O presente artigo procura analisar a etnogeografia presente na cartografia histórica de Goiás elaborada nos séculos XVIII, XIX e princípio do XX.
Inicio apresentando, de forma resumida, o papel da cartografia histórica para os estudos antropogeográficos. Em seguida, sigo para a análise de cartas catalogadas no presente GUIA e que apresentam alguma informação que concluí como relevante para o entendimento da localização dos povos ameríndios no momento da invasão, colonização e exploração do território pelos Luso-Brasileiros. As últimas das cartas que analiso não são históricas, mas elaboradas por mim, com base em documentos cartográficos e etnográficos.
Por fim, nas conclusões, teço uma comparação entre as informações contidas em cartas históricas e nos mapas etnográficos e o que considero de relevante na cartografia histórica para o entendimento da localização de povos indígenas em Goiás, deixando sugestões para novas pesquisas.
CONCLUSÃO
Com base nos mapas históricos analisados no presente artigo observa-se a recorrente referência a notáveis tribos na Capitania de Goiás no decorrer do século XVIII, são elas a Xavante (a noroeste), a Akroá (a noroeste), a Cayapó (a sudoeste) e Curumaré (na Ilha do Bananal). Além delas, que aparecem em praticamente todas as cartas que trazem registro de localização étnica na região nesse período histórico, há outros povos que são mencionados em pelo menos uma carta setecentista, como os Canoeiros (ou Avá Canoeiro), os Javaé, os Karajá e os Chicriabá (Xakriabá). E por fim, observando o "Mapa Etnolinguístico do Planalto Central e adjacências", outras fontes ainda fazem menção aos Krixá, Xerente, Anicun, Goyá, Ushicrin, Naudez e Assú.
No século XIX, outras etnias começam a constar nos mapas. Ao norte de Goiás, constam os Apinajé,
Neraquagé, Puxiti, Piecobigê, Ponecategé, Prurecamecran, Canacategê, Crurecamecran, Piocamecran, Aigé, Crangé, Botica, Carahós e Temembos ou Pepuxis. Esse “surgimento” em Goiás pode ter ocorrido devido às “correrias” que os povos Timbira realizaram para oeste ao ver seu território nativo no sul do Piauí invadido por currais baianos, no século XVIII.
Ao longo do Araguaia, ou a oeste dele, também passam a ser registrados os Xambibuá, Itapirapé, Cururu, Mongari, Gradaú, Grapindayé, Guapingayé, Carajaú e Carajavis. Isso deve ter ocorrido devido ao maior conhecimento que os Luso-Brasileiros foram adquirindonessas regiões a partir do último quartel do século XVIII, após se concretizar as comunicações fluviais com Belém do Grão-Pará devido às expedições de Tomás de Souza. Pois no período áureo da mineração (segundo quartel do séc. XVIII) não se tinha muito interesse em atingir a região do baixo Araguaia, devido a inexistência de garimpos e abundância de "tribos hostis". Os aldeamentos (reduções ou presídios) registrados em mapas históricos são mais recorrentes nos mapas setecentistas. Dentre eles destacam-se aqueles construídos por bandeiras na primeira metade do século XVIII para Boróros e Parecís na estrada que ligava com a Vila de São Paulo, próximo aos rios Das Pedras e Pissarrão, e o formado por padres jesuítas denominado Sant'Anna, na mesma região do atual Triângulo Mineiro. Também há referência aos aldeamentos de Duro e Formiga próximo à Serra Geral, erigido para Akroás e Xakriabás; o Maria I, São José de Mossâmedes e Carretão de Pedro III para Cayapós, Xavantes e outros na região da capital Vila Boa de Goyáz; e o Nova Beira e Santa Maria, dentre outros ao longo do Araguaia, construídos para aprisionar Karajás e Javaés, mas que recebeu outros povos, e foram destruídos por uma confederação que envolveu Karajás e Jês.
Os mapas do século XIX em diante irão, cada vez mais, ilustrar estes aldeamentos como simples localidades, apagando a história indígena presente nesses presídios que serviram para povoar áreas com uma população ruralizada a partir da conversão de índios em agricultores, bem como combater índios “indolentes” que “impediam” o avanço da frente de expansão colonial. Mas que, na verdade, buscavam proteger seu território ancestral que ano a ano era invadido e usurpado pelos Luso-Brasileiros.
Nos mapas do período inicial da República, o preconceito dos servidores do Estado em face dos poucos índios que resistiram vivendo em território emancipado do domínio brasileiro se manifestava
nas cartas oficiais. O uso de termos como "região infestada pelos índios” se torna regra geral em todos os mapas analisados para o início desse período.
Por fim, o "Mapa Etnolinguístico do Planalto Central e adjacências”, elaborado recentemente em minha pesquisa de mestrado, encerra este artigo localizando etnias que não constam nos mapas históricos, mas que aparecem em outras fontes como relatos de viajantes, etnografias e, principalmente, nos históricos do IBGE (2012), ineditamente mapeados.
Assim, ficou revelado em cartografia que os povos Krixá e Xakriabá viveram no Distrito Federal, e os Xerente nas adjacências. Além disso, as etnias Anicun, Goyá e Ushicrin, à oeste da atual capital federal; Naudez e Assú, próximo a Serra Geral; e Kenpokatajê, Macamecran e Krikati, no norte da antiga Província de Goiás, adicionam informações etnonímicas e de etnolocalização além das encontradas nos mapas históricos apresentados neste GUIA.
Apesar de não ter sido explorado neste artigo, uma pesquisa toponímica poderá indicar a morada de outras etnias. Por exemplo, a Serra do Caiapó recebeu este nome devido à presença de índios homônimos. O rio Crixás, Chavante, Caiapó e Tapirapé também indicam que nesses locais existem ou existiram as respectivas tribos. Até mesmo o nome de localidades como Anicuns, Crixás e Caiapônia, rememora a presença indígena na região.
Com este artigo, podemos ver que a diversidade étnica de nosso país era muito maior do que vemos hoje, e que os mapas históricos podem nos ajudar a desvendar quem eram e onde estavam os povos originários de nosso país, desde que o pesquisador tenha um olhar crítico sobre a obra, pois por se tratar de mapas, produtos do intelecto humano, estão arraigados de ideologia. E, portanto, ao invés de esclarecer, podem suscitar outras dúvidas.
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Publicado em SILVA, Elias Manoel da; VIEIRA JR., Wilson (org.) GOYAZ - Guia de Cartografia Histórica. Brasília: Arquivo Público do Distrito Federal, 2018. p. 152-190.
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