Proposta de criação e ampliação de áreas protegidas em São Paulo

Proposta de criação do Parque Natural Municipal Borda da Serra do Mar, Floresta Municipal do Gramado e ampliação de áreas protegidas na cidade de São Paulo

Rodrigo Martins dos Santos
Alejandra Maria Devecchi
Rosélia Mikie Ikeda


RESUMO

Apresenta estratégias para a proteção e conservação do patrimônio ambiental no Extremo Sul da Cidade de São Paulo através da criação e ampliação de unidades de conservação (UC) de domínio público, interligadas por corredores ecológicos (CE) e apoiadas pela gestão da Área de Proteção Ambiental (APA) já existente. As modalidades de UC sugeridas são: 1. Parque Natural na bacia do rio Capivari (PNM Borda da Serra do Mar); 2. Floresta Municipal na bacia do rio Embu-Guaçu (FLOMU Gramado); 3. Ampliação do Parque Natural Municipal (PNM) Cratera de Colônia; e 4. Ampliação do Núcleo Curucutu do Parque Estadual da Serra do Mar – PESM. Desta forma o Sistema de Áreas Verdes do Município de São Paulo se expandirá por meio da destinação de uso de terras devolutas e desapropriação de terras não exploradas, integrando-as ao patrimônio ambiental de domínio público da cidade.

Palavras-Chave: unidade de conservação - criação; São Paulo, mananciais, plano diretor


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Artigo originalmente publicado nos Anais do III Simpósio Nacional de Áreas Protegidas, organizado pela Universidade Federal de Viçosa, em 2014. 

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INTRODUÇÃO

            Este trabalho foi feito em consonância com o Plano Diretor Estratégico de São Paulo (PDE), Lei Municipal 13.430/02, que estabelece como diretivo da Política de Desenvolvimento Urbano Ambiental para a zona sul da cidade a “ampliação dos territórios protegidos, tais como, novas unidades de conservação” e também com o Plano Regional Estratégico de Parelheiros (PRE-PA), Lei Municipal 13.885/04, que possibilita “criar mecanismos para a proteção de corredores biológicos, por meio da criação de novas unidades de conservação e de estratégias para a preservação de terras particulares”. Este é, ainda, um trabalho representativo da Diretriz XIII da Lei Federal 9.985/00 (Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC), que é de

proteger grandes áreas por meio de um conjunto integrado de unidades de conservação de diferentes categorias, próximas ou contíguas, e suas respectivas zonas de amortecimento e corredores ecológicos, integrando as diferentes atividades de preservação da natureza, uso sustentável dos recursos naturais e restauração e recuperação dos ecossistemas.

            A criação/ampliação das UCs municipais previstas nesta proposta deverá contribuir para a conservação e recuperação de remanescentes de Mata Atlântica. Estas áreas atualmente fornecem serviços de ecossistema importantes ao município, como a proteção das áreas de mananciais e a conservação da biodiversidade, dentre outros. Esta proposta visa manter prioritariamente a conectividade biológica entre o Parque Estadual Serra do Mar (PESM) – fonte de sementes e semeadores nativos – e áreas já constadas como prioritárias para a restauração: a Cratera da Colônia e Áreas de Preservação Permanente (APP) relacionadas à produção de água e interesse científico.
            Há um amplo consenso social sobre a importância de proteger as áreas aqui tratadas, pois já estão protegidas por legislação local – Zoneamento Geo-Ambiental (ZGA) da APA Capivari-Monos (APA-CM), e zoneamentos do PDE e PRE-PA; estadual – Área de Proteção de Mananciais (APM) e Zona de Amortecimento (ZA) do PESM; federal – APP (Lei Federal 12.651/12), áreas preservadas pela Lei da Mata Atlântica (Lei Federal 11.428/06); e internacional – Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de São Paulo das Nações Unidas. Esta gama de legislação, no entanto, não estabelece um sistema legal coerente, o que é exacerbado pela falta de fiscalização efetiva (FINNEY & SANTOS, 2014).
            Diversas pressões ambientais fortes estão presentes na região de estudo. A Subprefeitura de Parelheiros (SPPA), onde se localiza a área de interesse, tem sofrido um crescimento populacional muito rápido desde 1991, crescendo em torno de 9% ao ano, segundo dados do levantamento censitário do IBGE.
            Frente este consenso legal-social, baseado na importância ecológica e hidrográfica desta área, e com plena consciência das ameaças ambientais existentes nesta região, a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo (SVMA) começou uma serie de estudos sobre a criação de UCs nesta área. Foram consideradas todas as classes constantes no SNUC. Considerando o valor natural e social desta área, junto com o quadro administrativo vigente, as classificações de PNM e FLOMU foram identificadas como sendo as mais adequadas para complementarem o papel das UCs já existentes: APA-CM e PESM (SVMA, 2009b).
            É importante ressaltar que a categoria de Parque Estadual e PNM correspondem ao Parque Nacional, uma área sob domínio público, cujo objetivo básico segundo o SNUC é:

a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.

            Da mesma forma, a categoria FLOMU corresponde à Floresta Nacional, e também é uma área sob domínio público, configurando-se por ser, de acordo com o SNUC:

Área com cobertura florestal de espécies predominantemente nativas e tem como objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável de florestas nativas. (...) é de posse e domínio públicos (...) a pesquisa é permitida e incentivada.

            Nos dois tipos de UC é permitida também a visitação pública, condicionada às normas estabelecidas para o manejo da unidade.


JUSTIFICATIVA PARA CRIAÇÃO DAS UCs

O proposto PNM Borda da Serra do Mar deverá ser contíguo ao PESM, a maior área protegida de Mata Atlântica no Brasil. Estas áreas estão inseridas em zonas de Proteção de Vida Silvestre (ZVS) e de Uso Sustentável (ZUS) da APA-CM. Também se constituem Zonas Especiais de Proteção Ambiental (ZEPAM) pelo zoneamento do PRE-PA.
            O PNM Borda da Serra do Mar deverá ser implantado na região de Evangelista de Souza, área de potencial ecoturístico comprovadamente apresentada pelos estudos das câmaras técnicas de turismo sustentável da APA-CM e dos trabalhos técnicos produzidos pela Divisão de Unidades de Conservação do Departamento de Parques e Áreas Verdes da SVMA (DEPAVE-DUC), onde se destaca o projeto de implantação do “Polo Ecoturístico de Evangelista de Souza” e o “Inventário, Diagnóstico e Plano de Turismo das APAs Capivari-Monos e Bororé-Colônia.” (SVMA, 2005; 2009a; 2011). A vertente direita do rio Capivari, região preservada conhecida como Curucutu (ou Krukutu), onde se localiza o córrego do Getúlio, apresenta a maior biodiversidade ainda não protegida da cidade de São Paulo, pois segundo o inventário de Fauna da Cidade (SVMA, 2008) possui importante diversidade de fauna como a suçuarana ou onça parda (Puma concolor capricornensis), espécie em extinção e ainda encontrada no território municipal; e a Anta (Tapirus terrestris), maior mamífero terrestre das Américas. Em relação a flora, a região apresenta diversos exemplares endêmicos, como a Ocotea curucutuensis, uma espécie de canela encontrada próximo aos campos naturais desta região (GARCIA, 2003).
            Esta estratégia de um PNM em Evangelista de Souza poderá ser conciliada com a ampliação do Núcleo Curucutu do PESM, tendo em vista que será uma UC adjacente e grande parte do fundiário ainda não preservado por estatuto legal ser de propriedade do Estado, da extinta FEPASA (Ferrovias Paulistas S. A.).
            A Cratera da Colônia, por sua vez, localiza-se em área tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT), como Zona Especial de Proteção e Recuperação do Patrimônio Ambiental, Paisagístico e Cultural (ZEPAC) da APA-CM.
            A estratégia de ampliação do PNM Cratera de Colônia, na bacia da represa Billings, vem no sentido de que a área existente não atinge os objetivos que a UC pretende, que é a de preservar o patrimônio científico e cultural do astroblema de Colônia.
A proposta de FLOMU no Gramado está localizada na porção oeste da APA-CM, é predominantemente ZUS, com pequena porção em Zona de Uso Agropecuário (ZUA) e ZVS. CEs poderão ser implantados em áreas que não ficarem protegidos nessas UC.
No extremo sul municipal, temos a região do Gramado, uma porção do território caracterizada pela grande presença de atividade agrícola, que se fortaleceu com a presença de colonização alemã do século XIX. Aproveitando esse potencial e implantando efetivamente uma das estratégias presentes no ZGA da APA, o poder público municipal deverá implantar uma FLOMU nesta região, tendo em vista a necessidade de pesquisas e área de experimentação do uso econômico da Mata Atlântica com técnicas sustentáveis, como os Sistemas Agroflorestais, dentre outros modelos que poderão ser disseminados junto aos diversos proprietários agrícolas da região dos mananciais, através de capacitações nesta UC.

Oportunidade e Conveniência

            Os dois parques, a floresta e o corredor ecológico encontram-se integralmente na Macrozona de Proteção Ambiental do município, onde “a instalação do uso residencial e o desenvolvimento de qualquer atividade urbana subordina-se à necessidade de preservar, conservar ou recuperar o ambiente natural”.
            Interligando estas UCs, deverá ser fomentado a criação de CEs (ou Biológicos) junto às propriedades privadas, através de pagamentos por serviços ambientais, fomento de RPPN, consolidação de APP e Reservas Legais, dentre outras estratégias, possibilitando a intercomunicação do material biogênico da Mata Atlântica entre as diversas categorias de Áreas Protegidas.
            Em termos de serviços de ecossistema, as áreas aqui tratadas fazem parte do sistema de mananciais que fornece 30% de água potável da cidade de São Paulo. Como uma área de transição entre o município e o PESM, esta área também serve como zona de amortecimento, reduzindo efeitos de borda e vetores de pressão sobre os ecossistemas nativos. Como uma área contígua com o PESM, faz parte do maior remanescente da Mata Atlântica existente, um ecossistema considerado como um dos cinco mais ameaçados do mundo. Como vetores de restauração, estas áreas também contribuem para a conectividade entre a Mata Atlântica nativa (uma fonte de sementes e semeadores) e áreas já definidas como prioritárias para a restauração, como a Cratera da Colônia e APP. Estas funções ecológicas por si só justificam a criação de UC na área de estudo.
            Além disso, a presente proposta visa contribuir com a política de planejamento urbano da cidade, em consonância com o PDE, que estabelece como um objeto da Política de Urbanização e Uso do Solo “estimular o crescimento da Cidade na área já urbanizada, dotada de serviços, infraestrutura e equipamentos, de forma a otimizar o aproveitamento da capacidade instalada e reduzir os seus custos”. Assim, esta proposta devera fortalecer o cinturão verde do município, limitando o crescimento populacional no extremo sul, também previsto no Anexo XX – Livro XX do PRE-PA:
Art. 1º - A política de desenvolvimento urbano-regional estabelecida por este Plano Regional Estratégico tem como princípios gerais: I. promover o desenvolvimento da região a partir de alternativas econômicas voltadas ao desenvolvimento rural, tais como turismo e agricultura sustentáveis, compatíveis com a proteção dos mananciais, com vistas à produção de água e à proteção dos ecossistemas; (...) IX. criar mecanismos para a proteção de corredores biológicos, por meio da criação de novas Unidades de Conservação e de estratégias para a preservação de terras particulares.

            No que concerne a Rede Hídrica Ambiental, também presente no PRE, são contemplados outros aspectos que conferem a viabilidade dos projetos:

Art. 15 – São diretrizes deste Plano Regional Estratégico o saneamento da: (...) III. bacia hidrográfica do Capivari-Monos, compreendendo as Cabeceiras do Ribeirão dos Monos e o Ribeirão Claro. Art. 16 – Deverão ser preservadas como áreas verdes, públicas e privadas, as áreas contidas: I. na faixa de 30 metros ao longo de cursos d’ água, independentemente de sua titularidade.

            Assim, com base nessas evidências legais, fisiográficas e socioambientais, vislumbra-se a oportunidade e conveniência de ser criar/ampliar as unidades de conservação e outras áreas protegias mencionadas. 

Fig. 1. Fluxograma de implantação de UC de domínio público. Org. Rodrigo Santos.


ETAPAS PARA IMPLANTAÇÃO DAS UCs

O modelo proposto na Fig. 1 foi elaborado tendo por base as etapas e fases que as primeiras UCs municipais de São Paulo perpassaram, principalmente as de domínio público como os parques naturais e os lineares. É uma sugestão de Plano de Trabalho para identificação, desapropriação, e criação das UCs citadas.
Assim foram identificadas três etapas de implantação de uma UC, cada qual com três fases onde são esperados um produto específico, conforme observa-se na figura. A seguir é descrito com mais detalhe cada uma dessas etapas, fases e produtos.

ETAPA “A” – ESTUDOS PARA DEFINIR AS UCs

            A etapa A, que são os estudos para definir uma unidade de conservação, é dividida em três fases, a saber: A.1. Estudos Preliminares; A.2. Levantamento Fundiário; A.3. Plano de Gestão. Para cada uma dessas fases são esperados os seguintes produtos: p.A1.  Prioridades preliminares; p.A.2. Mapa Fundiário; p.A.3. Definição das UCs e Pré-Zoneamento. A seguir será detalhado cada fase e produto desta etapa.

FASE A.1 – Estudos Preliminares

            Esta fase representa o resultado dos estudos preliminares, que visaram revisar a legislação e literatura existente com a proposta de estabelecer áreas preliminares para criação de UC no extremo sul de São Paulo. Tal revisão foi efetivada por técnicos da SVMA com ajuda de Christopher Finney, mestrando em Gestão Ambiental pela Yale University, entre maio e agosto de 2008 (SVMA, 2009b). As áreas preliminares são baseadas no Zoneamento Municipal, ZGA da APA-CM, PRE-PA, Plano de Gestão do PESM, usos do solo, rede viária, trabalhos acadêmicos publicados, e publicações do grupo de trabalho sobre áreas protegidas organizado pela Universidade de São Paulo, cujo resultado foi:
  • A área denominada como ZEPAM/09 pelo PRE-PA coincide com ZVS da APA-CM. Esta área é limítrofe com o PESM em quase toda a sua extensão dentro do município mais a Fazenda da SABESP, e é a área indicada aqui como proposta para receber o PNM Borda da Serra do Mar;
  • A área da Cratera da Colônia, denominada como ZEPAM/16 e ZEPAM/17 pelo PRE-PA, coincide com a ZEPAC da APA-CM. Nela já se encontra o PNM Cratera de Colônia onde no presente estudo apontamos sua ampliação;
  • A ZPDS/01 (Zona de Proteção e Desenvolvimento Sustentável) do PRE-PA coincide com a ZUS da APA-CM, totalmente apropriada para receber a FLOMU do Gramado aqui proposta;
  • Um CE de aproximadamente 1500 m de largura entre a ZEPAM/09 e a ZEPAM/17, mais APP dos Rios Vermelho e Embu-Guaçu, deverão ser preservados para garantir a conectividade das UCs. O corredor proposto localiza-se na APA-CM, em ZVS, ZUS, e ZUA (coincidente com ZEPAM e ZPDS municipal), onde o Conselho Gestor da APA poderá fomentar a criação de RPPN. Caso os proprietários não garantam seu uso ecológico, estas propriedades poderão fazer parte do Plano de Expansão das UCs que serão implantadas, convertendo-se em terras públicas.

             Assim, esta revisão na legislação possibilitou a indicação de algumas modalidades de áreas protegidas, que poderão ser observadas na Fig. 2 e no Produto p.A.1 (Fig. 3), e estão elencadas a seguir: 
  • PNM: porção preservada da bacia hidrográfica do rio Capivari (região de Evangelista de Souza-Marsilac-Ponte Seca) e Cratera de Colônia (expansão da UC existente);
  • FLOMU: Região do Gramado;
  • CEs interligando as UCs, com fomento de RPPN;
  • Expansão do PESM às terras do Estado confrontantes ao parque.

             A FUNAI (Fundação Nacional do Índio) – órgão federal responsável pela criação de Terras Indígenas (TI) – possui um plano de expansão das TIs Guarani localizadas no extremo sul do município. Os limites das UCs propostas deverão sofrer alterações caso apresentem sobreposição com essa expansão de TI. Certamente estas alterações deverão ser em benefício às TI, tendo em vista diversos estudos, como os apresentados por Nepstad et. al. (2006), que compara dados sobre a eficiência na preservação, controle e uso sustentável da floresta em TIs e em diversas categorias de UC. Este mérito se dá, grande parte, pelo fato de os grupos indígenas serem tradicionalmente Povos da Floresta e, portanto, necessitam dela para sobreviver, promovendo a sua proteção e uso adequado, além de possuírem um conhecimento a respeito da mata que é passado por gerações através de sua cultura, desde o nascimento até a fase mais experiente, especialmente o grupo indígena Guarani (Ladeira, 1992).

Fig. 2. Sobreposição do Zoneamento Ambiental do território com as Áreas indicadas para implantação de UC. Não foi incluído o perímetro de expansão das Terras Indígena, que deve ser considerado como prioridade em relação às UCs. Org. Rodrigo Santos.

            Segundo Ladeira (op. cit.) a Mata Atlântica é o verdadeiro ambiente dos Guarani, ocupam-na há centenas de anos, e são afetados diretamente com as alterações na biota, em especial devido a aproximação da vida urbana, sendo então necessária a expansão de suas terras para garantir, além da proteção da floresta, o próprio modo-de-vida tradicional Guarani (Ladeira, 2000), uma das matrizes da formação da identidade brasileira.
            O produto esperado para esta fase A.1 é o Mapa de prioridades de conservação, apresentado na Figura 3.

Fig. 3. Produto p.A.1 – Mapa de prioridades preliminares de conservação para o extremo sul do Município. Áreas indicadas para implantação de UC de domínio público. Não foi incluído o perímetro de expansão das Terras Indígenas, cuja prioridade é maior em relação a criação de UC.

FASE A.2 – Levantamento fundiário

            Para maior definição de territórios prioritários quanto aos critérios administrativos estabelecidos, e para viabilizar a aquisição de terras, é preciso um levantamento fundiário de todas as áreas consideradas como prioridade preliminares. Aqui, vale destacar que existem glebas territoriais no extremo sul do município que são devolutas. O levantamento fundiário representa uma importante fase, pois existem áreas que já são públicas, mas não possuem nenhum instrumento de gestão, e outras que são particulares, mas os proprietários são desconhecidos.
            Por causa do caráter rural da área em questão, espera-se que este trabalho será facilitado pelo tamanho relativamente grande das glebas. O levantamento deverá ser efetivado segundo a metodologia descrita em IBAMA (2001), considerando os seguintes passos: 
  1. Levantamento dos limites das propriedades;
  2. Pesquisa cartorial;
  3. Elaboração do laudo de informação fundiária;
  4. Características dos ocupantes;
  5. Infraestrutura física existente;
  6. Avaliação.

             O produto esperado para esta fase A.2 é um Banco de Dados Fundiário, conforme apresentado na Fig. 4.

Fig. 4. Situação Fundiária (parcial) da APA-CM. Associado a este mapa elaborado pela Divisão de Patrimônio Ambiental da SVMA existe um banco de dados geo-referenciado que contém diversas informações fundiárias como: nome do proprietário, número da matrícula de registro do imóvel, dentre outras.

FASE A.3 – Plano de Gestão

            As UCs sugeridas para implantação poderão iniciar as atividades previstas em sua gestão assim que forem adquiridas as primeiras Terras (Etapa “B”), utilizando a Sede da APA-CM como apoio na execução desta tarefa, até que seja constituída estrutura administrativa compatível com a categoria e estrategicamente posicionada no interior de cada UC.
            O SNUC constata que “a criação de uma unidade de conservação deve ser precedida de estudos técnicos e de consulta pública que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade, conforme se dispuser em regulamento”. Além disso, a Lei Municipal 13.136/01, que estabelece a APA-CM, na qual se localiza a presente proposta, especifica que “o gerenciamento da APA Capivari-Monos será feito de forma participativa e democrática, por um Conselho Gestor, composto por representantes do Poder Público e da sociedade civil”.
            Dado este quadro, deverão ser efetivados trabalhos participativos com a comunidade local, estabelecendo uma oportunidade de refinar e melhorar a definição de terras prioritárias para desapropriação, de categorias de UC a serem implantadas, e de planos de manejo. Este trabalho com a comunidade se dará por via da APA-CM, a fim de aproveitar a rede social existente, e por via de oficinas públicas, amplamente disseminadas, a fim de incluir o maior numero possível de stakeholders (participantes).
            O produto esperado para esta fase A.3, são os Planos de Gestão de cada uma das unidades propostas, a seguir são apresentadas algumas diretrizes que servirão de subsídio para a elaboração dos Planos de Gestão das Unidades propostas neste Estudo. O Plano de Gestão deverão definir a categoria das UCs e estabelecer um pré-zoneamento delas.
            Por abrigar diversos dos principais atrativos naturais da APA-CM (SVMA, 2009a) a área do PNM Borda da Serra do Mar apresenta grande potencial para o ecoturismo (vide fig. 5, 6 e 7), e, portanto estes focos de visitação deverão ser aproveitados e garantidos no seu Plano de Gestão de acordo com as estratégias de uma unidade de proteção integral desta categoria. O fato de servir como ZA ao PESM também deve ser considerado, protegendo parte da Mata Atlântica que ainda não possui uma gestão ambiental presente.

      Fig. 5 Praia natural no rio Capivari, após o encontro com o ribeirão dos Monos.


Fig. 6 Estação de Evangelista de Souza, possui plano para trem turístico.

            Já que o PESM mantém um centro de pesquisa e administração no extremo sudoeste do município, o centro administrativo do PNM deverá ser implantado na outra ponta, no extremo sudeste do município, ao sul da Zona de Interesse Turístico e Histórico (ZITHC) de Evangelista de Souza, próximo ao encontro dos Rios Capivari e Monos e da Estação de Evangelista de Souza, pois, além disto, a SVMA já possui um plano para implantação de um Polo Ecoturístico na região (SVMA, 2005).
            O Parque deverá prever, ainda, outros dois núcleos, um na Estrada de Capivari, próximo a Fazenda Capivari da SABESP, com um centro de visitantes com monitores, e outro próximo da Represa do Capivari. Consolidando assim, três núcleos de visitação, educação e pesquisa para o Parque:
  • Núcleo Evangelista de Souza;
  • Núcleo Capivari;
  • Núcleo Ponte Seca.

             Para dar maior controle de usos indesejáveis, e aumentar a acessibilidade para pesquisa, educação ambiental e turismo sustentável, deverá ser previsto guaritas nas três vias oficiais onde entram na área de Parque Natural proposto, vinculados aos centros de visitação, educação ambiental e pesquisa.
            O centro educacional e de visitação principal compreende o projeto já discutido pela Câmara Técnica de Turismo da APA-CM, chamado “Polo Ecoturístico de Evangelista de Souza” (ibid.).
Em relação a FLOMU no Gramado, seu Plano de Gestão deverá prever a implantação de uma sede administrativa na área próxima ao Jd. dos Eucaliptos, na área municipal localizada ao final da rua Ministro Marcos Freire, onde há uma considerável terra devoluta (Fig. 8), e é servida por linha oficial de ônibus que contribuirá aos acessos à esta UC, já que é uma categoria de Uso Sustentável, e portanto, seu uso e visitação será menos restrito que as demais.

Fig. 7Cachoeira do Capivari, localizada no interior do PESM

Fig. 8 Terra Devoluta na com represamento e exuberante Mata Atlântica, área proposta para tornar-se FLOMU

            Deverá prever a implantação de viveiros e áreas para a experimentação de manejo de espécies nativas para fins econômicos, que poderão ser implantados nas propriedades rurais localizadas no interior das APAs Capivari-Monos e Bororé-Colônia, e outras áreas da região dos mananciais.
            Nela deverão ocorrer oficinas e capacitações aos agricultores, difundindo práticas ecológicas de cultivo e manejo da terra, integrando às atividades da Casa de Agricultura Ecológica “José Humberto Siqueira”.

ETAPA “B” – AQUISIÇÃO E REGULAMENTAÇÃO DE UC

            A etapa B corresponde à aquisição e regulamentação das UCs, é dividida em três fases, a saber: A.1 Aquisição de terras devolutas ou não tituladas; A.2 – Aquisição de terras privadas; A.3. – Criação e início da gestão. Para cada uma dessas fases, são esperados os seguintes produtos: p.A1. – Liminares judiciais de posse; p.A.2 – Domínio público das UCs; p.A.3 – Decreto de criação e início da administração das UCs. A seguir será detalhado sobre cada fase e produto desta etapa.
            As fases desta etapa poderão caminhar paralelamente, pois de acordo com o SNUC “excluem-se das indenizações referentes à regularização fundiária das UC, derivadas ou não de desapropriação [...] as áreas que não tenham prova de domínio inequívoco e anterior à criação da unidade”. Tal regra representa uma grande oportunidade para o Município de São Paulo, já que – como apresentado na Fig. 4 – existem grandes porções de terras na área de interesse em estado devoluto e outras não tituladas, que caso não sejam destinadas a algum uso público, serão alvo fácil de grileiros e especuladores imobiliários.
            As terras devolutas deverão ser adquiridas pelo poder publico do Município de São Paulo, para fins de maior proteção ambiental, independentemente de quaisquer outros procedimentos aqui descritos. Dentro da ZEPAM/09 poderão continuar com a proteção legal vigente, sob posse do município, até serem estabelecidas as UC. Esta negociação deverá ser entre a SVMA, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) e a Secretaria de Negócios Jurídicos do Município (SNJ).
            O processo de aquisição de terras se resume no seguinte procedimento: 
  1. Levantamento da cadeia dominial do imóvel no cartório de registro de imóveis, verificando, através de analise de cadeias sucessórias, e consistência dos dados, ate a devolução do imóvel;
  2. Apuração das ocupações de boa-fé;
  3. Planta cadastral de situação de cada imóvel e memorial descritivo da área em questão;
  4. Apuração dos valores das benfeitorias, bem como de culturas, criações e florestas plantadas nela existentes;
  5. Consulta a SNJ e PGE, para apuração da situação legal do imóvel e valoração oficial;
  6. Desapropriação (no caso de imóvel privado) e posse legal do imóvel com vistas à efetivação da Unidade. 
            Uma vez estabelecida a condição de devolução de uma área, o custo adicional da aquisição devera ser mínima, já que será efetivada por processo judicial.
            Nos levantamentos fundiários executados pela SVMA, PGE e SNJ, foi constatado, além da existência de Terras Devolutas e Não Tituladas, também se constatou Terras pertencentes ao Estado, grande parte delas contíguas a área decretada PESM. Esses imóveis deverão ser anexados àquele parque, tendo em vista que é uma UC consolidada e os imóveis serem adjacentes.
            Terras que forem do Estado, e que não forem contíguas ao Parque Estadual, poderão ser transferidas a Municipalidade para incorporarem-se às UCs propostas.
            Como grande parte das terras localizadas no interior das UCs propostas são devolutas ou de dominialidade pública, não haverá necessidade de desapropriações para a criação inicial das unidades. No entanto, caso seja indicado as relevâncias de ampliação sobre terras privadas, o processo de desapropriação dessas áreas deverá ser iniciado.
O CE, por outro lado, deve permanecer sob posse privada, mas sujeito a fiscalização mais rígida e zoneamento ambiental mais forte que o atual (recomenda-se que o Corredor seja denominado como ZUS, com proibição de silvicultura de espécies exóticas).
            Os produtos esperados para estas fases são o “domínio municipal das terras devolutas” (p.B.1) e o “domínio municipal integral das UCs” (p.B.2). O primeiro produto dependerá da transferência da administração das terras devolutas do Estado para o Município gerir. Para isso a SVMA deverá solicitar a administração das áreas junto a Procuradoria de Patrimônio Imobiliário da PGE apresentando uma proposta inicial de gestão das áreas, que inclui os Produtos p.A.1 e p.A.2 apresentados no presente estudo. Após análise da PGE-PPI e os devidos trâmites internos nos órgãos estaduais, a SVMA será informada sobre a transferência de administração das terras devolutas do Estado para o Município, e o Departamento de Patrimônio da SNJ (DEPATR) então poderá aceitar o domínio da área como patrimônio municipal. Após isto, as terras já são municipais e SVMA poderá então iniciar a implantação da UC conforme seu Plano de Gestão definir.
            Para o produto p.B.2, a Divisão de Patrimônio Ambiental da SVMA (DEPLAN-DPAT) possui um banco de dados de grande parte dos proprietários ou matrículas imobiliárias das propriedades privadas constantes no interior dos perímetros propostos para as UCs. Assim, facilita-se a delimitação em planta georeferenciada contendo os confrontantes, limite da propriedade legal e levantamento planialtimétrico-cadastral de algumas propriedades, necessários para a valoração dos imóveis a serem desapropriados.
            Em SVMA, as compensações ambientais por corte de vegetação são destinadas a aquisição de áreas dentro do plano de expansão de áreas verdes, mediante aprovação no CONFEMA (Conselho do Fundo Especial do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável).

FASE B.3 – Criação e Administração

            Tendo em vista que o Corpo Administrativo das UC deverá ficar inicialmente localizado na sede da APA, após efetivarem a aquisição das primeiras terras que formarão o núcleo inicial de cada UC, a SVMA providenciará a publicação oficial do Decreto Municipal que cria a respectiva UC.
            A SVMA também deverá dotá-la, a partir desta criação, de um gestor (administrador) que deverá implantar inicialmente o previsto no Plano de Gestão e criar condições para o avanço das outras etapas que consolidarão a respectiva UC, como o Plano de Manejo e o Conselho Gestor.
            O produto esperado para esta fase é a publicação do “Decreto de criação de cada uma das UC” (Produto p.A.3). O texto poderá ser baseado no instrumento legal que criou os outros parques naturais no município.

ETAPA “C” – GESTÃO E MANEJO DAS UC

            Esta é a etapa final, consolida a criação da UC, e possui basicamente três fases: C.1. Obras de Infra-Estrutura; C.2. Planos de Manejo; C.3. Gestão Manejada. Os produtos esperados nas respectivas fases são: p.C.1. Benfeitorias para a gestão; p.C.2. Zoneamento e Plano de Manejo; p.C.3. Consolidação das UCs.
            Estas fases e produtos poderão ser conduzidos de acordo com a experiência adquirida na consolidação de outras UCs semelhantes, como os parques do rodoanel.



CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Antes de ser uma conclusão, pretende-se aqui apontar elementos que definam um caminho para a sistematização de um estruturado Sistema Municipal de Unidades de Conservação e de Áreas Verdes. Como uma oportunidade para repensar o paradigma de gestão do solo, produção hídrica e controle de enchentes, biodiversidade e banco genético, regulação do clima, dentre diversos outros elementos ambientais essenciais para uma política concreta de meio ambiente, tendo como palco incipiente o extremo sul do município.
            Assim, este documento pretende contribuir para um debate que consolide o surgimento de ambos os sistemas ambientais criados pelo Plano Diretor da Cidade de São Paulo e por outras legislações federais e estaduais, mas ainda não regulamentados nesta cidade, portanto um desafio a ser enfrentado e superado pelo poder executivo municipal, envolvendo técnicos, agentes públicos e governo, contando com as contribuições da sociedade civil.
            Definir conceitos e diretrizes claros sobre o papel, função, objetivo, caráter, perfil, ou seja, diversos aspectos das Unidades Ambientais – ou Áreas Protegidas – da Cidade de São Paulo deverá ser, agora, o grande desafio.
            Este trabalho tem o intuito de trazer subsídios para uma proposta de melhor aproveitamento, do ponto de vista ambiental, das terras públicas ou sem uma gestão ambiental constituída, colocando-se como mais uma – porém não a única – estratégia para a proteção e conservação do patrimônio ambiental da Cidade de São Paulo.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FINNEY, C.; SANTOS, Rodrigo Martins dos. Análise da interface urbano-rural-florestal e sugestões de intervenção ambiental com base na ecologia da paisagem, instrumentos de fomento e legislação de uso do solo: o caso São Paulo – Parque Estadual da Serra do Mar. In Anais do III Simpósio Nacional de Áreas Protegidas. Viçosa: UFV, 2014.
GARCIA, R. J. F. Estudo florístico dos campos alto-montanos e das matas nebulares do Parque Estadual da Serra do Mar, Núcleo Curucutu, São Paulo, SP, Brasil. Tese de Doutorado. São Paulo: IB-USP, 2003.
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LADEIRA, M. I. O Caminhar Sob a Luz – O Território Mbya à Beira do Oceano. Dissertação de Mestrado em Antropologia. São Paulo: PUC-SP, 1992.
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SVMA – Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo. Polo e Trem Ecoturístico de Evangelista de Souza. São Paulo: SVMA/DEPAVE-DUC, 2005.
__________. Fauna Silvestre: quem são e onde vivem os animais na metrópole paulistana. São Paulo: SVMA/DEPAVE-FAUNA, 2008..
__________. Inventário, Diagnóstico e Plano de Turismo das APA Capivari-Monos e Bororé-Colônia. Edição Preliminar. São Paulo: SVMA/DEPAVE-DUC e Ruschman Consultores em Turismo, 2009a.
__________. Plano de Proteção do Patrimônio Ambiental de São Paulo -  Extremo Sul: Subsídios ao Sistema Municipal de Unidades de Conservação e ao Sistema de Áreas Verdes da Cidade de São Paulo. São Paulo: SVMA/DEPLAN, 2009b.
__________. Caderno do Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental Municipal Capivari-Monos. Coord. M. L. R. Bellenzani. São Paulo: SVMA/DEPAVE, 2011.

Análise da interface urbano-rural-florestal e sugestões de intervenção ambiental com base na ecologia da paisagem

Instrumentos de fomento e legislação de uso do solo:
o caso São Paulo x Parque Estadual da Serra do Mar

Christopher Finney
Rodrigo Martins dos Santos


RESUMO
Analisa a paisagem, instrumentos de fomento e a legislação de uso do solo incidentes sobre uma porção do território do município de São Paulo onde há presença de diversos estatutos legais para a gestão e conservação do meio ambiente, como unidades de conservação (parques e áreas de proteção ambiental), legislação de proteção aos mananciais e da vegetação nativa, e reserva da biosfera da ONU. São tecidas recomendações para uma gestão regional mais eficiente e eficaz. A conclusão é que haja um contato mais sólido e efetivo entre as esferas ambientais do poder público, buscando unificar e coincidir legislações e o trânsito de informações entre os entes, isso facilitará, por exemplo, o entendimento das leis pelos proprietários e munícipes em geral, diminuindo a pressão das áreas antropizadas sobre as florestais.


PALAVRAS-CHAVE: Mananciais, Ecologia, Florestas, Cidade, São Paulo.


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Artigo originalmente publicado nos Anais do III Simpósio Nacional de Áreas Protegidas, organizado pela Universidade Federal de Viçosa, em 2014. 

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INTRODUÇÃO

            O conceito que a proteção de biomas, inclusive a Mata Atlântica, precisa ser efetivada ao nível da paisagem já está estabelecido entre ecologistas, como defendem Lamb et al. (2005):
O maior desafio, no entanto, será o de mudar a restauração de uma atividade baseada no sitio para uma atividade de paisagem. É ao nível da paisagem que a restauração pode ser utilizada para complementar a rede existente de áreas protegidas, e é ao nível da paisagem que a restauração da biodiversidade e a produção (e, portanto, o alivio da pobreza) podem ser feitas complementares com maior facilidade.

            Tal abordagem está baseada no fato que fatores biofísicos muito raramente respeitam fronteiras políticas, inclusive as de reservas naturais. Os animais (especialmente os semeadores), serviços do ecossistema (como a produção de água) e ameaças ao meio-ambiente (como poluição do ar e da água) não necessariamente podem ou devem ser contidas em reservas de preservação, mesmo de grande porte. Por tanto, torna-se fundamental uma maior ênfase no arranjo espacial das reservas e na qualidade ambiental da matriz em que se localizam, o que proporciona o intercambio entre elas de animais, sementes, e outros fatores biofísicos. Para a Mata Atlântica, Silva & Tabarelli (2000) sugerem:
que se precisa urgentemente da um novo paradigma de conservação. Ele não deve enfocar-se ou restringir-se a transformar os últimos fragmentos médios e grandes em reservas. Precisa-se uma abordagem de planejamento bio-regional, o que incluirá a proteção de paisagens compostas de arquipélagos de fragmentos, conectados por corredores de vegetação original ou restaurada, e representará vários milhares de hectares de floresta.

            A Constituiçãode 1988 estabelece um sistema federativo, o que divide poderes entre a União, os Estados, e os Municípios, com a participação ainda da sociedade civil. Tal abertura tem sido uma conquista importantíssima quanto às questões ambientais, pois prevê a maior participação de pessoas e entidades nas questões públicas (BUDDS et al., 2005). A descentralização do poder, no entanto, implica na maior complexidade de sistemas de gestão publica, sobretudo quando tratam de biomas que podem atravessar literalmente centenas de municípios e vários estados (NOLON, 2002).
            Neste sentido, a ecologia de paisagem, que visa entender e proteger sistemas naturais complexos, e a gestão pública descentralizada, que visa integrar sistemas administrativos complexos, são análogos, e profundamente inter-relacionados, sobretudo com respeito à gestão do uso do solo.
            Neste trabalho será examinada uma região de grande importância para a proteção ambiental: o extremo sul do Município de São Paulo (a maior cidade do Brasil), onde interage com o Parque Estadual da Serra do Mar – PESM (a maior área preservada de Mata Atlântica, um dos biomas mais ameaçados do mundo). A área de estudo se caracteriza pela extrema complexidade biofísica e administrativa. Em termos ecológicos, esta área inclui Floresta Ombrófila Densa, Floresta Araucária, Floresta de Galeria, Campos Naturais, Floresta Montanhosa de Neblina, silvicultura com espécies exóticas, agricultura, e áreas urbanas. Administrativamente esta área conta com nada menos que doze tipos de divisões e sistemas de zoneamento: cinco municípios (cada um com plano diretor e zoneamento interno, onde destacamos o Macrozoneamento Ambiental do Plano Diretor de São Paulo), duas Áreas de Proteção Ambiental – APP (cada uma com outro zoneamento interno), um Parque Estadual (com oito núcleos de gestão amplamente independentes entre si, além de outro sistema de zoneamento interno), Áreas Estaduais de Proteção aos Mananciais – APM, Áreas de Preservação Permanente – APP (estabelecidas por Lei federal de proteção da vegetação nativa), Zonas de Proteção da Mata Atlântica (estabelecidas pela Lei da Mata Atlântica), e a Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de São Paulo (das Nações Unidas). Como estes sistemas de zoneamento frequentemente estabelecem limites de zonas que não correspondem com as de outros sistemas, existem inúmeras combinações de controle legislativo sobre um dado terreno, que, junto com uma falta de cooperação intergovernamental generalizada, dificulta a implantação de todos os sistemas.
            A proposta deste trabalho é de dar uma visão geral da administração pública de uma região de alta complexidade e importância. Espera-se que com isso, serão facilitadas e melhoradas futuras intervenções ambientais neste espaço. Além disso, este caso dará lições sobre a necessidade de implantar sistemas de maior coerência de administração pública, inclusive de cooperação intergovernamental, se o novo paradigma de conservação à escala da paisagem é para ser alcançado no contexto do poder descentralizado do Brasil pós-abertura.

O extremo sul de São Paulo

Fig. 1. Destaque do extremo sul do município de São Paulo sobreposto às classes gerais de uso do solo. (Org. Rodrigo Santos, 2009).

            A área em questão compreende toda a bacia hidrográfica do Capivari-Monos e parte das bacias hidrográficas Guarapiranga e Billings, correspondendo basicamente ao território da APA Municipal Capivari-Monos (vide Fig. 1). Há também remanescentes florestais da Mata Atlântica com elevada biodiversidade que demandam uma atenção especial para evitar a degradação dos mananciais, a expansão urbana desordenada e contribuir para a manutenção das características rurais locais (BELLENZANI, 2001).
            Conforme se observa na Fig. 1, a APA Capivari-Monos, que ocupa o extremo sul do Município de São Paulo, pode ser caracterizada como uma interface periurbana. Como tal, a APA é uma transição entre a cidade de São Paulo, uma área altamente antropizada com tendência a se expandir, e o PESM, que representa a maior área restante de Floresta Atlântica nativa do Brasil.

Âmbitos de intervenção

Quadro 1. Tipos de intervenções disponíveis a gestores de uso do solo.


            Os gestores de uso do solo contam com ferramentas em quatro âmbitos distintos: legal (como zoneamento), econômico (como pagamentos por serviços ecológicos), estrutural (como a retirada de estradas que adentram o parque, ou introdução de vegetação nativa nos arredores), e sociocultural (como sinalização e educação ambiental). Observe no Quadro 1 a relação entre as ferramentas. Estes instrumentos devem ser utilizados estrategicamente e em conjunto, já que nenhum opera isoladamente. No caso da zona sul de São Paulo, uma falta marcante de fiscalização faz com que intervenções complementares sejam necessárias para reforçar as ferramentas legais (TESCH, 2008).

INTERVENÇÕES CONCEITUADAS NA ECOLOGIA DA PAISAGEM

            Três conceitos da ecologia de paisagem distintos, porém relacionados, merecem destaque: a fragmentação de habitat, a perda de habitat, e o efeito de borda.
            Fragmentação do Habitat: Baseado na teoria de biogeografia de ilhas (WILSON & MacARTHUR, 1967), a fragmentação tem sido alvo de inúmeros trabalhos científicos. Teoricamente a fragmentação deve reduzir a riqueza de cada mancha em função de uma perda de habitat viável e uma redução de imigração. Na pratica, fica extremamente difícil diferenciar os processos de fragmentação, a perda de habitat, e a perda de qualidade de habitat. Fahrig (2003), revisando trabalhos que procuraram controlar estas diferenças, mostrou que quando a área total de habitat não diminui é tão provável que a fragmentação por si beneficia uma espécie estudada mais do que a danifica. Este resultado se dá em função das necessidades ecológicas especificas de cada espécie e da natureza da matriz, do fragmento ou da borda (RIES et al., 2004).
            Efeitos de borda: A qualidade de habitat se define em função de espécies ou comunidade de interesse, justamente porque espécies têm preferências de habitat nitidamente diferenciadas, especialmente nas florestas tropicais. Por causa da fragmentação na Mata Atlântica a qualidade de habitat tem uma estreita ligação com o efeito de borda (DE CASTRO & FERNANDEZ, 2004). O efeito de borda ocorre em função dadiferença entre duas manchas e a permeabilidade da própria borda (DIDHAM & LAWTON, 1999; RIES et al., 2004). Quanto maior a diferença entre as manchas, e quanto mais permeável a borda, maior será o efeito de borda. Nas florestas tropicais, efeitos de borda incluem áreas mais secas e ensolaradas (DIDHAM & LAWTON, op. cit.), com alteração de comunidades de plantas e animais (CHIARELLO, 1998; DE CASTRO & FERNANDEZ, op. cit.; PARDINI et al., 2005). Neste quadro também cabem uma variedade de influencias humanas, como a caça (CHIARELLO, op. cit.), a retirada de vegetação nativa, a ampliação deredes viárias, a implantação de infraestrutura e moradia, todas que se dá em função da proximidade à borda com manchas antropizada ou a permeabilidade da borda (CADENASSO et al., 2003). É importante destacar que os efeitos da borda se dão em duas direções, e que podem representar uma ferramenta importantíssima à restauração de áreas degradadas e uma fonte de serviços de ecossistema dentro da mancha antropizada. Quanto à restauração, a complexidade e biodiversidade das florestas tropicais tornam a sua recuperação impossível sem o uso de processos naturais de semeação e sucessão; por exemplo, a Mata Atlântica nativa pode incluir mais de 250 espécies arbóreas por hectare, enquanto os viveiros da cidade de São Paulo dispõem de aproximadamente 200 espécies.
            Perda de Habitat: Independente de fragmentação, qualidade de habitat, ou outros fatores locais, a perda de habitat temse mostrado constantemente como a maior ameaça à existência de populações, comunidades, e espécies (FAHRIG, 2003). A perda de habitat atua sobre populações de diversas maneiras. Primeiro, predadores geralmente precisam de território grandes, o que os torna altamente suscitáveis a perdade habitat (CHIARELLO, 1998). A perda de predadores se mostra um problema ecológico grave, findando, frequentemente, na superabundância de algumas espécies herbívoras e a alteração de dinâmicas populacionais onipresentes na comunidade ecológica (ibdem), por exemplo, a superpopulação de biguás (Phalacrocorax brasilianus) na Represa Billings, que pode ter sido causada pelo desaparecimento de seus predadores naturais como gaviões, onças e jacarés.
            Corredores Ecológicos: No que se refere à ampliação da biodiversidade no contexto da fragmentação, pode-se implantar corredores ecológicos entre as unidades de conservação (UC). Esses corredores funcionam como uma interconexão entre os fragmentos florestais, possibilitando o livre trânsito de animais e dispersão de sementes das espécies vegetais. Eles são de extrema importância no aumento da conectividade (TAYLOR et al., 1993) e consequente na ampliação dos fluxos gênicos (CÂMARA,1996). Tais fluxos são fundamentais à manutenção das variações genéticas das populações e, consequentemente, a biodiversidade e ao bioma como um todo. Os corredores devem permitir o aumento em tamanho e aumentar as possibilidades de sobrevivência de populações menores. Também garantem a conservação dos recursos hídricos e do solo, além de contribuir para o equilíbrio do clima e da paisagem. Desta forma, os fragmentos passam a ter um significado muito maior para a conservação da natureza do que quando eram somente ilhas de mata.
Ecologia de Paisagem na Gestão de Uso do Solo: Do ponto de vista de gestão de uso do solo, fragmentação, perda de habitat (em termos tanto de espaço quanto de qualidade), e efeitos de borda são processos bastante parecidos e inter-relacionados. Sisk et al. (1997) por exemplo combinam estes fatores para criar o Modelo de Área Efetiva, uma ferramenta para analisar os efeitos de mudança de uso do solo sobre a biota ao nível da paisagem. Já que a definição de manchas de habitat, matriz, e permeabilidade de borda variam de acordo com as exigências específicas de espécies diferentes. Infinitos modelos destes processos podem ser produzidos para uma dada área, todos válidos para as espécies de interesse, mas nenhum com informação definitiva para o gestor. A discussão destes processos confirma, no entanto, que as intervenções na paisagem da Mata Atlântica têm efeitos relativamente previsíveis para dadas comunidades ecológicas.
            Como restam apenas cerca de 7% da extensão original da Mata Atlântica (PESM, 2006), a maioria em fragmentos relativamente pequenos, e em forma defloresta secundária (TABARELLI et al., 1999), a perda de habitat e efeitos de borda interferem fortemente neste bioma. A preservação da biota nativa nos fragmentos restantes depende de uma redução de vetores de pressão, o que depende do nível de fragmentação do bioma. Ao mesmo tempo, a restauração do bioma e manutenção de fluxos genéticos entre fragmentos existentes depende da qualidade da matriz para as espécies de interesse (SISK et al., 1997). Para tais fins, recorremos à definição das bordas, como sendo uma função do nível de diferença entre as manchas eo nível de permeabilidade da borda (DIDHAM & LAWTON, 1999; RIES et al., 2004). Já que as bordas entre manchas muito diferentes geralmente causam maiores efeitos de borda, é importante reduzir este grau de diferença por meio de intervenções nos espaços antropizados perto de áreas florestadas. Por exemplo, áreas de silvicultura com espécies exóticas (Pinus spp. e Eucaliptus spp.) podem ser substituídos por silvicultura de espécies nativas quando estes se encontram nas proximidades de manchas de Mata Atlântica nativa. Da mesma forma, áreas urbanas perto de áreas de interesse ambiental podem ser arborizadas, aproximando-as a floresta, reduzindo efeitos de borda floresta à dentro, e aumentando os vetores de dispersão de serviços ecológicos na floresta.
            Além de alterar as manchas antropizadas em si, é possível também intervir na borda para reduzir vetores de pressão e aumentar vetores de dispersão (CADENASSO et al., 2003). Na zona sul de São Paulo, por exemplo, existe uma rede viária extremamente densa, que dá acesso a quase totalidade da área florestada, com exceção da bacia hidrográfica do rio Capivari. Tratando de atividades humanas como um simples efeito de borda deixa claro que a rede viária representa uma permeabilidade aumentada da mancha urbana à mancha florestada. Em sentido oposto, a arborizaçãofora de áreas florestadas, sobretudo por meio de cercas vivas e outras características lineares, provém vias de dispersão de serviços ecossistêmicos em ambientes antropizados (FRENCESCONI et al., 2008).
            Em termos de ameaças específicas ao bioma em questão, a rede viária densa representa a ameaça mais significante ao ecossistema do PESM porque representa o vetor de transmissão de todas as outras classes de ameaças humanas, inclusive a expansão da mancha urbana, introdução de espécies não nativas e retirada de espécies nativas (PESM, 2006). Outras ameaças significantes são a caça e a retirada clandestina de plantas (sobretudo orquídeas epalmitos – Euturpisedulis), a introdução de espécies exóticas de plantas (como Pinus e Eucalyptus) e animais (inclusive cães e gatos), a poluição do ar, e a ocupação descontrolada (ibdem).
            Por outro lado, a APA Capivari-Monos conta também com diversos fatores estruturais (de uso do solo), legais (diversos sistemas de zoneamento e licenciamento ambiental), e socioeconômicas (um caráter primariamente rural) que facilitam os vetores de reflorestamento e serviços ambientais, como a dispersão de sementes, infiltração de água, e a proteção da biodiversidade (FRANCESCONI et al., 2008; MAGELLAN et al., 2008). Além disso, a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo (SVMA) vem fomentando diversos projetos do terceiro setor através de recursos do Fundo Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (FEMA).
            Embora seja de fato um mosaico complexo de usos do solo e ecossistemas naturalmente heterogenias, a interface entre a cidade de São Paulo e o PESM pode ser visualizada como três manchas (uma “natural” outra “antropizada” e uma de transição), em que a transição funcionando como uma fronteira semipermeável. Vetores de pressão atravessam esta fronteira, ameaçando a função do ecossistema dentro do Parque. Ao mesmo tempo, vetores de restauração atravessam a fronteira, provendo serviços de restauração ecológica na zona sul da cidade (Fig. 2).

Fig. 2. A Zona de Transição (caracterizada por uma mistura de influências antrópicas e naturais) pode ser manipulada a fim de mudar a sua permeabilidade aos vetores de pressão e restauração. À esquerda, uma zona de transição com características mais antropizadas (alta densidade de vias, monoculturas agrícolas, falta de arborização ou silvicultura com espécies exóticas) permite maior permeabilidade aos vetores de pressão e limita os vetores de restauração. À direita, uma zona de transição com características mais naturais (menos vias, sistemas de agrosilvicultura, maior arborização, silvicultura com plantios mistos de espécies nativas) limita a influencia humana enquanto permite maior expansão de serviços do ecossistema e vetores de restauração.

INTERVENÇÕES FINANCIAIS E DE FOMENTO

            São três as sugestões de intervenção financiais de fomento vislumbradas: ICMS Ecológico, RPPNe PSA.
ICMS Ecológico: A Lei Estadual 8.510/93 estabelece a distribuição do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS. De acordo com ela, 0,5% da arrecadação do estado se destinam aos municípios de acordo com a porcentagem de áreas protegidas e o grau de proteção. Em 2004, o Município de São Paulo recebeu aproximadamente 1,3 milhões de reais em função da porcentagem e qualidade de terras protegidas dentro do seu território. No cálculo, as UC recebem pesos diferenciados referentes ao nível de proteção. Reservas Ecológicas (a mais restrita) são definidas como tendo um peso de 1,0. Outros tipos de UC calculáveis da área em questão são APA (peso de 0,1), Zonas de Vida Silvestre de APA (peso de 0,6), e Parques Estaduais (peso de 0,8).
            O ICMS Ecológico representa uma grande oportunidade de definir maiores UC, ou aumentar o nível de proteção, gerando uma fonte de financiamento para intervenções ambientais em outras áreas circundantes com menor grau de proteção (como estabelecimento de silvicultura com espécies nativas, sinalização ou fiscalização). No entanto, o ICMS ecológico é um recurso direcionado diretamente ao tesouro municipal e não tem destinação certa para projetos ambientais tampouco para as UC – principal origem do recurso. Assim, necessita-se uma legislação que regulamente a utilização deste imposto.
            No presente caso, o PESM poderia ser expandido até a borda norte da Zona de Vida Silvestre da APA Capivari-Monos, aumentando o peso da área de 0,6 para 0,8, porem sem grandes mudanças de restrição de uso. Tal redefinição proporcionaria uma fonte adicional de recursos para implantar programas na zona circundante (a Zona de Conservação e Uso Sustentado dos Recursos Naturais da APA) para reduzir vetores de pressão, ou para restauração dentro do próprio parque. Esta redefinição proporcionaria também uma proteção legal maior sobre a área em questão.
            Reservas Particulares do Patrimônio Natural – RPPN:            As RPPN são classificadas como UC de domínio privado. O proprietário pode pedir a decretação do território como RPPN mediante apresentação de um plano de manejo, o que lhe da direito a benefícios fiscais. Neste sentido, constam como uma intervenção financial por parte do Estado. Em 2004, existiam na Mata Atlântica 443 RPPN, abrangendo mais de 100 mil hectares (MESQUITA & VIEIRA, 2004). Uma RPPN, o Sitio Curucutu, se encontra na fronteira sudeste do Município de São Paulo, ao sul da Represa Billings. O Zoneamento Vigente da APA reconhece as Zonas de Vida Silvestre e de Uso Sustentado como prioritárias para criação de novas RPPN.
Pagamentos por Serviços do Ecossistema: Ibrahim et al. (2008) estudaram pagamentos diretos a pequenos agricultores mediante um programade monitoramento de avifauna, utilizada como indicador da biodiversidade nos sítios. Com pagamentos relativamente pequenos, constaram um aumento significativo de avifauna e cobertura arbórea nos sítios estudados. Este estudo pode sinalizar uma ferramenta em desenvolvimento para a efetiva conservação de biodiversidade em paisagens produtivas com uma situação fundiária bastante fragmentada.
            A SVMA e a The Nature Conservancy estabeleceram um convênio para estudar formas de pagamentos por serviços ambientais à proprietários de imóveis no município, a exemplo do já aplicado pelo município de Extrema (MG), e o Projeto Oásis da Fundação OBoticário para a Proteção da Natureza, desenvolvido nas bacias hidrográficas Billings e Guarapiranga em convênio com a SVMA e a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP).

QUADRO LEGAL DE USO DO SOLO

            A área de interesse caracteriza-se pela extrema complexidade do regime legal. A APA Capivari-Monos e os arredores contam com pelo menos 12 tipos de zoneamento ou outras divisões legais espaciais com implicações diretas para a gestão da área. Estes sistemas de zoneamento são:
Municipal: Ao nível de município, existe uma complexa subdivisão de zoneamento intramunicipal. Cinco municípios (São Paulo, São Bernardo do Campo, Itanhaém, Embu-Guaçu e São Vicente), cada um com Plano Diretor e zoneamento próprio.

Fig. 3. Zoneamento Geo-Ambiental da APA Capivari-Monos. (Org. Rodrigo Santos).

            Dentro de São Paulo, existem duas APA (Capivari-Monos e Bororé-Colônia) com Zoneamento Geo-Ambiental próprio, um deles estabelecido pela Lei Municipal 13.706/04 (vide Fig. 3). Este sistema de zoneamento é distinto do zoneamento municipal, embora conta com algumas zonas em comum. O Zoneamento Geo-Ambiental da APA toma o lugar do zoneamento municipal de São Paulo, apesar de existir dentro do esquema de Macrozoneamento e Macro Áreas do Plano Diretor municipal.
            São Paulo também conta com um sistema de macrozoneamento estabelecido pelo Plano Diretor da Cidade (Lei Municipal 13.430/02), onde toda a área em questão fica na Macrozona de Proteção Ambiental. Esta Macrozona está subdividida em três macroáreas, das quais a área de interesse incluia Macroárea de Proteção Ambiental e a Macroárea de Uso Sustentável.
Estadual: Duas entidades estaduais são sobrepostas com o zoneamento municipal na área de interesse:
• Parque Estadual Serra do Mar (PESM) - se sobrepõe a diversos municípios no Estado de São Paulo, e conta com zoneamento interno. Este nível de zoneamento é complicado pela divisão do Parque em oito núcleos administrativos amplamente independentes entre si. Cada núcleo define o zoneamento próprio, o que causa algumas descontinuidades;
• Área de Proteção dos Mananciais (APM) - um sistema legal estadual que visa a proteção de bacias hidrográficas de abastecimento por meio de uma complexa interação governamental que começa com o Comitê de Gestão da Bacia Hidrográfica. A área de interesse abrange duas bacias (Guarapiranga e Billings), cada uma conta com legislação específica e plano de gestão com zoneamento.
            Federal: Dois estatutos da União têm efeitos importantes para a área de interesse:
• Lei da Mata Atlântica – estabelece proteção abrangente para ecossistemas considerados parte do bioma da Mata Atlântica, incluindo Floresta Ombrófila Densa, Floresta de Araucárias, e Campos Naturais; que ocorrem na área de interesse em estados intermediários e avançados de recuperação.
• Lei de Proteção da Vegetação Nativa – que substituiu o Código Florestal estabelece proteção ambiental forte por meio de APP e Reservas Legais (RL). A primeira, definida em termos geográficos como as margens de córregos e represas, declividades específicas do terrenoe, em topos de morro. A segunda são áreas definidas em imóveis rurais, para proteger cerca de 20% do imóvel.
Internacional: A totalidade da área de interesse é considerada uma Reserva da Biosfera e do Homem pelas Nações Unidas. Esta designação falta poderes de fiscalização adicional, apesar de estabelecer um zoneamento interno de áreas de proteção integral e de uso sustentável.

Vantagens

            Apesar da possibilidade de produzir lacunas de proteção e conflitos no âmbito da fiscalização, a sobreposição de diferentes tipos de zoneamento também amplia o número de entidades governamentais com o direito de intervir pelo meio ambiente.
            Este sistema também estabelece um regime fortíssimo em termos de compromisso legal da sociedade à proteção ambiental na área de interesse. Literalmente todos os níveis governamentais com algum vinculo a esta área tem estabelecido que a proteção do meioambiente é uma prioridade importante na região.
            Toda esta “fragmentação” de responsabilidade pela gestão do uso do solo se dá em função da abertura democrática do Brasil, o que prevê maior participação por pessoas locais, fortemente impactados por decisões deste tipo. Muitas vezes, tal compartilhamento da tomada de decisões fornece sistemas de gestão estreitamente vinculados à realidade local enquanto também aumenta o compromisso de populações locais nos sistemas, provendo, portanto, um duplo aumento de eficácia.

Desvantagens

            Ao nível do proprietário, o numero de sistemas de zoneamento vigentes, junto com a falta de articulação dentro de cada um, cria inúmeras combinações possíveis de sistemas de gestão. Esta situação quase impossibilita o conhecimento do regime vigente por parte de proprietários de imóveis, dificultando o cumprimento voluntário da lei.
            Quanto a fiscalização, o fato de haver diversos sistemas legais sobrepostos (com fins muito parecidos), fragmenta a responsabilidade de fiscalização. Embora parecer um desdobramento de camadas de fiscalização, na pratica a fiscalização fica mais esparsa, difícil e burocratizada, judicializando as responsabilidades.
            Quanto à gestão ambiental ao nível da paisagem, este quadro dificulta o planejamento porque não existe um único mapa com usos permitidos e não permitidos na área de interesse. Por exemplo, um parecer do Instituto Socioambiental (ISA) no momento de elaboração da Lei Específica de Proteção do Manancial da Billings sugeria que fosse incorporada referencias às APP do Código Florestal, apesar delas ficarem legalmente protegidas independentemente de quaisquer referencias em outra legislação (ISA, 2008).

CONCLUSÕES

            Três abordagens nitidamente inter-relacionadas podem sanar as desvantagens apresentadas pela fragmentação do regime legal vigente. Todas estas abordagens tem utilidade na área em questão, e todas têm importantes vantagens a oferecer a proteção ambiental simplesmente por via de melhor administração, sem necessidade de recorrer a maior debate sobre a necessidade de proteção ambiental.
            De acordo com o Plano Diretor do Município de São Paulo (Lei Municipal 13.430/2002), a legislação de uso do solo precisa ser simplificada, a fim de aumentar sua aplicabilidade:
são ações estratégicas da Política de Urbanização e Uso do Solo: rever, simplificar e consolidar a legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo, incorporando os instrumentos previstos na Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001 – Estatuto da Cidade, de modo a assegurar a função social da propriedade urbana (Art. 78).

            As bordas de zonas internas podem ser ajustadas pelos órgãos responsáveis, tomando em conta os outros sistemas de zoneamento vigentes. Esta abordagem já esta amplamente utilizada. O zoneamento do Município e da APA, por exemplo, já consideram a área sobreposta com o PESM como uma Zona de Regime Legal Específica, o que já consta com regulamentação. Outros sistemas, porém, seriam beneficiados pela ampliação de áreas de proteção ambiental para que as bordas internas ficassem coordenadas com outros limites geográficos.
            Maior cooperação intergovernamental é tanto uma causa quanto uma decorrência da articulação dos sistemas legais vigentes. Podem ser estabelecidas e fortalecidas oportunidades para troca de informação entre as várias entidades governamentais com responsabilidade compartilhada pela gestão da área em questão. Tal cooperação poderia ser tão simples como a troca de copias de pareceres finais entre, por exemplo, a Câmara de Gestão do Uso do Solo da APA e os Comitês de Gestão de Bacias Hidrográficas Locais (ambos sendo corpos participativos de gestão ambiental).
            Como a troca de informações úteis encontra-se na base da cooperação intergovernamental, a criação de ferramentas para este fim é imprescindível. A unificação e compatibilização de conhecimento sobre estes sistemas de proteção ambiental também fornecem uma base para a articulação dos sistemas, deixando claras as lacunas legais. Finalmente, estas informações devem ser compartilhadas com proprietários e a sociedade civil para aumentar a participação significativa na tomada de decisões.
            Tais meios de comunicar informações do uso do solo poderiam incluir um organograma de sistemas de zoneamento vigentes no sul de São Paulo (como exemplificado na Fig. 4), uma tabela com descrições simplificadas dos diversos tipos de zoneamento, e um mapa que mostra o nível mais restritivo de zoneamento vigente em cada ponto da área. Estes meios de comunicação, entre outros, disponibilizariam as informações de uma forma mais útil.

Fig. 4. Organograma de tipos de zoneamento em vigor sobre a zona sul de São Paulo. Linhas pontilhadas representam zonas de sistemas diferentes que impõem limites idênticos ou quase idênticos no uso do solo.

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