Análise da interface urbano-rural-florestal e sugestões de intervenção ambiental com base na ecologia da paisagem

Instrumentos de fomento e legislação de uso do solo:
o caso São Paulo x Parque Estadual da Serra do Mar

Christopher Finney
Rodrigo Martins dos Santos


RESUMO
Analisa a paisagem, instrumentos de fomento e a legislação de uso do solo incidentes sobre uma porção do território do município de São Paulo onde há presença de diversos estatutos legais para a gestão e conservação do meio ambiente, como unidades de conservação (parques e áreas de proteção ambiental), legislação de proteção aos mananciais e da vegetação nativa, e reserva da biosfera da ONU. São tecidas recomendações para uma gestão regional mais eficiente e eficaz. A conclusão é que haja um contato mais sólido e efetivo entre as esferas ambientais do poder público, buscando unificar e coincidir legislações e o trânsito de informações entre os entes, isso facilitará, por exemplo, o entendimento das leis pelos proprietários e munícipes em geral, diminuindo a pressão das áreas antropizadas sobre as florestais.


PALAVRAS-CHAVE: Mananciais, Ecologia, Florestas, Cidade, São Paulo.


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Artigo originalmente publicado nos Anais do III Simpósio Nacional de Áreas Protegidas, organizado pela Universidade Federal de Viçosa, em 2014. 

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INTRODUÇÃO

            O conceito que a proteção de biomas, inclusive a Mata Atlântica, precisa ser efetivada ao nível da paisagem já está estabelecido entre ecologistas, como defendem Lamb et al. (2005):
O maior desafio, no entanto, será o de mudar a restauração de uma atividade baseada no sitio para uma atividade de paisagem. É ao nível da paisagem que a restauração pode ser utilizada para complementar a rede existente de áreas protegidas, e é ao nível da paisagem que a restauração da biodiversidade e a produção (e, portanto, o alivio da pobreza) podem ser feitas complementares com maior facilidade.

            Tal abordagem está baseada no fato que fatores biofísicos muito raramente respeitam fronteiras políticas, inclusive as de reservas naturais. Os animais (especialmente os semeadores), serviços do ecossistema (como a produção de água) e ameaças ao meio-ambiente (como poluição do ar e da água) não necessariamente podem ou devem ser contidas em reservas de preservação, mesmo de grande porte. Por tanto, torna-se fundamental uma maior ênfase no arranjo espacial das reservas e na qualidade ambiental da matriz em que se localizam, o que proporciona o intercambio entre elas de animais, sementes, e outros fatores biofísicos. Para a Mata Atlântica, Silva & Tabarelli (2000) sugerem:
que se precisa urgentemente da um novo paradigma de conservação. Ele não deve enfocar-se ou restringir-se a transformar os últimos fragmentos médios e grandes em reservas. Precisa-se uma abordagem de planejamento bio-regional, o que incluirá a proteção de paisagens compostas de arquipélagos de fragmentos, conectados por corredores de vegetação original ou restaurada, e representará vários milhares de hectares de floresta.

            A Constituiçãode 1988 estabelece um sistema federativo, o que divide poderes entre a União, os Estados, e os Municípios, com a participação ainda da sociedade civil. Tal abertura tem sido uma conquista importantíssima quanto às questões ambientais, pois prevê a maior participação de pessoas e entidades nas questões públicas (BUDDS et al., 2005). A descentralização do poder, no entanto, implica na maior complexidade de sistemas de gestão publica, sobretudo quando tratam de biomas que podem atravessar literalmente centenas de municípios e vários estados (NOLON, 2002).
            Neste sentido, a ecologia de paisagem, que visa entender e proteger sistemas naturais complexos, e a gestão pública descentralizada, que visa integrar sistemas administrativos complexos, são análogos, e profundamente inter-relacionados, sobretudo com respeito à gestão do uso do solo.
            Neste trabalho será examinada uma região de grande importância para a proteção ambiental: o extremo sul do Município de São Paulo (a maior cidade do Brasil), onde interage com o Parque Estadual da Serra do Mar – PESM (a maior área preservada de Mata Atlântica, um dos biomas mais ameaçados do mundo). A área de estudo se caracteriza pela extrema complexidade biofísica e administrativa. Em termos ecológicos, esta área inclui Floresta Ombrófila Densa, Floresta Araucária, Floresta de Galeria, Campos Naturais, Floresta Montanhosa de Neblina, silvicultura com espécies exóticas, agricultura, e áreas urbanas. Administrativamente esta área conta com nada menos que doze tipos de divisões e sistemas de zoneamento: cinco municípios (cada um com plano diretor e zoneamento interno, onde destacamos o Macrozoneamento Ambiental do Plano Diretor de São Paulo), duas Áreas de Proteção Ambiental – APP (cada uma com outro zoneamento interno), um Parque Estadual (com oito núcleos de gestão amplamente independentes entre si, além de outro sistema de zoneamento interno), Áreas Estaduais de Proteção aos Mananciais – APM, Áreas de Preservação Permanente – APP (estabelecidas por Lei federal de proteção da vegetação nativa), Zonas de Proteção da Mata Atlântica (estabelecidas pela Lei da Mata Atlântica), e a Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de São Paulo (das Nações Unidas). Como estes sistemas de zoneamento frequentemente estabelecem limites de zonas que não correspondem com as de outros sistemas, existem inúmeras combinações de controle legislativo sobre um dado terreno, que, junto com uma falta de cooperação intergovernamental generalizada, dificulta a implantação de todos os sistemas.
            A proposta deste trabalho é de dar uma visão geral da administração pública de uma região de alta complexidade e importância. Espera-se que com isso, serão facilitadas e melhoradas futuras intervenções ambientais neste espaço. Além disso, este caso dará lições sobre a necessidade de implantar sistemas de maior coerência de administração pública, inclusive de cooperação intergovernamental, se o novo paradigma de conservação à escala da paisagem é para ser alcançado no contexto do poder descentralizado do Brasil pós-abertura.

O extremo sul de São Paulo

Fig. 1. Destaque do extremo sul do município de São Paulo sobreposto às classes gerais de uso do solo. (Org. Rodrigo Santos, 2009).

            A área em questão compreende toda a bacia hidrográfica do Capivari-Monos e parte das bacias hidrográficas Guarapiranga e Billings, correspondendo basicamente ao território da APA Municipal Capivari-Monos (vide Fig. 1). Há também remanescentes florestais da Mata Atlântica com elevada biodiversidade que demandam uma atenção especial para evitar a degradação dos mananciais, a expansão urbana desordenada e contribuir para a manutenção das características rurais locais (BELLENZANI, 2001).
            Conforme se observa na Fig. 1, a APA Capivari-Monos, que ocupa o extremo sul do Município de São Paulo, pode ser caracterizada como uma interface periurbana. Como tal, a APA é uma transição entre a cidade de São Paulo, uma área altamente antropizada com tendência a se expandir, e o PESM, que representa a maior área restante de Floresta Atlântica nativa do Brasil.

Âmbitos de intervenção

Quadro 1. Tipos de intervenções disponíveis a gestores de uso do solo.


            Os gestores de uso do solo contam com ferramentas em quatro âmbitos distintos: legal (como zoneamento), econômico (como pagamentos por serviços ecológicos), estrutural (como a retirada de estradas que adentram o parque, ou introdução de vegetação nativa nos arredores), e sociocultural (como sinalização e educação ambiental). Observe no Quadro 1 a relação entre as ferramentas. Estes instrumentos devem ser utilizados estrategicamente e em conjunto, já que nenhum opera isoladamente. No caso da zona sul de São Paulo, uma falta marcante de fiscalização faz com que intervenções complementares sejam necessárias para reforçar as ferramentas legais (TESCH, 2008).

INTERVENÇÕES CONCEITUADAS NA ECOLOGIA DA PAISAGEM

            Três conceitos da ecologia de paisagem distintos, porém relacionados, merecem destaque: a fragmentação de habitat, a perda de habitat, e o efeito de borda.
            Fragmentação do Habitat: Baseado na teoria de biogeografia de ilhas (WILSON & MacARTHUR, 1967), a fragmentação tem sido alvo de inúmeros trabalhos científicos. Teoricamente a fragmentação deve reduzir a riqueza de cada mancha em função de uma perda de habitat viável e uma redução de imigração. Na pratica, fica extremamente difícil diferenciar os processos de fragmentação, a perda de habitat, e a perda de qualidade de habitat. Fahrig (2003), revisando trabalhos que procuraram controlar estas diferenças, mostrou que quando a área total de habitat não diminui é tão provável que a fragmentação por si beneficia uma espécie estudada mais do que a danifica. Este resultado se dá em função das necessidades ecológicas especificas de cada espécie e da natureza da matriz, do fragmento ou da borda (RIES et al., 2004).
            Efeitos de borda: A qualidade de habitat se define em função de espécies ou comunidade de interesse, justamente porque espécies têm preferências de habitat nitidamente diferenciadas, especialmente nas florestas tropicais. Por causa da fragmentação na Mata Atlântica a qualidade de habitat tem uma estreita ligação com o efeito de borda (DE CASTRO & FERNANDEZ, 2004). O efeito de borda ocorre em função dadiferença entre duas manchas e a permeabilidade da própria borda (DIDHAM & LAWTON, 1999; RIES et al., 2004). Quanto maior a diferença entre as manchas, e quanto mais permeável a borda, maior será o efeito de borda. Nas florestas tropicais, efeitos de borda incluem áreas mais secas e ensolaradas (DIDHAM & LAWTON, op. cit.), com alteração de comunidades de plantas e animais (CHIARELLO, 1998; DE CASTRO & FERNANDEZ, op. cit.; PARDINI et al., 2005). Neste quadro também cabem uma variedade de influencias humanas, como a caça (CHIARELLO, op. cit.), a retirada de vegetação nativa, a ampliação deredes viárias, a implantação de infraestrutura e moradia, todas que se dá em função da proximidade à borda com manchas antropizada ou a permeabilidade da borda (CADENASSO et al., 2003). É importante destacar que os efeitos da borda se dão em duas direções, e que podem representar uma ferramenta importantíssima à restauração de áreas degradadas e uma fonte de serviços de ecossistema dentro da mancha antropizada. Quanto à restauração, a complexidade e biodiversidade das florestas tropicais tornam a sua recuperação impossível sem o uso de processos naturais de semeação e sucessão; por exemplo, a Mata Atlântica nativa pode incluir mais de 250 espécies arbóreas por hectare, enquanto os viveiros da cidade de São Paulo dispõem de aproximadamente 200 espécies.
            Perda de Habitat: Independente de fragmentação, qualidade de habitat, ou outros fatores locais, a perda de habitat temse mostrado constantemente como a maior ameaça à existência de populações, comunidades, e espécies (FAHRIG, 2003). A perda de habitat atua sobre populações de diversas maneiras. Primeiro, predadores geralmente precisam de território grandes, o que os torna altamente suscitáveis a perdade habitat (CHIARELLO, 1998). A perda de predadores se mostra um problema ecológico grave, findando, frequentemente, na superabundância de algumas espécies herbívoras e a alteração de dinâmicas populacionais onipresentes na comunidade ecológica (ibdem), por exemplo, a superpopulação de biguás (Phalacrocorax brasilianus) na Represa Billings, que pode ter sido causada pelo desaparecimento de seus predadores naturais como gaviões, onças e jacarés.
            Corredores Ecológicos: No que se refere à ampliação da biodiversidade no contexto da fragmentação, pode-se implantar corredores ecológicos entre as unidades de conservação (UC). Esses corredores funcionam como uma interconexão entre os fragmentos florestais, possibilitando o livre trânsito de animais e dispersão de sementes das espécies vegetais. Eles são de extrema importância no aumento da conectividade (TAYLOR et al., 1993) e consequente na ampliação dos fluxos gênicos (CÂMARA,1996). Tais fluxos são fundamentais à manutenção das variações genéticas das populações e, consequentemente, a biodiversidade e ao bioma como um todo. Os corredores devem permitir o aumento em tamanho e aumentar as possibilidades de sobrevivência de populações menores. Também garantem a conservação dos recursos hídricos e do solo, além de contribuir para o equilíbrio do clima e da paisagem. Desta forma, os fragmentos passam a ter um significado muito maior para a conservação da natureza do que quando eram somente ilhas de mata.
Ecologia de Paisagem na Gestão de Uso do Solo: Do ponto de vista de gestão de uso do solo, fragmentação, perda de habitat (em termos tanto de espaço quanto de qualidade), e efeitos de borda são processos bastante parecidos e inter-relacionados. Sisk et al. (1997) por exemplo combinam estes fatores para criar o Modelo de Área Efetiva, uma ferramenta para analisar os efeitos de mudança de uso do solo sobre a biota ao nível da paisagem. Já que a definição de manchas de habitat, matriz, e permeabilidade de borda variam de acordo com as exigências específicas de espécies diferentes. Infinitos modelos destes processos podem ser produzidos para uma dada área, todos válidos para as espécies de interesse, mas nenhum com informação definitiva para o gestor. A discussão destes processos confirma, no entanto, que as intervenções na paisagem da Mata Atlântica têm efeitos relativamente previsíveis para dadas comunidades ecológicas.
            Como restam apenas cerca de 7% da extensão original da Mata Atlântica (PESM, 2006), a maioria em fragmentos relativamente pequenos, e em forma defloresta secundária (TABARELLI et al., 1999), a perda de habitat e efeitos de borda interferem fortemente neste bioma. A preservação da biota nativa nos fragmentos restantes depende de uma redução de vetores de pressão, o que depende do nível de fragmentação do bioma. Ao mesmo tempo, a restauração do bioma e manutenção de fluxos genéticos entre fragmentos existentes depende da qualidade da matriz para as espécies de interesse (SISK et al., 1997). Para tais fins, recorremos à definição das bordas, como sendo uma função do nível de diferença entre as manchas eo nível de permeabilidade da borda (DIDHAM & LAWTON, 1999; RIES et al., 2004). Já que as bordas entre manchas muito diferentes geralmente causam maiores efeitos de borda, é importante reduzir este grau de diferença por meio de intervenções nos espaços antropizados perto de áreas florestadas. Por exemplo, áreas de silvicultura com espécies exóticas (Pinus spp. e Eucaliptus spp.) podem ser substituídos por silvicultura de espécies nativas quando estes se encontram nas proximidades de manchas de Mata Atlântica nativa. Da mesma forma, áreas urbanas perto de áreas de interesse ambiental podem ser arborizadas, aproximando-as a floresta, reduzindo efeitos de borda floresta à dentro, e aumentando os vetores de dispersão de serviços ecológicos na floresta.
            Além de alterar as manchas antropizadas em si, é possível também intervir na borda para reduzir vetores de pressão e aumentar vetores de dispersão (CADENASSO et al., 2003). Na zona sul de São Paulo, por exemplo, existe uma rede viária extremamente densa, que dá acesso a quase totalidade da área florestada, com exceção da bacia hidrográfica do rio Capivari. Tratando de atividades humanas como um simples efeito de borda deixa claro que a rede viária representa uma permeabilidade aumentada da mancha urbana à mancha florestada. Em sentido oposto, a arborizaçãofora de áreas florestadas, sobretudo por meio de cercas vivas e outras características lineares, provém vias de dispersão de serviços ecossistêmicos em ambientes antropizados (FRENCESCONI et al., 2008).
            Em termos de ameaças específicas ao bioma em questão, a rede viária densa representa a ameaça mais significante ao ecossistema do PESM porque representa o vetor de transmissão de todas as outras classes de ameaças humanas, inclusive a expansão da mancha urbana, introdução de espécies não nativas e retirada de espécies nativas (PESM, 2006). Outras ameaças significantes são a caça e a retirada clandestina de plantas (sobretudo orquídeas epalmitos – Euturpisedulis), a introdução de espécies exóticas de plantas (como Pinus e Eucalyptus) e animais (inclusive cães e gatos), a poluição do ar, e a ocupação descontrolada (ibdem).
            Por outro lado, a APA Capivari-Monos conta também com diversos fatores estruturais (de uso do solo), legais (diversos sistemas de zoneamento e licenciamento ambiental), e socioeconômicas (um caráter primariamente rural) que facilitam os vetores de reflorestamento e serviços ambientais, como a dispersão de sementes, infiltração de água, e a proteção da biodiversidade (FRANCESCONI et al., 2008; MAGELLAN et al., 2008). Além disso, a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo (SVMA) vem fomentando diversos projetos do terceiro setor através de recursos do Fundo Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (FEMA).
            Embora seja de fato um mosaico complexo de usos do solo e ecossistemas naturalmente heterogenias, a interface entre a cidade de São Paulo e o PESM pode ser visualizada como três manchas (uma “natural” outra “antropizada” e uma de transição), em que a transição funcionando como uma fronteira semipermeável. Vetores de pressão atravessam esta fronteira, ameaçando a função do ecossistema dentro do Parque. Ao mesmo tempo, vetores de restauração atravessam a fronteira, provendo serviços de restauração ecológica na zona sul da cidade (Fig. 2).

Fig. 2. A Zona de Transição (caracterizada por uma mistura de influências antrópicas e naturais) pode ser manipulada a fim de mudar a sua permeabilidade aos vetores de pressão e restauração. À esquerda, uma zona de transição com características mais antropizadas (alta densidade de vias, monoculturas agrícolas, falta de arborização ou silvicultura com espécies exóticas) permite maior permeabilidade aos vetores de pressão e limita os vetores de restauração. À direita, uma zona de transição com características mais naturais (menos vias, sistemas de agrosilvicultura, maior arborização, silvicultura com plantios mistos de espécies nativas) limita a influencia humana enquanto permite maior expansão de serviços do ecossistema e vetores de restauração.

INTERVENÇÕES FINANCIAIS E DE FOMENTO

            São três as sugestões de intervenção financiais de fomento vislumbradas: ICMS Ecológico, RPPNe PSA.
ICMS Ecológico: A Lei Estadual 8.510/93 estabelece a distribuição do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS. De acordo com ela, 0,5% da arrecadação do estado se destinam aos municípios de acordo com a porcentagem de áreas protegidas e o grau de proteção. Em 2004, o Município de São Paulo recebeu aproximadamente 1,3 milhões de reais em função da porcentagem e qualidade de terras protegidas dentro do seu território. No cálculo, as UC recebem pesos diferenciados referentes ao nível de proteção. Reservas Ecológicas (a mais restrita) são definidas como tendo um peso de 1,0. Outros tipos de UC calculáveis da área em questão são APA (peso de 0,1), Zonas de Vida Silvestre de APA (peso de 0,6), e Parques Estaduais (peso de 0,8).
            O ICMS Ecológico representa uma grande oportunidade de definir maiores UC, ou aumentar o nível de proteção, gerando uma fonte de financiamento para intervenções ambientais em outras áreas circundantes com menor grau de proteção (como estabelecimento de silvicultura com espécies nativas, sinalização ou fiscalização). No entanto, o ICMS ecológico é um recurso direcionado diretamente ao tesouro municipal e não tem destinação certa para projetos ambientais tampouco para as UC – principal origem do recurso. Assim, necessita-se uma legislação que regulamente a utilização deste imposto.
            No presente caso, o PESM poderia ser expandido até a borda norte da Zona de Vida Silvestre da APA Capivari-Monos, aumentando o peso da área de 0,6 para 0,8, porem sem grandes mudanças de restrição de uso. Tal redefinição proporcionaria uma fonte adicional de recursos para implantar programas na zona circundante (a Zona de Conservação e Uso Sustentado dos Recursos Naturais da APA) para reduzir vetores de pressão, ou para restauração dentro do próprio parque. Esta redefinição proporcionaria também uma proteção legal maior sobre a área em questão.
            Reservas Particulares do Patrimônio Natural – RPPN:            As RPPN são classificadas como UC de domínio privado. O proprietário pode pedir a decretação do território como RPPN mediante apresentação de um plano de manejo, o que lhe da direito a benefícios fiscais. Neste sentido, constam como uma intervenção financial por parte do Estado. Em 2004, existiam na Mata Atlântica 443 RPPN, abrangendo mais de 100 mil hectares (MESQUITA & VIEIRA, 2004). Uma RPPN, o Sitio Curucutu, se encontra na fronteira sudeste do Município de São Paulo, ao sul da Represa Billings. O Zoneamento Vigente da APA reconhece as Zonas de Vida Silvestre e de Uso Sustentado como prioritárias para criação de novas RPPN.
Pagamentos por Serviços do Ecossistema: Ibrahim et al. (2008) estudaram pagamentos diretos a pequenos agricultores mediante um programade monitoramento de avifauna, utilizada como indicador da biodiversidade nos sítios. Com pagamentos relativamente pequenos, constaram um aumento significativo de avifauna e cobertura arbórea nos sítios estudados. Este estudo pode sinalizar uma ferramenta em desenvolvimento para a efetiva conservação de biodiversidade em paisagens produtivas com uma situação fundiária bastante fragmentada.
            A SVMA e a The Nature Conservancy estabeleceram um convênio para estudar formas de pagamentos por serviços ambientais à proprietários de imóveis no município, a exemplo do já aplicado pelo município de Extrema (MG), e o Projeto Oásis da Fundação OBoticário para a Proteção da Natureza, desenvolvido nas bacias hidrográficas Billings e Guarapiranga em convênio com a SVMA e a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP).

QUADRO LEGAL DE USO DO SOLO

            A área de interesse caracteriza-se pela extrema complexidade do regime legal. A APA Capivari-Monos e os arredores contam com pelo menos 12 tipos de zoneamento ou outras divisões legais espaciais com implicações diretas para a gestão da área. Estes sistemas de zoneamento são:
Municipal: Ao nível de município, existe uma complexa subdivisão de zoneamento intramunicipal. Cinco municípios (São Paulo, São Bernardo do Campo, Itanhaém, Embu-Guaçu e São Vicente), cada um com Plano Diretor e zoneamento próprio.

Fig. 3. Zoneamento Geo-Ambiental da APA Capivari-Monos. (Org. Rodrigo Santos).

            Dentro de São Paulo, existem duas APA (Capivari-Monos e Bororé-Colônia) com Zoneamento Geo-Ambiental próprio, um deles estabelecido pela Lei Municipal 13.706/04 (vide Fig. 3). Este sistema de zoneamento é distinto do zoneamento municipal, embora conta com algumas zonas em comum. O Zoneamento Geo-Ambiental da APA toma o lugar do zoneamento municipal de São Paulo, apesar de existir dentro do esquema de Macrozoneamento e Macro Áreas do Plano Diretor municipal.
            São Paulo também conta com um sistema de macrozoneamento estabelecido pelo Plano Diretor da Cidade (Lei Municipal 13.430/02), onde toda a área em questão fica na Macrozona de Proteção Ambiental. Esta Macrozona está subdividida em três macroáreas, das quais a área de interesse incluia Macroárea de Proteção Ambiental e a Macroárea de Uso Sustentável.
Estadual: Duas entidades estaduais são sobrepostas com o zoneamento municipal na área de interesse:
• Parque Estadual Serra do Mar (PESM) - se sobrepõe a diversos municípios no Estado de São Paulo, e conta com zoneamento interno. Este nível de zoneamento é complicado pela divisão do Parque em oito núcleos administrativos amplamente independentes entre si. Cada núcleo define o zoneamento próprio, o que causa algumas descontinuidades;
• Área de Proteção dos Mananciais (APM) - um sistema legal estadual que visa a proteção de bacias hidrográficas de abastecimento por meio de uma complexa interação governamental que começa com o Comitê de Gestão da Bacia Hidrográfica. A área de interesse abrange duas bacias (Guarapiranga e Billings), cada uma conta com legislação específica e plano de gestão com zoneamento.
            Federal: Dois estatutos da União têm efeitos importantes para a área de interesse:
• Lei da Mata Atlântica – estabelece proteção abrangente para ecossistemas considerados parte do bioma da Mata Atlântica, incluindo Floresta Ombrófila Densa, Floresta de Araucárias, e Campos Naturais; que ocorrem na área de interesse em estados intermediários e avançados de recuperação.
• Lei de Proteção da Vegetação Nativa – que substituiu o Código Florestal estabelece proteção ambiental forte por meio de APP e Reservas Legais (RL). A primeira, definida em termos geográficos como as margens de córregos e represas, declividades específicas do terrenoe, em topos de morro. A segunda são áreas definidas em imóveis rurais, para proteger cerca de 20% do imóvel.
Internacional: A totalidade da área de interesse é considerada uma Reserva da Biosfera e do Homem pelas Nações Unidas. Esta designação falta poderes de fiscalização adicional, apesar de estabelecer um zoneamento interno de áreas de proteção integral e de uso sustentável.

Vantagens

            Apesar da possibilidade de produzir lacunas de proteção e conflitos no âmbito da fiscalização, a sobreposição de diferentes tipos de zoneamento também amplia o número de entidades governamentais com o direito de intervir pelo meio ambiente.
            Este sistema também estabelece um regime fortíssimo em termos de compromisso legal da sociedade à proteção ambiental na área de interesse. Literalmente todos os níveis governamentais com algum vinculo a esta área tem estabelecido que a proteção do meioambiente é uma prioridade importante na região.
            Toda esta “fragmentação” de responsabilidade pela gestão do uso do solo se dá em função da abertura democrática do Brasil, o que prevê maior participação por pessoas locais, fortemente impactados por decisões deste tipo. Muitas vezes, tal compartilhamento da tomada de decisões fornece sistemas de gestão estreitamente vinculados à realidade local enquanto também aumenta o compromisso de populações locais nos sistemas, provendo, portanto, um duplo aumento de eficácia.

Desvantagens

            Ao nível do proprietário, o numero de sistemas de zoneamento vigentes, junto com a falta de articulação dentro de cada um, cria inúmeras combinações possíveis de sistemas de gestão. Esta situação quase impossibilita o conhecimento do regime vigente por parte de proprietários de imóveis, dificultando o cumprimento voluntário da lei.
            Quanto a fiscalização, o fato de haver diversos sistemas legais sobrepostos (com fins muito parecidos), fragmenta a responsabilidade de fiscalização. Embora parecer um desdobramento de camadas de fiscalização, na pratica a fiscalização fica mais esparsa, difícil e burocratizada, judicializando as responsabilidades.
            Quanto à gestão ambiental ao nível da paisagem, este quadro dificulta o planejamento porque não existe um único mapa com usos permitidos e não permitidos na área de interesse. Por exemplo, um parecer do Instituto Socioambiental (ISA) no momento de elaboração da Lei Específica de Proteção do Manancial da Billings sugeria que fosse incorporada referencias às APP do Código Florestal, apesar delas ficarem legalmente protegidas independentemente de quaisquer referencias em outra legislação (ISA, 2008).

CONCLUSÕES

            Três abordagens nitidamente inter-relacionadas podem sanar as desvantagens apresentadas pela fragmentação do regime legal vigente. Todas estas abordagens tem utilidade na área em questão, e todas têm importantes vantagens a oferecer a proteção ambiental simplesmente por via de melhor administração, sem necessidade de recorrer a maior debate sobre a necessidade de proteção ambiental.
            De acordo com o Plano Diretor do Município de São Paulo (Lei Municipal 13.430/2002), a legislação de uso do solo precisa ser simplificada, a fim de aumentar sua aplicabilidade:
são ações estratégicas da Política de Urbanização e Uso do Solo: rever, simplificar e consolidar a legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo, incorporando os instrumentos previstos na Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001 – Estatuto da Cidade, de modo a assegurar a função social da propriedade urbana (Art. 78).

            As bordas de zonas internas podem ser ajustadas pelos órgãos responsáveis, tomando em conta os outros sistemas de zoneamento vigentes. Esta abordagem já esta amplamente utilizada. O zoneamento do Município e da APA, por exemplo, já consideram a área sobreposta com o PESM como uma Zona de Regime Legal Específica, o que já consta com regulamentação. Outros sistemas, porém, seriam beneficiados pela ampliação de áreas de proteção ambiental para que as bordas internas ficassem coordenadas com outros limites geográficos.
            Maior cooperação intergovernamental é tanto uma causa quanto uma decorrência da articulação dos sistemas legais vigentes. Podem ser estabelecidas e fortalecidas oportunidades para troca de informação entre as várias entidades governamentais com responsabilidade compartilhada pela gestão da área em questão. Tal cooperação poderia ser tão simples como a troca de copias de pareceres finais entre, por exemplo, a Câmara de Gestão do Uso do Solo da APA e os Comitês de Gestão de Bacias Hidrográficas Locais (ambos sendo corpos participativos de gestão ambiental).
            Como a troca de informações úteis encontra-se na base da cooperação intergovernamental, a criação de ferramentas para este fim é imprescindível. A unificação e compatibilização de conhecimento sobre estes sistemas de proteção ambiental também fornecem uma base para a articulação dos sistemas, deixando claras as lacunas legais. Finalmente, estas informações devem ser compartilhadas com proprietários e a sociedade civil para aumentar a participação significativa na tomada de decisões.
            Tais meios de comunicar informações do uso do solo poderiam incluir um organograma de sistemas de zoneamento vigentes no sul de São Paulo (como exemplificado na Fig. 4), uma tabela com descrições simplificadas dos diversos tipos de zoneamento, e um mapa que mostra o nível mais restritivo de zoneamento vigente em cada ponto da área. Estes meios de comunicação, entre outros, disponibilizariam as informações de uma forma mais útil.

Fig. 4. Organograma de tipos de zoneamento em vigor sobre a zona sul de São Paulo. Linhas pontilhadas representam zonas de sistemas diferentes que impõem limites idênticos ou quase idênticos no uso do solo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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