Curso de Capacitação em Meio Ambiente da APA Bororé-Colônia

Material do primeiro grande evento da Área de Proteção Ambiental (APA) Municipal Bororé-Colônia, o Curso de Capacitação em Meio Ambiente, ocorrido entre 19 e 31 de março de 2007, no Centro Educacional Unificado (CEU) Cidade Dutra. E que contou com o apoio de diversas entidades da sociedade civil e do poder público.

Este curso foi fruto de muito esforço e dedicação do Conselho Gestor da APA Bororé-Colônia, reunido no Grupo de Trabalho de Capacitação, cuja missão era realizar um evento que possibilitasse dar uma visão geral na discussão ambiental e seus conceitos, mas com um objetivo prático: a produção de projetos sustentáveis para a APA. Ou seja, os participantes deste curso se alimentaram de um grande nível de informações básicas em meio ambiente, porém bem atuais, no intuito de fomentar a realização de suas idéias através de projetos para o território da unidade de conservação.

Na presente publicação, temos a oportunidade de observar um pouco de como foi esse curso, pois está reunido grande parte dos materiais apresentados pelos palestrantes¹. Espero que este material possa contribuir para a promoção e divulgação da ideia verde, da Agenda21, acordada globalmente no Rio de Janeiro – na ECO’92, e que cada vez mais se torna essencial para a sociedade contemporânea.




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CONTEÚDO DA PUBLICAÇÃO



MÓDULO I: CONCEITOS BÁSICOS DE MEIO AMBIENTE

EIXO: SOLO
     TERRA, UM PLANETA EM TRANSFORMAÇÃO
          Oswaldo Landgraf Júnior
     MINERAÇÕES
          Fernando Mendes Valverde
     RESÍDUOS SÓLIDOS
          Deodoro Antonio Oliveira Vaz

EIXO: AR
     ATMOSFERA E POLUIÇÃO DO AR
          Clarice Aico Muramoto
     CAMADA DE OZÔNIO, EFEITO ESTUFA E AQUECIMENTO GLOBAL
          João Wagner Silva Alves

EIXO: ÁGUA
     TRATAMENTO DE ESGOTOS DOMÉSTICOS
          Cláudia Bittencourt
     CONTAMINAÇÃO E REMEDIAÇÃO DE AQÜÍFEROS
          André Luiz Fernanades Simas 
     HISTÓRICO DA REPRESA BILLINGS
          Carlos Eduardo Gomes da Rocha 
     DISPONIBILIDADE HÍDRICA E MANANCIAIS
          Eliana Kazue Iriei Kitahara 

EIXO: BIODIVERSIDADE
     DESMATAMENTO, BIOPIRATARIA, BANCO GENÉTICO E ARBORIZAÇÃO URBANA
          Alessandra Gonçalves da Silva
     BIOMAS (MATA ATLÂNTICA) E ECOSSISTEMAS
          Maria do Socorro Silva Pereira Lippi 


MÓDULO II: LEGISLAÇÃO AMBIENTAL

EIXO: FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL
     LEI DE CRIMES AMBIENTAIS
          Frederico Jun Okabayashi

EIXO: LICENCIAMENTO E GESTÃO AMBIENTAL
     CÓDIGO FLORESTAL, APPS, LICENCIAMENTO, EIA-RIMA, TAC E TCA
          Fernando Henrique Vialta de Andrade
     SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO
          Anita Correia de Souza
     PLANO DE MANEJO E ZONEAMENTO AMBIENTAL DE APAS
          Maria Lúcia Ramos Bellenzani


MÓDULO III: DIAGNÓSTICOS SÓCIO-AMBIENTAIS

EIXO: PLANO DIRETOR
     ESTATUTO DA CIDADE E PLANOS DIRETORES, O CASO DE SÃO PAULO
          Olga Maria Gonçalves e Gross
     O PROCESSO DO PLANO DIRETOR REGIONAL DA SUBPREFEITURA DE PARELHEIROS
          Luiz Felippe de Moraes Neto

EIXO: MEIO AMBIENTE EM SÃO PAULO
     EVOLUÇÃO DA PAISAGEM PAULISTANA E A APA BORORÉ-COLÔNIA
          Rodrigo Martins dos Santos 


MÓDULO IV: PROJETOS SUSTENTÁVEIS

EIXO: SUSTENTABILIDADE
     ECO-ECONOMIA: DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE
          Hugo Penteado

EIXO: ECONOMIAS SUSTENTÁVEIS
     ECOTURISMO E DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
          Antonio Carlos Afonso 


MÓDULO V: EXECUÇÃO DE PROJETOS

EIXO: CAPTAÇÃO DE RECURSOS E FUNDOS
     FUNDO ESPECIAL DO MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL – FEMA
          Helena Maria de Campos Magozo
     FUNDO ESTADUAL DE RECURSOS HÍDRICOS - FEHIDRO
          José Augusto Rocha Mendes

EIXO: TEORIA EM ELABORAÇÃO DE PROJETOS
     BASE CONCEITUAL-INSTRUMENTAL PARA ELABORAÇÃO DE PROJETOS SÓCIO-AMBIENTAIS
          Silvia Ferreira Mac Dowell 

EIXO: PRÁTICA EM ELABORAÇÃO DE PROJETOS SUSTENTÁVEIS - OFICINA
     ROTEIRO PARA ELABORAÇÃO DE PROJETOS
          Alan Félix da Silva
          Alessandra Blengine Mastrocinque Martins
          Antonio Carlos Afonso 


MÓDULO EXTRA: TRABALHO DE CAMPO

     VISITA A APA BORORÉ-COLÔNIA
          Rodrigo Martins dos Santos



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¹ Alguns materiais ministrados no curso não estão disponíveis na publicação ou porque o autor não aprovou sua divulgação, ou por não terem sido apresentados até o fechamento da edição.


ANÁLISE AMBIENTAL INTEGRADA - A teoria dos Geossistemas

Artigo originalmente apresentado no PLURIS 2005 - 1.º Congresso Luso-Brasileiro para o planejamento urbano regional integrado sustentável, organizado pela Uminho (de Braga - Portugal), Unesp e USP, e que ocorreu no campus da Escola de Engenharia de São Carlos da USP, em 2005.

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RESUMO

Apresentação da Teoria dos Geossistemas como metodologia de Análise Ambiental Integrada e sua aplicabilidade no âmbito do planejamento ambiental e gestão do território. Uma ferramenta de compreensão da dinâmica sócio-ambiental da paisagem, tendo como fundamento a identificação da inter-relação entre seus elementos (físicos, bióticos e antrópicos). Também é sinalizado o caráter transdisciplinar da pesquisa ambiental, ou seja, a importância que o pesquisador deve conceder a busca de um conhecimento holístico, diferentemente das metodologias usuais que setorizam a pesquisa ambiental em meios: físico-biótico e sócio-econômico, e que produzem simples corografias, onde cada pesquisador constrói um retalho do produto final, comumente encontradas em pesquisas ambientais multidisciplinares.


A TEORIA DOS GEOSSISTEMAS

Essa teoria “faz parte de um conjunto de tentativas ou de formulações teórico-metodológicas, surgidas em função da necessidade de lidar com os princípios de interdisciplinaridade, e síntese, com a abordagem multiescalar e com a dinâmica, fundamentalmente, incluindo-se prognoses a respeito desta última” (Rodrigues, 2001).




Baseia-se na ideia de que no Espaço Geográfico existe uma interação dinâmica entre os fatores físico-ecológicos, bióticos e antrópicos, cuja interação produz Unidades de Paisagem (+/- homogêneas), ou seja, fragmentos espaciais que apresentam certa homogeneidade, fruto da interação dos diversos fatores.


MODELOS ANALÍTICOS AMBIENTAIS INTEGRADOS

Um modelo Analítico Ambiental Integrado, obtido com através da abordagem geossistêmica, pode ser apresentado na forma de um mapa de síntese, como o mapa de Unidades de Paisagem, ou através de um modelo em perfil, o Transecto da Paisagem. O artigo e o painel apresentam alguns exemplos desse tipo de modelo. Mas como construir um modelo desses? A seguir uma proposta metodológica:



CONSIDERAÇÕES

Nenhuma teoria metodológica é capaz de exprimir a realidade do Meio Ambiente, tampouco a Teoria dos Geossistemas. Sua contribuição mais do que tentar criar um quadro ambiental da realidade, é possibilitar ao pesquisador um contato com diversos elementos do meio, onde ele deve ir buscar em outras áreas e em outros ares.

Ou seja, ao invés de se debruçar sobre um determinado fator/aspecto ambiental, o pesquisador com o uso da Teoria dos Geossistemas, procura identificar as relações entre os diversos fatores/aspectos ambientais, trazendo a possibilidade de um maior entendimento do Meio Ambiente e sua dinâmica física, biótica e antrópica.


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Geografia Humana de Colônia Paulista e Ilha do Bororé (bairros de Parelheiros e Grajaú, cidade de São Paulo)

Trecho do texto publicado em 2005

OCUPAÇÃO DAS TERRAS E POPULAÇÃO


1. Os Caminhos



Sede de sítio na antiga Estrada Velha da Colônia, provável Caminho de Conceição de Itanhaém.
Foto: Rodrigo Santos, 2003.

Poucos são os registros de ocupação efetiva do território antes da implantação da Colônia Alemã na região. Segundo Zenha (1977) não há nenhum registro de aldeamentos indígenas pré-Cabralinos na região localizada entre os afluentes Bororé e Taquataquissetiba (hoje Taquacetuba), do Rio Grande, região também conhecida por Bororé ou Ilha do Bororé como foi chamada após a construção da Represa Billings em 1926, projetada pelo Engenheiro estadunidense Asa White Kenney Billings, para a companhia The São Paulo Trainway, Light and Power Company Ltd.
(...)
No entanto, a hipótese mais provável é que a construção dessa casa se deu no final do século XIX, por uma família descendente de colonos alemães (os Reimberg). Cujo apelido do chefe da família – seu Periquito – também denominou a casa e a estrada que passava em sua frente, a antiga Estrada do Curucutu (atual Av. Kayo Okamoto). Atualmente [2005] esta casa encontra-se em processo de tombamento pelo Departamento de Patrimônio Histórico da Secretaria da Cultura do município.



Casa de taipa de pilão abandonada, construída por volta de 1870 na antiga estrada do Curucutu entre os bairros de Bororé e Colônia. Seu provável construtor foi um descendente dos alemães da Colônia, da família Reimberg.
Foto: Rodrigo Santos , 2003.



2. A Colônia Alemã 



Cemitério de Colônia Paulista, Parelheiros, São Paulo. Primeiro cemitério protestante do Brasil, construído em 1840.
Foto: Rodrigo Santos, 2003.


Apesar de servir de passagem entre o litoral e o planalto, a vasta região situada entre o ribeirão Cocaia e a Escarpa da Serra do Mar, poderia possuir alguns poucos caboclos e indígenas espalhados pelo território, mas somente será ocupada efetivamente com a implantação da Colônia Alemã entre os ribeirões Taquacetuba e Vermelho, numa feição geomorfológica denominada de Cratera da Colônia, um astroblema formado pelo choque de um meteoro a cerca de 35 milhões de anos (BELLENZANI, 2000) que distava seis dias de burro/mula a partir de Santo Amaro (GARANHUNS, 1977).
(...)
Mesmo após diversas tentativas dos alemães em fazer cumprir o que estava previsto, pois o diretor e a província não permitiam que procuradores dos colonos chegassem ao Imperador, alguns decidem se assentar no local. Porém com pouco sucesso, dos 229 indivíduos (62 famílias) contraentes das terras do Sertão de Itaquaquecetuba, em dez anos (1839) somente 157 estavam espalhados por Santo Amaro, em terras fora da Colônia, e em 1847, apenas nove famílias, chegando ao número de quatro famílias três anos depois. Levando Zenha (1950) a dizer que “assim foi a decadência de empreendimento que custou tanto dinheiro e tanto sacrifício. O lugar que deveria transformar-se numa cidade, definhou em tapera com três ou quatro ranchos pobres ao redor de um cemitério”, este conseguido a duras custas, pois grande parte dos imigrantes eram protestantes e não podiam ser enterrados em cemitério católico, tampouco na igreja.


3. Os imigrantes 



Senhora Vitalina Reimberg (80 anos [2003] - in memorian), descendente de alemães da Colônia. Antiga estrada do Curucutu.
Foto: Rodrigo Santos, 2003.

A partir dos alemães, Santo Amaro passa a ser considerado o “celeiro da capital”, sendo o único município da província a produzir batatas, além de fornecer arroz, feijão, milho e mandioca à São Paulo. Também comercializavam no Mercado de São Paulo gado, aves, mucuta (canela e lenha), madeira e carvão. Eles fundaram vilas (Cipó e Parelheiros) abriram estradas, como a antiga estrada de Parelheiros (atual Av. Sen. Teotônio Vilela e Av. Sadamu Inoue), que liga o Rio Bonito ao município de Embú-Guaçú, e que possibilitou a ocupação do vasto sertão que a cercava, regado por inúmeros cursos d’água e povoado pela imensa Mata Atlântica.
(...)
Na Revolução Constitucionalista, foi escalado um destacamento santamarense, e segundo um antigo casal de moradores da região do Bororé, José Antônio Domingues, nascido em 1916 e Amália Guilger Domingues, de 1921, diversas pessoas “fugiam” do alistamento e se escondiam nas matas existentes no local. Ele (seu José) tem avó alemã e avô índio, o que demonstra a miscigenação dos alemães com os nativos; ela é descendente de alemães.Com a Segunda Grande Guerra a Colônia Alemã foi obrigada a mudar seu nome para Colônia Paulista.




Templo budista dedicado a deusa Quan Inn. Colonização extremo-oriental. Cabeceira do ribeirão Cocaia, Grajaú, São Paulo.
Foto: Rodrigo Santos, 2003.


4. O ‘progresso’ e a represa Billings

A região do Bororé localiza-se em território do antigo município de Santo Amaro, anexado à capital paulistana pelo interventor federal no Estado Armando de Salles Oliveira em 25 de fevereiro de 1935 pelo decreto estadual 6.983 (BERARDI, 1981), rebaixando-a a subprefeitura do município de São Paulo, com o administrador nomeado pelo prefeito da Capital.
(...)
Assim, diversas são as modificações no espaço que possibilitaram o avanço urbano-industrial à região de Santo Amaro. A construção da Auto-Estrada (atual Avenida) Washington Luíz em 1928, interligando à capital às áreas das represas, faz surgir residências de alto padrão ao longo da ‘Estrada de Rodagem’, pois era própria para o tráfego de automóveis, símbolo do progresso e da modernidade. Aparecem balneários nas margens das represas. E é construído o Aeroporto de Congonhas: “Época de Ouro à Santo Amaro” como Berardi (1981) a adjetiva, dizendo que “Santo Amaro estava vendo chegar o progresso” (BERARDI, 1981, p. 101). Outras obras como o Autódromo de Interlagos e o bairro jardim de mesmo nome, vieram logo em seguida, em 1930 (PONCIANO, 2001).


5. A industrialização e o crescimento urbano

O decreto estadual que anexou o município de Santo Amaro à Capital do Estado considerava que o motivo pelo qual se deu tal decisão fora em virtude do plano urbanístico da Capital que planejava construir um de seus mais atraentes lugares de recreio, com criação de hotéis, estabelecimentos balneários, cassinos, melhoria dos meios de comunicação. Além do projeto de industrialização da região, aproveitando tanto as facilidades de comunicação (marginais e ferrovias previstas na construção do canal do rio Pinheiros), como a geração de energia elétrica e abundância d’água; tanto que levou o industrial Francisco Matarazzo a montar um loteamento industrial no bairro de Jurubatuba.
(...)
“Em busca de alojamento barato, uma população bastante numerosa escolheu Santo Amaro para residir. A possibilidade de encontrar aluguéis mais baixos ou até mesmo casa própria, com algum sacrifício, surgia com os numerosíssimos loteamentos” (BERARDI, 1981). Assim, o aspecto tipicamente rural e caipira tanto da vila de Santo Amaro como de seu sertão vai dando lugar para o crescimento da grande mancha urbana metropolitana paulista.



Loteamento irregular se expandindo entre a mata. Jardim Noronha, Grajaú, São Paulo.
Foto: Rodrigo Santos, 2003.


6. Os migrantes




Loteamento irregular Jardim Noronha, Grajaú, São Paulo.
Foto: Rodrigo Santos, 2003.

“Como centro dinâmico do país e capital de Estado que concentrava 35,6% da Renda Interna do Brasil em 1969, São Paulo encontrava à frente de um processo de industrialização acelerada, transformando-se num vasto conglomerado populacional de aproximadamente 11 milhões de habitantes, dos quais 96% vivendo em área urbana (projeção feita para 1975)” (MIRANDA, 2002, p. 23).
(...)
Apesar de grande parte das ocupações serem desordenadas temos alguns exemplos de bairros ordenados e que pouco agridem a paisagem e o meio ambiente, um deles é o Shangri-lá, situado no final da Av. Dona Belmira Marin, junto à primeira balsa, que possui áreas verdes e praças protegendo cabeceiras de drenagem e várzeas, suas ruas não são asfaltadas, porem cascalhadas, e os lotes não são totalmente impermeabilizados. Outro exemplo, porém que não se encontra na região estudada, é o Jardim Pinheiros, no Município de São Bernardo do Campo, situado próximo à represa Billings, este bairro iniciou-se indevidamente após a publicação das Leis de Mananciais porém, após a conscientização dos moradores, passou a promover um paisagismo mais ecológico, inclusive no calçamento de ruas e passeios, tal qual no tratamento de seus efluentes líquidos e direcionamento adequado dos resíduos sólidos (coleta seletiva, etc.). Estes São alguns exemplos de ‘Bairros Ecológicos’ que podem ser utilizados como base para o paisagismo de outros com uso das terras e ocupações desordenadas.

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Clique aqui para acessá-lo diretamente no site da Subprefeitura de Parelheiros - Prefeitura da Cidade de São PauloOu, Clique aqui para baixá-lo de nosso banco de dados. 

Esse material foi adaptado do capítulo 5 da monografia APA Bororé - subsídios a implantação, de 2003.

APA BORORÉ - SUBSÍDIOS A IMPLANTAÇÃO: praticando Geografia com a teoria dos Geossistemas

Trabalho de Graduação Individual (TGI) apresentado ao Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo como parte dos requisitos para a obtenção do título de Bacharel em Geografia.

Autor: Rodrigo Martins dos Santos.

Título: APA BORORÉ - SUBSÍDIOS À IMPLANTAÇÃO: praticando Geografia com a teoria dos Geossistemas.


Palavras-Chave: Análise da Paisagem; Unidade de Conservação - Área de Proteção Ambiental; São Paulo (cidade) - Mananciais; Mata Atlântica; Geossistemas.




Imagem do satélite LandSat7, de abril de 2000, bandas RGB 235, ilustrando a cidade de São Paulo.
Em destaque a localização da então proposta Área de Proteção Ambiental do Bororé (atual APA Bororé-Colônia).



ARQUIVOS COM O TGI

Clique aqui para baixar o TGI completo (formato .pdf).

A versão disponível acima foi revisada pelo autor em outubro de 2013. Para ter acesso a versão original visite o acervo da Biblioteca Florestan Fernandes (FFLCH-USP), chamada T MARTINS, RODRIGO, 2003; ou o acervo da biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP), chamada 363.7 M366a.

Há também como baixar a versão original por meio do antigo site¹ do autor:

http://www.geocities.ws/geografeiro/TGI_BORORE.pdf
http://www.geocities.ws/geografeiro/apaborore.html



BANCA EXAMINADORA


Data da Defesa Pública: 12 Dez. 2003



Orientador (in memorian): Felisberto Cavalheiro (Agrônomo, doutor em Manejo do Território). Professor do DG-FFLCH-USP (infelizmente falecido em 18 Jun. 2003).

Orientador (Presidente da banca-examinadora): Jurandyr Luciano Sanches Ross (Geógrafo, mestre e doutor em Geografia Física e livre-docente em Geomorfologia). Professor-titular do DG-FFLCH-USP.

Examinador-interno: José Bueno Conti (Geógrafo, doutor em Geografia Física e livre-docente em Climatologia). Professor-titular do DG-FFLCH-USP.

Examinador-externo: Lúcia de Jesus Cardoso Oliveira Juliani (Geóloga, mestre em Arqueologia e doutoranda em Arqueologia). Geóloga da Prefeitura da Cidade de São Paulo.





APRESENTAÇÃO

A questão ambiental se tornou um dos assuntos mais discutidos pela sociedade, que é refletida tanto no meio acadêmico como no poder público.
A busca pela qualidade de vida, deixou de ser aspirada somente pelo desenvolvimento econômico, principal meta do planejamento estatal brasileiro até a década de 1970. O foco direcionado para a proteção, conservação e manutenção da natureza passou a preocupar o modelo capitalista, principalmente pelo fato de ocorrer uma carência de recursos naturais no futuro ou uma catástrofe de abastecimento ou inundação de cidades por todo o mundo. Água, Florestas, Calotas Polares, passaram a preocupar populações de diversas partes do planeta, levando países a organizarem em 1972 a Conferência de Estocolmo, onde foi-se colocado pela primeira vez o problema ambiental na pauta internacional de problemas globais.
Porém, ao invés de resolver um problema global, isto somente transferio-o de um país para outro, pois diversos países desenvolvidos economicamente passaram a legislar e executar políticas ambientais internas muito duras, levando as maiores poluidoras de seus territórios a se transferirem para países pouco rigorosos quanto à políticas ambientais, pois os países receptores dessas indústrias – como o Brasil - necessitavam de um desenvolvimento econômico, e seus planejadores de grandes projetos de desenvolvimento pouco se importavam pela questão ambiental, visavam o desenvolvimento puramente econômico.
Após a transferência do problema, a questão ambiental foi-se internacionalizando cada vez mais, levando em 1992 diversos países a se encontrarem no Rio de Janeiro para discutir políticas, agora sim, globais de desenvolvimento econômico juntamente com a preservação, conservação ou manutenção da natureza, foi-se então criado um modelo de planejamento que inserisse variáveis tanto econômicas como ambientais, assim desenvolveram o conceito de ‘desenvolvimento sustentável’, pois “a contínua adoção de modelos econômicos inadequados, onde os ciclos vitais e a capacidade de suporte da natureza quase nunca participam como variáveis fundamentais, faz com que as conseqüências sejam cada vez mais danosas, principalmente para o equilíbrio energético e ecológico do planeta” (UNESCO BRASIL, 2000).
Há ainda diversos debates a cerca do que é realmente o conceito de  ‘desenvolvimento sustentável’, porém segundo UNESCO BRASIL (op. cit.), é a adequação do sistema social e o sistema econômico ao sistema ecológico, ou seja, uma conciliação de bem estar social e econômico com a conservação da natureza.
Assim, foi-se então assinado em 1992 um documento denominado de Agenda 21 Global, onde definiram metas para que todos os países aplicassem o desenvolvimento sustentável em suas políticas públicas, trazendo para o planejamento público, finalmente, à questão ambiental entrelaçada à social e à econômica.
Diversos foram os fatores modificados/inseridos às políticas públicas, uma delas foi a idéia da criação de Unidades de Conservação que pudessem conceder usos ao ambiente pelo homem (tradicional ou não) promovendo a preservação/conservação/manutenção da natueraza, assim criou-se o termo Áreas de Proteção Ambiental, no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), colocada neste trabalho como uma alternativa à gestão de usos das terras e dos recursos naturais à áreas com características relevantes para a manutenção energética dos sistemas naturais.
Assim, o presente trabalho pretende analisar a caracterização da Área de Proteção aos Mananciais da Zona Sul do Município de São Paulo definida pela Lei Estadual 1.172/76 (São Paulo, 1976), mais especificamente nos distritos de Parelheiros e Grajaú, com base em seus elementos paisagísticos e diagnosticar quais são as principais funções desses elementos. Foi selecionada essa área devido à posição de intersecção entre a grande mancha urbana da metrópole paulista com a zona rural sul do município.
O principal objetivo é analisar os elementos físicos (clima, solo, morfologia, estrutura), bióticos (fauna e flora) e como se dá a ação antrópica (rural e urbana). A metodologia escolhida para aplicar nesta pesquisa tem como alicerce a Teoria dos Geossistemas em Bertrand (1972), Sotchava (1978), e Monteiro (2000), para se identificar as Unidades de Paisagem (UP’s) existentes na região. Por meio de comparação com outras áreas prognosticamos as tendências evolutivas das Unidades de Paisagem identificadas.
Trabalhamos com o problema de como planejar o desenvolvimento sócio-ambiental da área. A hipótese central que se propõe para resolver este problema é a de discutir propostas que conciliem conservação e desenvolvimento sócio-econômico das populações envolvidas direta e indiretamente; como a proposição da expansão da APA Municipal Capivari-Monos, ou a criação de uma nova APA, desde que observado o modelo de gestão paritário entre sociedade e poder público aplicado na primeira (BELLENZANI, 2000).
Foram observadas as relações e funções discutindo propostas de planejamento que integrem preservação das particularidades das comunidades e do meio ambiente locais com o desenvolvimento da metrópole. Além de contribuir para a divulgação do conhecimento e da consciência sócio-ambiental e se fazer presente como um apoio técnico, científico e humanístico sobre a região, já que não se tem conhecimento de muitos trabalhos acadêmicos dirigidos para as particularidades daquela área.
Por se tratar de um Trabalho de Graduação não aprofundamos o discurso analítico, principalmente quanto ao prognóstico, que poderá ser realizado em trabalhos futuros. O foco se deu principalmente em relação a caracterização dos elementos físico, biótico e antrópico para a identificação das Unidades de Paisagem.
No primeiro capítulo expomos a metodologia aplicada na pesquisa com a forma de análise dos resultados, os materiais e as técnicas de confecção dos produtos gerados neste Trabalho. No segundo capítulo localizamos a área de estudo, e expomos os limites propostos para a Área de Proteção Ambiental.
O Terceiro Capítulo é onde iniciamos as caracterizações, partindo da física ou geo-ecológica, onde são colocados a geologia (estrutura), o clima (processos), a geomorfologia e a pedologia, necessária para a identificação das Unidades Geo-Ecológicas. O elemento biótico é caracterizado no Quarto Capítulo, através da exposição da fauna e flora locais, necessários para a identificação das Unidades Biológicas.
No Quinto Capítulo iniciamos registrando toda a história de ocupação e formação do território e das populações locais, para depois caracterizarmos os Usos das Terras atualmente. Também discutimos um pouco sobre os principais eixos dos fluxos urbanos/rurais, para finalmente caracterizarmos as Unidades Antropogênicas.
O Sexto Capítulo é o principal produto do presente trabalho: as Unidades de Paisagem da área de estudo, fazendo-se uma pequena análise de seu prognóstico.
E finalmente concluímos este Trabalho no sétimo capitulo, colocando as nossas Conclusões Finais.



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¹ O controle de alterações do antigo site do autor <http://www.geocities.ws/geografeiro> foi perdido com o encerramento do portal geocities, portanto, não há como alterar as informações postadas lá.

Análise histórica da política indigenista no Brasil: ideologias, direitos e perspectivas

O homem desafia, coloniza e civiliza a Lua, Marte, Venus... o Sol.
Mas não percebe que o mais difícil é por o pé no chão do seu coração
E descobrir a alegria de conviver.
            [adaptado de “O Homem; As Viagens”, de Carlos Drummond de Andrade]

RESUMO

O presente artigo analisa a evolução das ações políticas e instrumentos incidentes sobre os povos indígenas no Brasil desde a pré-colonização no século XV. Dentre as ideologias presentes, destacam-se o integracionismo e o protecionismo, visões que, de certa forma, continuam permanentes nas ações indigenistas. Por outro lado, confrontando às referidas ideologias, a Constituição Federal de 1988 e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho reconhecem o direito dos indígenas de viverem segundo seus usos e costumes, revogando, assim, qualquer dispositivo legal que tenha como proposta integrar os índios na comunhão nacional. Diante das ações contraditórias frente a uma legislação moderna e atualizada, o julgamento da demarcação da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol trouxe algumas incertezas, cujas condicionantes, se mal interpretadas, ameaçam promover um retrocesso na garantia dos direitos indígenas, em especial no que tange ao seu protagonismo e autonomismo frente a outras instituições nacionais.


Clique aqui para acessar o artigo original - em inglês - publicado pelo Center on Democracy, Development, and The Rule of Law da  Stanford University, Califórnia. Ou acesso-o aqui diretamente no sítio dessa universidade.
Clique aqui para acessar o material que foi apresentado na conferência "Human Rights of Indigenous People in Latin America" ocorrida em 08 Maio 2012 na Stanford University.

ABSTRACT

This is an analysis of the evolution of political actions and legal instruments imposed on indigenous peoples in Brazil since the pre-colonization in the fifteenth century. Among the political ideologies that stand out from the integrationism and protectionism. Integrationist ideology is seen as a beacon that lights the way and acts in the minds of Indians to constitute an ethnic nation state. However, a permanent recognition of indigenous rights is legitimated in the Federal Constitution of Brazil and in Resolution 169 of the International Labour Organization (recognized by Brazil). Both documents address the outdated Indian Statute. Discussions of the new Statute of Indigenous Peoples in National Congress began in 1991 and still no prospect of completion. The judgment of the approval of the Raposa-Serra do Sol Indigenous Land brought conditions that, if misunderstood, threatening a set back indigenous rights, particularly in terms of their role and autonomy. This episode demonstrated that the same interests and characters that expanded the colonial frontier over the past five centuries have not relented. Nevertheless, people that were once fooled by legal maneuvers use the same tools that created this society, even in the Brazilian Supreme Court, which is dressed up to satisfy Western egalitarian expectations, but which has not lost its  ethnic character. Social networking and bilingual education in the communities have strengthened indigenous societies and are making possible the organization of international legal instruments and movements that are claiming greater autonomy.

Click here to access the original article - in English - published by the Center on Democracy, Development, and The Rule of Law at Stanford University, California. Or access it here directly at this university site.
Click here to access the material that was presented at the conference "Human Rights of Indigenous People in Latin America" held on May 8, 2012 at Stanford University.


INTRODUÇÃO

O presente texto considera como política indigenista toda ação exercida sobre os povos indígenas (ou originários), promovida por instituições externas a eles. No Brasil, inicialmente era efetuada pela Igreja Católica Romana e pela Coroa Portuguesa. Com a deslaicização do Estado, e independência do país, o Governo Brasileiro passou a ser o principal agente desse tipo de política. Mais recentemente, no último século, outras igrejas juntamente com organizações não-governamentais também passaram a promovê-la.
            Essas ações indigenistas tiveram distintas conotações ideológicas. Desde ações extremamente autoritárias e intolerantes, que promoviam a escravidão ou o genocídio (limpeza étnica), ideologias escravagista e genocidista, respectivamente. Como até mesmo ações pacifistas que promoviam a preservação total da etnia com seus costumes, tradições e instituições, a ideologia protecionista.
            No meio termo, a ideologia que mais se tornou evidente na política indigenista brasileira foi a integracionista, que pretendia a assimilação da cultura imperante pelos povos dominados. No decorrer de sua consolidação, este tipo de ação foi uma astuta forma que se travestia de pacífica, sob a batina do clero, mas com autoritárias técnicas de persuasão, que buscou a eliminação da diversidade étnica no território com vistas a consolidação de uma etnia nacional.
            O léxico traz como sentido do termo integracionismo a “atitude que se define pela defesa da integração de uma determinada comunidade minoritária numa outra de maior dimensão”, onde integração configura-se como “processo pelo qual uma pessoa ou um grupo se adapta a uma sociedade ou a uma cultura; assimilação; adaptação” (PORTO, 2011).
            Vilas Boas Filho (2003) afirma que a ideologia integracionista “tem por núcleo a idéia de que o índio estaria num estágio evolutivo inferior ao dos civilizados (…)”, e sua presença na legislação indigenista brasileira vêm no sentido de que estes indivíduos atinjam o mesmo grau de desenvolvimento, participando, enfim, da comunhão nacional.
            Dessa maneira, a integração é uma forma de política pública assimilacionista, que elimina a pluralidade étnica em favor de uma grande etnia nacional. Este processo é chamado pelo antropólogo Darcy Ribeiro de “transfiguração étnica”, e atinge todos os povos originários da América no decorrer do processo de colonização europeia (RIBEIRO, 1996).


I. As ideologias da política indigenista no Brasil

            O integracionismo na política indigenista brasileira está presente de fato desde as primeiras ações missionárias dos jesuítas no século XVI. Mas de direito, a partir do momento em que os europeus decidiram se apossar do território americano, no final do século XV, com as bulas papais que ‘autorizavam’ os reis de Portugal e Espanha a pilhar, esbulhar, submeter, escravizar, converter, dentre outras ações violentas, todas as terras e povos nelas encontrados.
            A visão européia de soberba perante outros povos é resquício do pensamento imperialista dos antigos romanos. A Igreja Católica, que se consolidou nos anos pós-queda do Império Romano, deu sustentação ao eurocentrismo, declarava-se como a verdadeira porta-voz de Deus, condenando outras manifestações religiosas como profanas, satânicas, heréticas ou pagãs. Assim, condenava à pena de morte pessoas adeptas de religiões politeístas, consideradas bruxaria ou magia negra, ou que contrariassem idéias da igreja, os hereges.
            Houve, inclusive, momentos em que autorizou as cruzadas, verdadeiras guerras santas contra povos adeptos de outras crenças monoteístas do Oriente Médio, como a judaica e a islâmica. Este poder supremo centrado na figura do papa – líder máximo da Igreja Católica Romana – culminou em tal ponto que eles chegaram a considerar suas decisões como manifestação divina. E, apoiados nisso, deliberaram sobre o destino de existência de muitos povos. Um exemplo dessa soberania sobre os povos está no Tratado de Tordesilhas, a primeira política européia incidente sobre os povos ameríndios, ou seja, a primeira política indigenista de direito, 'concedida sob as bênçãos de Deus, pelo seu legítimo procurador na Terra', conforme consta na bula Inter Coetera, de 04/05/1493, do Papa Alexandre VI:
“[...] por nossa mera liberalidade, e de ciência certa, e em razão da plenitude do poder Apostólico, todas ilhas e terras firmes achadas e por achar, descobertas ou por descobrir. [...] À Vós e a vossos herdeiros e sucessores [reis de Portugal e Espanha] pela autoridade do Deus onipotente a nós concedida em S. Pedro, assim como do vicariado de Jesus Cristo, a qual exercemos na Terra, para sempre, no teor das presentes, vô-las doamos, concedemos e entregamos com todos os seus domínios, cidades, fortalezas, lugares, vilas, direitos, jurisdições e todas as pertenças. E a vós e aos sobreditos herdeiros e sucessores, vos fazemos, constituímos e deputamos por senhores das mesmas, com pleno, livre e onímodo poder, autoridade e jurisdição [...] sujeitar a vós, por favor da Divina Clemência, as terras e ilhas sobreditas, e os moradores e habitantes delas, e reduzi-los a Fé Católica [...]” (RIBEIRO, 2006: 40).

            Assim, os portugueses detinham autorização divina para serem soberanos em metade do Planeta, o que incluía parte do atual território brasileiro.
Durante os primeiros anos do século XVI (período pré-colonial), quando o país era chamado pelos portugueses de Terra de Santa Cruz, a relação com os nativos era pacífica, e nos primeiros mapas constavam os locais ocupados pelos indígenas, identificando seus territórios (ou terras). Mesmo sendo “soberano” sobre o território, o principal interesse português até então era garantir o monopólio do comércio de especiarias das Índias Orientais e algumas espécies americanas, como o pau-brasil. Para isso estabeleceu relações de escambo com os povos do litoral. Entregavam utensílios de metal (facões, tesouras, enxadas, machados, espelhos etc.) em troca de pau-brasil e outras espécies nativas.
Barreto Filho (2011) aponta que os primeiros povoadores não-índios do Brasil eram aventureiros, náufragos ou desertores, e buscaram se “indianizar” para sobreviver, relacionando-se com os povos nativos através do cunhadismo. Alguns se tornaram célebres e importantes na relação com Portugal, como João Ramalho (em São Paulo) e Diogo Álvares, o Caramuru, em Salvador. Não havia até então uma política indigenista integracionista de fato pelos portugueses.
            Porém a partir do início oficial da colonização, com a criação da vila de São Vicente em 1532, e a implantação do governo-geral em 1549 na cidade de Salvador, definitivamente passa-se a incidir sobre o território do já denominado Brasil¹ as leis e instituições lusitanas, e conseqüentemente o sistema escravagista, tão antigo na Europa.
Neste período, os indígenas do litoral receberam os primeiros impactos do contato com o europeu.  A política lusitana seguia o pensamento da Igreja Católica da época, que permitiu a escravização de africanos e ameríndios. Diversos indígenas foram escravizados já no século XVI. A política lusitana sobre os índios passa a dividir-se entre escravagista e genocidista, defendida pelos colonos, e a integracionista, promovida pela Igreja.
            A Igreja, principalmente através da Companhia de Jesus, instituiu reduções, missões ou aldeamentos, locais onde diversas mulheres e crianças indígenas eram convertidas ao catolicismo, reeducados na cultura cristã, e recebiam qualificações de ofícios da sociedade ocidental. Tornavam-se artistas, artesões, agricultores, sapateiros, carpinteiros, escultores, músicos, pedreiros etc. E mais do que isso, aprendiam a língua portuguesa e o latim, era o princípio de uma política integracionista no país, iniciada a partir de 1549, com o padre jesuíta Manuel da Nóbrega e seus discípulos, como José de Anchieta.
            Este trabalho de catequização fazia parte do plano da Igreja Católica e dos reis Ibéricos de dominar o vasto território americano sem para isso ter que enfrentar guerras violentas, por isso o foco nas crianças e mulheres. Deixando de lado os anciões e lideranças dos povos.
            Ao mesmo tempo em que a igreja “amansava” os índios, os colonos acostumados com a economia escravagista, mas sem condições financeiras para praticá-la, organizavam incursões ao sertão americano, para o aprisionamento de indígenas que fugiam do litoral ou que ainda não tinham provado do contato europeu. Os índios eram caçados e escravizados, seja em regiões onde não havia instituições européias, seja dentro das missões católicas.
A coroa portuguesa se posicionava vez ao lado dos colonos, outras ao lado das missões, e poucas vezes ao lado dos índios não cativados, e baixou diversas legislações para regular os relacionamentos entre colonos, eclesiásticos e indígenas.
Durante o século XVII legislações passam a oficializar o integracionismo como política indigenista. Em 1609, 1611 e 1680, legislações reconhecem a posse dos indígenas sobre algumas terras e a abolição de sua escravatura, com a condição de mantê-los sob a égide dos aldeamentos católicos (VILAS BOAS FILHO, 2003).
A política indigenista da Coroa toma partido em favor dos aldeamentos católicos e reprime de forma oficial as incursões escravagistas. No entanto, as lamentações dos colonos mais pobres que não tinham condições de adquirir escravo negro, procuravam justificar o cativeiro indígena.
            Alguns jesuítas chegaram inclusive a se posicionar junto aos índios muito além da integração, defendiam outro tipo de ação indigenista, algo muito mais próximo de uma autonomia dos povos, numa ideologia protecionista. Isso deu cabo em um conflito entre jesuítas e colonos.
            Este episódio teve como figura central o primeiro-ministro do rei, o Marques de Pombal, que instituiu grandes mudanças na política colonial portuguesa. Toda ação missionária dos jesuítas passou para o controle direto do Estado português, por meio da lei intitulada Diretório dos Índios (1755). Esta é a mais completa e firme legislação colonial que rememora a abolição da escravatura indígena, concede e reafirma direitos aos indígenas, como a posse à terra, e cria a figura do tutor, exercida pelo Diretor do Aldeamento.  Poucos anos depois, em 1759, a Coroa decreta a expulsão dos jesuítas de seus territórios e o confisco de todos os bens da Companhia de Jesus (PREZIA & HOORNAERT, 2000).
            O Diretório dos Índios foi um avanço à política indigenista no Brasil, tendo em vista que antes dele não havia um mecanismo institucional do Estado com firmeza que se dedicasse a questão indígena, era um assunto administrado exclusivamente pela Igreja, ou resolvido pelos senhores locais.
            A institucionalização trouxe maior garantia de sobrevivência aos indígenas, no entanto, era uma política de integração, onde gradativamente os indígenas perderiam suas raízes culturais e passariam a constituir a sociedade nacional como agricultores. Ou seja, o Estado assumiu o papel que a Igreja vinha desenvolvendo. Mesmo assim, muitas igrejas continuaram com suas atividades missionárias, e assumiram muitos aldeamentos promovidos pelo Diretório (RIBEIRO, 1996).
            O período imperial, primeiro momento do Brasil independente da Coroa portuguesa, foi caracterizado pela continuidade da política dos aldeamentos estatais, no entanto, cada vez mais enfraquecida. Chaim (1974) apresenta que o século XIX foi marcado pelo sucateamento dos aldeamentos, com o envio cada vez menor de recursos para a sua manutenção. Muitos indígenas abandonaram esses núcleos, os poucos que ficavam constituíam pequenos povoados de caboclos, ou seja, perderam o reconhecimento de sua identidade indígena. Enfim, o projeto integracionista do período colonial concluía o seu propósito: eliminou culturas indígenas sem a necessidade de guerras violentas.
            Vilas Boas Filho (2003) aponta que não houve citação de qualquer política indigenista nas primeiras Cartas Magnas do Brasil, seja na de 1824 (do Império), seja na de 1891 (da República Velha). O século XIX também é marcado por movimentos nativistas e românticos que buscam a construção da identidade nacional ao jovem país independente, alguns se remetem aos bandeirantes, outros buscam no elemento indígena o laço com a terra pátria.
            Será a partir desta discussão nacionalista, da busca do elemento formador da identidade brasileira que se consolidarão idéias de proteção aos índios, dentre os mais célebres debates estão o confronto entre Domingos José Gonçalves de Magalhães e Francisco Adolpho de Varnhagen, em pleno auge do Segundo Império; e o travado entre Candido Mariano da Silva Rondon e Hermann Friedrich Albrecht von Ihering, na República Velha. Este último que culminará na criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), inicialmente também com a função de localizar os trabalhadores nacionais.
            A ideologia protecionista passa a estar presente pela primeira vez na legislação brasileira, no entanto, é fundamentada em ideias etnocêntricas de que o indígena encontra-se em um processo de evolução anterior ao da civilização e, portanto necessitaria de tempo para que pudesse amadurecer e se integrar a comunhão nacional. Ou seja, é um protecionismo reservado, com propósitos de integração futura, mas não repentina.
            Diacon (2006) afirma que Rondon agia com base em sua ideologia positivista, e acreditava que “os índios não são racionalmente inferiores, mas estão vivendo em um estado diferente da evolução social”. O mesmo autor defende que o referido militar confiava que a combinação de raças, formaria homens mais aptos para pensar o amor, base do positivismo.
            Rondon, assim como os jesuítas do período colonial, tinha confiança de que por meio da educação poderia tornar os indígenas integrantes da sociedade nacional. Seu pensamento influenciou a formação dos primeiros indigenistas profissionais do Brasil, integrantes do quadro do SPI. Também dos primeiros antropólogos, como Darcy Ribeiro. Tinha como política o respeito à organização interna das sociedades indígenas, não interferir ou forçar um contato, a introdução de qualquer elemento estranho à comunidade era precedida de consulta aos líderes.
            Diacon (2006) afirma que Rondon “sentia o peso do erro histórico e compreendia que era hora da remissão dos nossos pecados velhos, reconhecendo as culpas que passam sobre a pátria”.
            Jaborandy (2011), por sua vez, coloca que Rondon descendia de Bororo e Terena por parte do pai, e Guaná por parte da mãe, portanto sua ligação sanguínea próxima aos indígenas provavelmente influenciou o seu pensamento, e trouxe uma revolução no universo militar.
            O SPI, órgão criado e gerido por Rondon, além de assumir a tutela indígena iniciada pelo Diretório dos Índios, instituiu uma nova figura jurídica, a demarcação de terra indígena, que mesmo não considerando o real espaço necessário à sobrevivência da etnia, garantia áreas reservadas aos indígenas e livres da ação do mercado fundiário, ou da reivindicação de propriedade por parte de posseiros. Assim, tinham como função proteger os indígenas da sociedade envolvente, ao mesmo tempo, protegia os colonos dos ataques indígenas (RIBEIRO, 1996).
            Apesar de alguns povos indígenas terem reconhecidas suas terras desde os tempos coloniais, muitos perderam por falta de conhecimento jurídico, pois eram forçados a assinarem documentações que passavam o domínio de suas posses, sem terem noção do que estavam fazendo na realidade, por desconhecerem o sistema jurídico nacional ou até mesmo a própria língua portuguesa. Por isso, a figura da tutelagem, reforçada no Código Civil de 1916 e presente no Estatuto de Índio de 1971, tem como uma das funções, evitar que os indígenas sejam ludibriados por esbulhadores.
            Curi (2011), no entanto, alerta que, ao longo dos anos, a tutela indígena foi exercida mais em favor do seu tutor do que do tutelado. Com isso, muitas etnias foram extintas, ou impactadas por grandes empreendimentos, vítimas de epidemias mortais, ou transferidas forçosamente. A autora destaca que “por outro lado, é importante considerar um ponto positivo desse instrumento: a possibilidade de anulação de um ato jurídico realizado de modo prejudicial à comunidade indígena”.
            A demarcação de terras indígenas, apesar de garantir uma porção fundiária aos indígenas, possibilitou que as áreas não demarcadas fossem utilizadas para a colonização agrícola, promovidas pelo próprio Estado. Assim, os recursos naturais necessários a sobrevivência daquela cultura indígena, foram depredados e, conseqüentemente muitas culturas indígenas, forçando-os a se integrarem à sociedade envolvente, praticando uma agricultura alienígena, e tendo que se enquadrar a uma economia desconhecida, empobrecendo-os, pois não tinham condições de competir com os colonos dentro de seu próprio universo. Dessa forma, o projeto de integração do índio, de enquadrá-lo como trabalhador nacional, atingia novamente o seu êxito. 
            Orlando Vilas Boas Filho resume a evolução legal do direito indígena brasileiro da seguinte forma:
a problemática que envolve as terras das comunidades indígenas já estava expressa na legislação colonial portuguesa desde o início do século XVII, nas Cartas Régias de 30//07/1609 e 10/09/1611 e, sobretudo, no Alvará de 01/04/1680, que confirmado pela lei pombalina de 06/07/1755, criava [...] o instituto do indigenato, consistente no reconhecimento dos diretos originários das comunidades indígenas sobre suas terras. Malgrado o silêncio das Constituições de 1824 e 1891 […], bem como da Lei de Terras (Lei n.º 601/1850), o fato é que o instituto do indigenato perpassou os séculos, tendo sido constitucionalmente recepcionado pela Constituição Fedral de 1934, a qual, em seu art. 129, pela primeira vez reconheceu a obrigatoriedade de respeito à 'posse da terra por indígenas que nelas se achem permanentemente localizados [fazendo parte, finalmente, da Carta Magna brasileira a partir de então] (VILAS BOAS FILHO, 2003).


II. Reconhecimento Permanente dos Direitos Indígenas

            O reconhecimento dos direitos dos indígenas no Brasil é algo ainda não consolidado. O Estado brasileiro, fruto de uma política européia de expansão econômica e territorial, ainda traz consigo um modelo de sociedade espelhado nas raízes daquele continente. A política de reparação etno-racial é reprimida pelo poder dos proprietários, detentores dos meios de produção, e da terra. Os indígenas, assim como os africanos, foram vítimas da expansão mercantilista vivida pela Europa do período pós-medieval.
            Yamada & Villares (2010) afirmam que a história de nosso país apresenta episódios de reconhecimento de direitos dos indígenas desde a chegada dos primeiros colonizadores europeus, no entanto, na maior parte das vezes, teve como intuito facilitar a apropriação de terras e recursos por estes. Por isso, Vilas Boas Filho (2003) coloca que o direito indígena no Brasil contemporâneo compreende “além da dimensão propriamente jurídica, aspectos históricos, antropológicos e sociais”.
            Curi (2011) destaca que atualmente as legislações incidentes sobre indígenas consistem basicamente na Constituição Federal de 1988, no Estatuto do Índio (Lei 6.001/79) e no Decreto 5.051/04, que reconhece a resolução 169/89 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
            A referida autora revela que uma das inovações na resolução 169 da OIT é o fato de considerar o direito consuetudinário, ou costumeiro, dos povos indígenas. No entanto, o subordina aos direitos fundamentais dos Estados e aos direitos humanos internacionais. Assim, “os direitos individuais relacionados à liberdade e à igualdade […] não têm extensão suficiente para proteger os direitos e interesses coletivos”.
            Ramos (1990) corrobora com esta visão, pois defende que a Declaração Universal  dos Direitos da Humanidade,  adotada e proclamada pela Organização das Nações Unidas em 1948 é, no fundo, “um ato de etnocentrismo”, pois apesar de ter surgido “como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações” reconhece o homem enquanto “indivíduo e não enquanto membro de um grupo”. Assim, quando este instrumento jurídico internacional define que “todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”, a autora afirma que “seria julgar outrem por valores ocidentais”.
            Evidente que trata-se de um posicionamento polêmico, mas se faz necessário tendo em vista que muitas sociedades, indígenas ou não, possuem práticas que ferem este princípio de igualdade individual como forma de preservação da existência da própria coletividade enquanto grupo étnico diferenciado. Por exemplo, através do infanticídio, antropofagia, mutilações genitais, penas de morte... entre seus próprios membros étnicos.
            O Estatuto do Índio (Lei 6.001/73), outra importante legislação indigenista, em seu art. 4.º, define os indígenas em três categorias: isolados; em vias de integração; e integrados. Curi (2011) destaca que, conforme esta legislação, “o caminho natural percorrido pelas comunidades indígenas seria sair do isolamento rumo à integração (…) uma vez integrados, os indígenas se tornariam 'brancos', perdendo seus direitos preconizados por legislação especial”, quando finalmente os Códigos Civil e Penal recairiam sobre estes indivíduos.
            Curi (op. cit.) afirma que a introdução do Capítulo VIII, disposto no Título VIII, (arts.  231 e 232) “foi uma das inovações da Constituição de 1988, que passou a garantir aos índios o direito de perpetuarem sua cultura, não mais querendo integrá-los à comunhão nacional”. Portanto, a atual Constituição Federal rompe com a visão integracionista, tornando ultrapassada a classificação dos indígenas em três categorias constantes no Estatuto do Índio, perdendo sua validade.
            Mesmo nesse Estatuto já transparece uma contradição entre as ideologias protecionista e integracionista, logo nos dois primeiros artigos :
Art. 1º. Esta Lei regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional. [...]
Art. 2.º Cumpre à União, aos Estados e aos Municípios, […] para a proteção das comunidades indígenas e a preservação dos seus direitos: […]
IV - assegurar aos índios a possibilidade de livre escolha dos seus meios de vida e subsistência;
V - garantir aos índios a permanência voluntária no seu habitat, proporcionando-lhes ali recursos para seu desenvolvimento e progresso;
VI - respeitar, no processo de integração do índio à comunhão nacional, a coesão das comunidades indígenas, os seus valores culturais, tradições, usos e costumes; […]
VIII - utilizar a cooperação, o espírito de iniciativa e as qualidades pessoais do índio, tendo em vista a melhoria de suas condições de vida e a sua integração no processo de desenvolvimento.
(Lei 6.001/07 – Estatuto do Índio – trecho dos Arts 1.º e 2.º – grifo nosso).

            Assim, transparece claramente que a política indigenista presente neste Estatuto tem o sentido da integração do índio ao processo de desenvolvimento e à comunhão nacional, respeitando seus valores e costumes. Uma contradição, pois possibilita a sua liberdade de escolha dos seus meios de vida e garantia de permanência em seu habitat, numa ideologia protecionista.
            Vilas Boas Filho (2003) alerta que embora o Estatuto “faça ressalva de que a 'integração' não implica perda dos usos, costumes e tradições culturais” a mesma legislação “abriu brecha para que se questionasse a própria identidade étnica” permitindo, inclusive, que seus direitos sobre os territórios fossem questionados.
            No entanto, o próprio Estatuto do Índio possibilita outras brechas para que as comunidades decidam se pretendem integrar-se ou não à sociedade envolvente. Opção que ficará mais assegurada com a promulgação da Constituição de 1988.
            Evidente que essa ideologia integracionista presente no Estatuto, e ausente na Constituição, demonstra que houve avanços na legislação, mas que somente será consolidada do ponto de vista jurídico quando for publicado o novo Estatuto dos Povos Indígenas. Lembrando que como destaca Curi (2011), o estatuto em vigor enfoca mais o indivíduo em detrimento da coletividade, fato que poderá ser resolvido com a publicação do novo Estatuto, que está em processo de discussão no Congresso Nacional desde 1991.
            Apesar do avanço legal, a cultura etnocêntrica presente em grande parte das elites nacionais e na própria sociedade é outro desafio a ser enfrentado pelos povos indígenas. Pois é comum ouvir-se os termos silvícolas, atrasados, bugres, primitivos, selvagens, como adjetivos pejorativos ao índio. Bem como jargões como: 'eles ainda vivem como índios!' Demonstrando que o imaginário do brasileiro ainda é de superioridade em relação aos povos originários.
            Além disso, conforme sinaliza Vilas Boas Filho (2003), “a Constituição de 1988 não pode ser concebida como uma panaceia no que se refere aos direitos dos índios […] pois ela também se insere no contexto de nossa modernização periférica, na qual o direito ainda não adquiriu uma autonomia sistêmico-funcional suficiente para implementar-se sem interferências diretas dos sistemas econômico e político”, e porque não acrescentar a própria mentalidade do povo brasileiro?

III. Demarcação da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol

            O caso da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol é emblemático no que tange a exibição do quadro atual da política brasileira indigenista e a mentalidade de nossa sociedade. Devido ao fato de se sobreporem diversos estatutos legais e interesses sobre as áreas em questão, pois além de ser o território originário dos povos Macuxi, Patamona, Tauperang, Wapixana e Ingaricó, a terra:
  • Está em região de fronteira;
  • Sobrepõem-se a uma unidade de conservação da natureza;
  • Possuía áreas cultivadas por plantações de arroz;
  • Abrange rodovia internacional que liga Manaus a Caracas na Venezuela;
  • É local estratégico para negócios da elite política roraimense.
            Segundo Curi (2011) a consolidação jurídica da situação se arrolou por mais de 30 anos, foi iniciada em 1977 e concluída em 2009, após julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), pois conforme elencado acima, a disputa abrangia interesses de diversos setores de nossa sociedade, todos com seus direitos garantidos pela Constituição e legislações em vigor.
            Yamada & Villares (2010) defendem que a conclusão deste processo expôs o STF como legislador positivo, devido as “chamadas salvaguardas institucionais, formuladas nas 19 ressalvas à ação do poder executivo e aos direitos dos povos indígenas. […] Algumas ameaçam retroceder o reconhecimento de direitos de minorias étnicas no país, na contramão de compromissos internacionais de direitos humanos assumidos, especialmente quanto à interpretação do direito originário dos índios sobre suas terras tradicionais”.
            As 19 ressalvas, segundo os citados autores, “pretensamente procuravam conciliar os interesses indígenas, a defesa nacional e a preservação do meio ambiente”. Mas se por um lado elas ameaçam os avanços jurídicos da questão indígena nacional, ela também reforça a legalidade de muitos pontos que eram frágeis até então.
            Yamada & Villares (op. cit.) afirmam que o caso “revelou também que os governos locais veem e promovem os indígenas como estrangeiros em seus próprios territórios”. Pois o processo apenas se deparou com a corte suprema devido a uma Ação Civil Pública, proferida pelo estado de Roraima em que contestava a legalidade do processo administrativo que homologou a demarcação contínua da terra indígena. Curi (2011) afirma que esta ação foi respaldada pelo poderio econômico dos rizicultores.
            Por isso que o grande mérito do reconhecimento da legalidade desse processo administrativo, além de respeitar a tradição jurídica do reconhecimento dos territórios indígenas e da não aceitação do esbulho como forma de aquisição de propriedade, demonstrou que não houve ofensa à soberania nacional na demarcação contínua de terras indígenas em faixa de fronteira, ou ameaça ao princípio federativo e ao desenvolvimento da nação. Bem como reconheceu a proteção dos povos e culturas distintas que compõem a nação brasileira (YAMADA & VILLARES, 2010).
            No entanto, os citados autores alertam que algumas incertezas também podem surgir em processos futuros de mesma natureza, pois a fixação da data de promulgação da Constituição de 1988 como marco fundamental pela corte suprema pode prejudicar analises de situações como aquelas em que comunidades indígenas foram removidas por convencimento das autoridades governamentais ou que fugiram da simples aproximação do não-índio ou de outros grupos indígenas.
            Além disso, as condicionantes 5, 6, 7 e 11 supõem que as comunidades indígenas não poderiam manter a autonomia de suas organizações sociais e decidir sobre a entrada, o trânsito e a permanência de pessoas não indígenas em suas terras. As de número 7, 12 e 13, se não interpretadas de maneira adequada, podem transferir de forma gratuita áreas para a implantação de infraestrutura alheias às necessidades dos índios. Por fim, as condicionantes 8, 9 e 10, ignoram a comprovada e eficiente preservação ambiental em terras indígenas. (YAMADA & VILLARES, ibdem).
            No entanto, ainda é cedo para se perguntar quais as implicações reais dessas condicionantes. 

[Além disso, está em discussão no Congresso Nacional, até o presente ano de 2013, a PEC 215, que transfere do Executivo para o Legislativo o poder de "aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a ratificação das demarcações já homologadas" (ementa da PEC 215). Esta alteração na Constituição Federal trará um retrocesso sem limite ao direito indígena, já que o Poder Legislativo não possui caráter técnico, mas sim político, e é dominado pela bancada ruralista, os latifundiários que a cinco séculos usurpam o território indígena.]²



CONCLUSÃO

Como vimos, a prática da política indigenista no Brasil é um processo onde a principal vítima sempre foi os próprios povos indígenas. Neste processo, a ideologia integracionista representa o farol que ilumina o caminho e as mentes que agem em benefício da formação de um Estado-nação nos moldes do pensamento europeu, cujas bases estão nas legislações incidentes sobre os indígenas, construída para viabilizar o plano da integração, de constituir uma etnia-nacional.
            No entanto, não conseguiu completar este propósito. E hoje, conforme defende Fernandez (1997) devido ao momento atual da pós-modernidade, com as redes sociais globais, e a educação bilíngüe nas comunidades, estão sendo fortalecidas as sociedades indígenas na América, e no mundo. Surgindo lideranças conectadas com organismos internacionais e dispostas a utilizarem estes instrumentos como forma de auto-afirmação.
Esse momento global está possibilitando a comunicação e organização de movimentos e instrumentos legais internacionais que reivindicam maior autonomia aos povos, em contraposição ao neo-liberalismo que tudo privatiza e torna mercadoria.
Os conflitos continuam, o episódio de julgamento da validade do processo de homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol demonstrou que os mesmos interesses e personagens que expandem a fronteira colonial há cinco séculos não frearam seu propósito. Mas por outro lado, os povos que antes eram ludibriados por fúteis presentes, hoje se utilizam das mesmas ferramentas que esta sociedade criou. Inclusive no púlpito da Corte Suprema brasileira, travestidos da forma que a etiqueta ocidental exige, mas sem perder sua índole étnica, como foi com Joênia Wapixana, advogada de defesa do caso da terra indígena, representando seu povo e parentes.
Apesar dos avanços, apenas quando nossa sociedade finalmente respeitar às diferenças étnicas, com uma política indigenista exercida para os índios e com plena participação dos povos, inclusive com eles ocupando cargos de decisão, o Brasil por fim será um grande país que se orgulhará de sua diversidade biológica e cultural.

BIBLIOGRAFIA

BARRETO FILHO, Henyo Trindade. [aula] maio 2011, Brasília. (Curso de mestrado profissional em desenvolvimento sustentável, Programa de Pós-Graduação do Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília). Disciplina Território e Diversidade Indígena.
CHAIM, Marivone Matos. Os Aldeamentos Indígenas na Capitania de Goiás: sua importância na Política de Povoamento (1749-1811). Goiânia: Oriente, 1974.
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¹ No período de 1621 a 1775 o norte do país possuía uma administração independente do Governo-Geral do Brasil, subordinada diretamente à Coroa Portuguesa, o Estado do Maranhão, que incluía a Amazônia.

² Trecho adicionado pelo editor do blog, não consta no artigo original.