

 

 

Introdução

Quando se pensa em áreas protegidas, normalmente se associa a UCs (UCs), principalmente as federais, por vezes seguidas das estaduais. Além disso, quando se pensa em áreas protegidas, a associação com a conservação da biodiversidade é muito forte e os biomas e ecossistemas mais emblemáticos,mesmo mais distantes, são os mais evocados – como Amazônia, Pantanal. É mais raro que se lembre das áreas protegidas locais ou urbanas.Isso se deve ao fato de que as UCs são o tipo mais importante de áreas protegidas no Brasil para a conservação da natureza e da sua biodiversidade. Diferente de muitos países, o Brasil tem uma lei geral que estabelece o sistema nacional de UCs, o qual prevê que todas as categorias de gestão podem ou devem ser criadas nos três níveis de governo(Lei nº 9.985, 2000, a Lei do SNUC).

Além disso, tem sido dada relativamente pouca atenção aos sistemas, sejam eles de UCs ou de outras áreas protegidas, assim como a outros serviços fundamentais que os ecossistemas e as áreas protegidas e verdes prestam. Ao considerar a qualidade de vida das pessoas (ressaltando que grande parte da população é urbana, 85%, segundo IBGE), especialmente com relação a saúde, bem-estar e enfrentamento das mudanças climáticas, deve ser considerada a importância, não só das UCs próximas, mas também das demais áreas protegidas, conservadas, verdes e azuis.

A instabilidade na gestão e governança das UCsnos tempos atuais e a necessidade de criar estratégias cada vez mais perenes e integradas, faz com que seja necessário considerar a importância dos papéis complementares entre os três níveis de governo e com os outros tipos de governança de áreas protegidas, inclusive privados e comunitários.

Neste artigo tratamos de áreas protegidas e verdes e azuis locais, incluindo vários tipos e categorias - como as UCs, as áreas que contribuem com a conservação da natureza, os territórios tradicionais, os espaços vegetados e aquáticos destinados ao lazer ou à qualidade da paisagem -, consideradas também individualmente, mas preferencialmente em seus conjuntos e sistemas, em sua complexidade e no relacionamento com seus contextos, especialmente na lógica urbana das cidades. Dessa forma, quando mencionamos, simplificadamente, apenas ‘áreas protegidas e verdes’, ou expressão similar,solicitamos que o conceito seja entendido no seu sentido mais completo e complexo.


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Conclusões ou considerações finais

Os sistemas de áreas protegidas e verdes devem contribuir para a qualidade de vida de todas as pessoas e todos os grupos sociais, especialmente nas cidades. Uma das expressões internacionais mais importantes atualmente são os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, inclusive o ODS 11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis, além da Nova Agenda Urbana (ONU, 2016). Assim, para cidades e comunidades mais saudáveis, são fundamentais as capacidades de entender o papel das áreas naturais, protegidas ou verdes e de conhecer e atuar nos espaços de planejamento, ordenamento e gestão das cidades.

É crescente a importância das relações entre as funções das áreas protegidas e verdes e as cidades, governos locais e grupos sociais e a resiliência baseada em ecossistemas e a promoção do bem-estar e da saúde. Embora a valorização das áreas protegidas locais como ferramentas eficazes de conservação da natureza e de promoção da qualidade da vida humana tenha aumentado ao longo dos anos, é necessário um enfoque mais sistêmico e integrado, uma vez que essas áreas, sozinhas e fragmentadas, não conseguem alcançar plenamente os seus objetivos.Assim, os planos e os sistemas municipais de áreas protegidas e verdes são instrumentos de extrema relevância para a qualidade de vida das sociedades humanas, especialmente nas cidades, além de suas funções para a conservação da natureza e os associados serviços ecossistêmicos. O desenvolvimento de estratégias de longo prazo, com participação e transparência, incluindo monitoramento participativo e prestação de contas, além da aplicação dos princípios de equidade na governança e na gestão das áreas individuais e dos sistemas é fundamental para a efetividade dessas áreas.

Destacamos umas das principais recomendações deste artigo: a integração entre os sistemas de áreas protegidas com objetivos de conservação da natureza, tipicamente nacionais, e os sistemas de áreas protegidas, verdes e azuis que promovem a qualidade de vida sobretudo nas cidades, tipicamente locais, municipais. Precisamos que o SNUC seja mais atuante, como um sistema, incluindo os níveis estadual e municipal. É fundamental a inclusão de todas as UCs municipais no CNUC, além do estabelecimento de um mecanismo de registro para OMECS para que possam aportar para o cumprimento das metas brasileiras no cenário global. Existe um debate inicial sobre o cadastramento de áreas verdes, o que seria interessante. Mas o fundamental seria o apoio aos processos municipais de planejamento e gestão de sistemas de áreas protegidas e verdes. O entendimento e busca pela complementaridade entre as áreas, os tipos e as categorias, e entre os parceiros de sistemas que extrapolam o município (buscando um SNUC como um “SUS ecológico”) representa um marco importante na construção destes processos municipais de gestão. Para isso, também se faz necessário instituições gestoras fortes, capazes, reconhecidas, com bom relacionamento entre elas e com orçamentos adequados e estratégias financeiras complementares e integradas (como um “FUNDEB das áreas protegidas”).

Para promover a boa qualidade de vida e, portanto, para também superar os problemas de baixa prioridade da conservação da natureza e das áreas protegidas e verdes e azuis, além do conhecimento científico e técnico e das argumentações econômicas e até emocionais, é indispensável viabilizar a reconexão entre sociedade e natureza, inclusive de forma coletiva. Como seria de grande interesse a promoção dos sistemas de áreas protegidas, verde e azuis, se faz necessário o reconhecimento dos interesses diversos e das múltiplas contribuições dos grupos sociais e a promoção da participação e do engajamento dos diversos atores, por diferentes tipos de acordos, parcerias e meios, formais e informais a fim de servir melhor aos interesses da sociedade. Éindispensável ter uma gestão aberta e inclusiva, com múltiplas interações com a sociedade, para estimular processos adequados de participação, contribuição e uso, principalmente local. Isso é o que chamamos de conservação colaborativa.


 

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(Disponível apenas na versão impressa)

Capítulo de publicado entre as páginas 238e 261 da obra OVIEDO, A. E. P.; BENSUSAN, N.. (Org.). Como proteger quandro a regra é destruir. Brasília: ISA; Mil Folhas, 2022.


Mapeamento da desterritorialização etnolinguística no Sudeste e Leste do Brasil durante as primeiras invasões europeias

1500-1700 EC

 

RESUMO

Análise cartográfica do processo de desterritorialização etnolinguística de povos originários do leste de Abya Yala, e consequente territorialização de povos europeus invasores. A acelerada diminuição da diversidade linguística do planeta é marcante na globalização. Esse processo se torna evidente nas Américas a partir do final do século XV, com as invasões europeias. Mediante análises cartográficas e antropogeográficas busca-se entender qual era a distribuição geográfica das áreas etnolinguísticas, por meio das quais é possível apontar propostas de territórios e regiões etnolinguísticas no Sudeste e Leste do Brasil, nos dois primeiros séculos de invasão eurocidental. O presente texto apresenta proposta de mapeamento desses espaços a partir de fontes qualitativas ineditamente mapeadas, e aponta locais de onde partiu sua desfiguração. As conclusões são de que havia diversas porções desse espaço que poderiam ser consideradas hotspots etnolinguísticos, mas que foram eliminados por meio do processo de desorganização territorial ocasionado a partir do século XVI. Isso fortaleceu o que hoje é identificado como globalização.

 

INTRODUÇÃO

A expansão do capitalismo mundial consolidou-se como um dos mais fortes modificadores de paisagens, territórios e regiões geográficas. O processo de globalização ou mundialização (Raffestin, 1993) vem amplificando diversos fenômenos homogeneizantes, através dos quais estão sendo eliminadas culturas, línguas, espécies (vegetais e animais) e identidades ancestrais em favor de uma cosmologia (ou racionalidade) homogênea, europeizada (Ratzel, 1912: 191).

Em alguns meios, é propagada uma imagem idílica da globalização como fomentadora de um mundo sem fronteiras, que torna todos "cidadãos do mundo". Entrementes, na realidade, ocorre ao contrário, ela está eliminando a diversidade biológica e cultural existente. Sobre isto, Clark (2004) comenta que a cada mês duas línguas desaparecem no planeta. Isto levou a Organização das Nações Unidas (ONU) a declarar o ano de 2019, e a década de 2020, como das línguas indígenas. A expansão de um mundo globalizado, homogeneizado, elimina sua heterogeneidade, extinguindo espécies biológicas e sistemas culturais. A resistência indígena e de outras culturas locais ou marginalizadas, não corresponde apenas a uma reação visando à sobrevivência de um grupo étnico específico, mas uma resistência contra a força de homogeneização promovida pela globalização.

Nesse sentido, questionamos: qual era a distribuição geográfica das línguas e povos indígenas no Sudeste e Leste do Brasil (atuais estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia e Sergipe) no momento das primeiras invasões europeias? O processo de desterritorialização etnolinguística dos povos originários no Brasil, foi iniciado após as primeiras invasões de europeus sobre seus territórios no século XVI, e continua até os dias de hoje. Trabalhos que buscaram mapear a diversidade e extensão das áreas etnolinguísticas originárias do Brasil (Loukotka, 1967; Nimuendaju, 2002; Kaufman, 2007) apresentam algumas lacunas de locais não mapeados por insuficiência de dados. Isso deixa vácuos na identificação da verdadeira extensão da área ocupada e do território dominado por determinada família linguística. Para superar essa deficiência, complementamo-las com o mapeamento inédito de informações qualitativas constantes de outras bases.

Com o objetivo de melhor entender como se deu o início dessa desterritorialização, nos apoiamos em análises antropogeográficas (Ratzel, 1909) com uso da cartografia. O olhar crítico das análises neste texto é inspirado na proposta da decolonização (Quijano, 2005), no sentido de repensar o processo de formação do território brasileiro sobre a multiterritorialidade de Abya Yala. É necessário que a história indígena seja mais bem contada nos livros didáticos, conforme prevê a Lei 11.645/08. Narrativas cartográficas auxiliam esse entendimento e pode embasar movimentos de emergência étnica e etnoterritoriais, bem como trazer à luz maiores evidências do passado colonial brasileiro.

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Mapa 1 - Áreas etnolinguísticas no leste-sudeste do Brasil por volta de 1500 EC. Autor: DOS SANTOS, Rodrigo Martins (2021).

Mapa 1 - Áreas etnolinguísticas no leste-sudeste do Brasil por volta de 1500 EC. Autor: DOS SANTOS, Rodrigo Martins (2021).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após esta análise preliminar, é possível afirmar que a diversidade étnica e linguística foi uma das principais características do Sudeste e Leste do atual Brasil. Havia nesse espaço, durante os primeiros dois séculos das invasões europeias, 265 etnias/povos indígenas, pelo menos.

Podemos dizer que havia duas macrorregiões etnolinguísticas: uma à oeste do São Francisco, dominada por povos de língua Jê; e outra à leste, com alta diversidade etnolinguística, possivelmente constituída pelos descendentes dos Antigos Brasileiros do Leste, os primeiros seres humanos que povoaram essa porção do planeta, falantes de línguas Puri, Borun, Maxakali, Kamakã e diversas outras. Eles compartilharam a porção norte dessa macrorregião com povos de língua Kariri, e o litoral e porções do São Francisco com povos de língua Tupi-Gurani. Também é notável a grande presença de zonas de contato etnolinguístico nessa macrorregião, sinalizando que havia intenso intercâmbio cultural ou disputa territorial no momento das primeiras invasões europeias.

Por fim, indubitavelmente, podemos considerar que havia, nessa porção do planeta, diversos hotspots etnolinguísticos. Estes, lamentavelmente, foram sendo eliminados, gradativamente, por meio do violento processo de desorganização territorial, movido, a partir do século XVI, pelos invasores eurocidentais. Este processo de desterritorialização etnolinguística fortaleceu o fenômeno que hoje é identificado como globalização. Reconhecer essa violência territorial e cultural sofrida pelos povos originários dos invasores europeus é uma premissa para a decolonização.

De resto, o presente texto abre para outras possibilidades de investigação, por exemplo: como apresentar territórios etnolinguísticos em livros didáticos? Qual a importância disso? É possível utilizar esse instrumento como forma de subsídio na autodeterminação territorial de povos originários e emergentes? Ou para a conscientização da população envoltória? Quais foram os territórios que sucederam a esta territorialidade originária? É possível construir análises semelhantes para a formação de territórios ou regiões culturais caipiras, sertanejas, caiçaras, quilombolas ou de outras comunidades tradicionais? Existe uma correlação entre zonas de maior diversidade etnolinguística com as de maior biodiversidade? Enfim, estas questões ficarão para outras investigações.

 

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Clique aqui para acessar o artigo publicado na edição 53 - 2021 da CONFINS - Revue Franco-Brésilienne de Géographie. DOI https://doi.org/10.4000/confins.42944. ISSN 1958-9212.

Paisagens do sentir

Episódio #12 do podcast O sagrado & as femininas, de Bibi Cunha Joaninha.

 

 

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* Entrevista bate papo com Rodrigo Martins dos Santos, concedida à Fabiana Cunha em janeiro de 2022.