Nossa mentalidade brasileira

A forma natural que nós brasileiros nos posicionamos e reagimos frente a diversas questões e assuntos, ou seja, nossa “mentalidade”, não é algo simples de ser traduzida, pois corremos um sério risco de cairmos em generalizações, no sentido da falsa hegemonia que este conceito pode trazer.

O antropólogo Darcy Ribeiro¹ coloca que o Brasil é formado por diversas matrizes culturais, com inúmeras etnias, sendo nossa identidade criada a partir da miscigenação do indígena, do africano e do europeu. Essa identidade brasileira, baseada em uma multi-etnicidade, possui uma história marcada por relações de dominação, assimilação e troca cultural entre nossas matrizes, que ainda encontra-se em plena construção. Portanto, é muito perigoso fazer afirmações em torno de uma “mentalidade hegemônica” brasileira.

Podemos dizer, no entanto, que temos algumas posições majoritárias que são constituídas a partir da formação do povo brasileiro: nas relações sociais cotidianas, no comércio, na política, na administração, dentre outras áreas.


Roberto DaMatta² nos traz uma importante análise para entender nossa mentalidade. Ele coloca que a sociedade brasileira possui um arranjo fortemente hierarquizado (vertical), marcado pela pessoalidade, onde a posição social de determinada pessoa o credencia para alguns privilégios. Ele destaca a frase: “Você sabe com quem está falando?” muito utilizada por alguns de nós brasileiros para intimidar seu interlocutor, rebaixando-o socialmente, na tentativa de se beneficiar com algum privilégio em determinada situação.

O mesmo autor coloca que existem outras sociedades cujo arranjo social é horizontal (não hierarquizado) e exemplifica com a frase: “Quem você pensa que é?”. Assim, estas sociedades são marcadas pela impessoalidade, onde as normas são respeitadas com maior rigor, independente da classe social.

DaMatta infere que as relações sociais no Brasil são permeadas pela busca por “privilégios”. Isto é evidente quando observamos as relações comerciais do mercado interno brasileiro, onde há a diferenciação dos clientes através de sua categorização como: primeira classe, estilo, ouro, platinum, VIP, class, personalité, dentre outras formas de proporcionar a diferenciação entre um cliente dito especial e outro comum. Isto eleva hierarquicamente os brasileiros.

Estes privilégios podem ser observados, ainda, na política, através do chamado “foro especial”, ou seja, alguns cidadãos – pelo fato de exercerem mandato eletivo ou ocupar cargo judiciário ou militar – podem ser julgados apenas em “situações especiais” e, se mesmo assim forem condenados, cumprem punições diferenciadas do restante da população.


Este tipo de postura pode ter suas origens na formação do país no período colonial, pois segundo Gilberto Freyre “o Brasil colonial seria um caso extremo de descentralismo político, criando as condições para um patriarcalismo que se cristaliza em mandonismo local ilimitado, pela ausência [ou distanciamento] de instituições intermediárias acima da família” nas decisões locais (apud. SOUZA, 2001)³. Isto explica diversos atos vistos como normais em nossa sociedade, mas que ultimamente vêm sendo questionados, como o nepotismo, prática típica de sociedades monárquicas cuja transferência de poder se dá aos seus entes familiares – como ocorria na Europa medieval e absolutista.

O coronelismo reinante no Brasil colonial – e que sobrevive até os dias de hoje em determinadas regiões
brasileiras – personifica os três poderes das instituições do Estado brasileiro. Fato intensificado pelo “foro especial” às “autoridades”, estas que acabam por usar a máquina pública em benefício próprio. Distanciando, assim, o Estado da população brasileira, não possibilitando que a noção do público seja apropriada pela massa de brasileiros. Assim, quando há uma política pública que beneficie a população, esta responde com surpresa, recebe-a como um favor, um presente dado pelos políticos. Abrindo espaço à corrupção, e adicionando à mentalidade brasileira o equívoco de que “todo o político é corrupto”, distanciando parte de nós brasileiros da vida política de nosso país (4).

Esta falta de noção da coisa pública promove o descaso do patrimônio pela própria população, onde é comum opiniões como: “é público, posso fazer o que eu quero”, resultando em depredações de bens públicos como escolas, praças, ruas, etc.

Presente em nossa mentalidade está ainda o chamado “jeitinho brasileiro” – onde vigora a vulgar “Lei de Gérson” (5) – que aceita o desrespeito às normas ou regras da sociedade, desde que traga benefício a si próprio. Também conhecido como malandragem.

No que tange aos recursos naturais, nossa mentalidade é mitificada no fato de que são abundantes ou
inesgotáveis, proporcionando uma gestão irresponsável desses recursos, através do desflorestamento dos biomas, poluição dos recursos hídricos (em especial nos ambientes urbanos), escassez dos mananciais, etc.

Apesar da máxima de que o “Brasil é o país do futuro” nós somos uma sociedade que pouco planeja sobre ele. Valorizamos mais as ações no presente do que as suas conseqüências. Isto trouxe historicamente diversos problemas à nossa poupança e à urbanização. Um político que quer se re-eleger, evita ações a longo prazo pois “isto não dá voto” e promove apenas ações paliativas de grande impacto no presente.

Salientamos que, como já posto inicialmente, é impossível colocar uma mentalidade hegemônica brasileira, e afirmar que todos nós somos assim: nepotistas, corruptos, malandros, coronelistas, pessoais... No entanto, não podemos negar a sua existência.

Embora tudo isso faça parte de nossa mentalidade – com as devidas proporções – somos um povo otimista,
que acredita que tudo vai dar certo no final. Que cultua as belezas do corpo, donos de um orgulho imenso de viver, com muita festa, cerveja, futebol e carnaval! Um povo que se orgulha de suas paisagens e de sua diversidade e que não nega sua simplicidade. VIVA O BRASIL!

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¹ RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Comp. das Letras, 1995
² DAMATTA, Roberto. Carnavais, Malandros e Heróis. 3.ª Ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.
³ SOUZA, Jessé. A sociologia dual de Roberto DaMatta: Descobrindo nossos mistérios ou sistematizando nossos autoenganos. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 16, nº 45. São Paulo, 2001.
4 ALVES FILHO, Ari Martins. A construção social da corrupção. Goiânia: Assembléia Legislativa do Estado de Goiás.
5 Lei de Gérson: Reclame dos cigarros Vila rica em 1976, onde o meio armador Gérson da Seleção Brasileira de Futebol dizia: "Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também!"

3 comentários:

  1. Parabens, otimas reflexoes! Continue postando e sucesso para seu blog! Beijos, Gabi

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  2. Muito bom...
    Acho que com a nossa alegria, otimismo e um pouco de educação seremos um povo merecedor desse Brasilzão de meus Deus.
    Abraço

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  3. Bem lembrado que é preciso muito cuidado para não cair em generalizações! Afinal, um tema assim, pode sofrer facilmente deturpações. Nesse sentido, acho que você conseguiu fazer uma explanação crítica e não preconceituosa.
    Mas eu diria mais sobre o assunto, considero que não existe essa “mentalidade brasileira”, mas sim, uma mentalidade pouco informada e crítica que gera atitudes como estas que você citou. Se formos analisar posturas semelhantes em outros países, encontraremos padrões semelhantes a estes, que normalmente se relacionam a uma educação precária e alto nível de alienação promovido pela mídia.
    Um povo necessita primeiramente se alimentar bem e ter um local adequado de abrigo, quando estas necessidades primordiais são atendidas, este povo pode ser educado, e poderá desenvolver sua capacidade crítica para modelar o sistema em que vive.
    No entanto, se um povo permanece limitado a luta diária para seu sustento, não conseguirá educar-se e através disso mudar sua situação.
    A meu ver, o que propaga a miséria no mundo é um ciclo vicioso em que a ignorância, a miséria e alienação travam o desenvolvimento.
    Nosso povo brasileiro é sim lindo, otimista e persistente, falta mesmo, concentrar a energia dessa gente para transformar sua realidade numa beleza semelhante a sua!

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