Anuência prévia e uso de imagens


A importância de se ter a anuência ou consentimento das pessoas pesquisadas ou registradas antes de se tornar pública ou se utilizar as informações ou imagens coletadas, foi apresentado por Terezinha Dias¹, Henyo Barreto Filho², Monica Nogueira³ e outros professores do curso(4). 
Falaram sobre a Convenção da Diversidade Biológica, um dos resultados do encontro da ONU no Rio de Janeiro em 1992 (Eco’92). Esta convenção foi ratificada por 188 países. O Brasil foi o primeiro país a ratificá-la e assiná-la. Os Estados Unidos ainda não o fizeram.
Uma das disposições desse instrumento multilateral é que o registro de patente não garante ganho financeiro, apenas o registro do conhecimento. Ele é gerido pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (MPI).
No caso de coleta de material genético associado ao conhecimento tradicional, é necessário autorização. No Brasil, a instituição responsável por controlar e autorizar é o CGEN (Conselho de Gestão do Patrimônio Genético) órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente.
Em nosso país não é possível patentear a substância que está na natureza, ma sim o processo para obtê-la. Ou seja, o óleo de carnaúba não pode ser patenteado, mas a tecnologia usada para extraído e processá-lo sim.
Qualquer uso de conhecimento sem potencial de benefício econômico não necessita de autorização, mas é importante o consentimento prévio e informado às fontes fornecedoras das informações.
A captura de imagem ou uso de depoimentos também devem ser submetidas a esse tipo de mecanismo. O consentimento prévio e informado pode ser por meio de um documento escrito, como atas de reuniões ou cartas. Mas também pode ser efetuado por meio de gravação em áudio ou vídeo. A isso inclui o uso do direito autoral e de imagem.

Isto é importante para quem lida com informações colhidas junto a respeitados anciões, que detém o conhecimento tradicional de seu povo, muitas vezes ainda sequer registrado por alguém. Assim, deve-se tratar de uma forma ética os créditos e benefícios da divulgação dessa informação.
Sempre acreditei que o conhecimento é algo universal, que não pode ser vendido ou negado. Acho que tudo que a humanidade criou e produziu, principalmente em relação a idéias e informações, devem ser compartilhados por todos.
No entanto, fui me deparando com esta questão burocrática da autorização. E me questionava: Será mesmo algo necessário? Burocratizar uma relação entre pesquisador e pesquisado não vai distanciar ainda mais os dois interlocutores? Será que os indígenas acham mesmo necessário esse procedimento?
E então, percebi que muito do que estou aprendendo advêm da sabedoria de pessoas, que tem as suas expectativas e certa responsabilidade, sobre o uso adequado daquele dado.
Também notei que nem toda informação pode ser repassada a todos, isto porque para muita coisa é necessário um certo preparo. Por exemplo, Einstein foi um famoso físico que se dedicou ao estudo da energia, principalmente a atômica. Em certo momento de sua vida seu conhecimento foi utilizado para fins militares, e acabou contribuindo para que se construísse a primeira bomba atômica.
Santos Dumont, uma pessoa que vivia além de seu tempo, também dedicou a vida inventando facilidades para a humanidade. No entanto, quando viu o seu maior invento sendo utilizado para destruir pessoas, suicidou-se.
Estes são apenas alguns exemplos de uso do conhecimento para fins malignos, e acho que a responsabilidade do pesquisador deve levar isso em consideração. Qualquer informação pode ser usada para o bem ou para o mal, depende do caráter e responsabilidade dos interlocutores.

Assim, se faz importante e necessário um mínimo de controle de quem a produziu e se tem autorização da origem para fazê-lo.

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¹ Terezinha Dias, agrônoma, mestre em ecologia, atua na EMBRAPA-CENARGEM.
² Henyo Barreto Filho, antropólogo, mestre e doutor em antropologia, professor do CDS-UnB.
³ Monica Celeida Nogueira, antropóloga, mestre em desenvolvimento sustentável e doutora em antropologia, coordenadora pedagógica do curso de Mestrado em Sustentabilidade e Indigenismo da UnB.
(4) Tema de aula na disciplina "Questões Indigenistas na Contemporaneidade", 1º semestre de 2012. Mestrado Profissional em Sustentabilidade junto a povos e terras indígenas, Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS)Universidade de Brasília (UnB).

PRIORIDADES DO MOVIMENTO INDÍGENA


O jovem líder Kaingang, Romancil Kretã¹, diz que os maiores desafios do movimento indígena atualmente  (início de 2012) são:

1. Conhecimento e garantia dos direitos;
2. Gestão ambiental-territorial (GAT) – garantir a sustentabilidade da terra.

Da mesma forma que Sidney Umutina da COIAB defendeu em uma apresentação, Romancil argumentou que o Brasil quer ser a 5.ª potência econômica do mundo à custa da sociobiodiversidade do país.

Ele disse que o crédito carbono dos Munduruku são também uma estratégia de proteção da terra. Pois há interesse do governo em minerar ou implantar hidroelétricas em suas terras, e estes acordos internacionais podem trazer mais empecilhos a estes projetos, protegendo e resguardando a floresta e modo-de-vida dos indígenas.

Quanto a recente polêmica surgida após a APIB se posicionar contra a nomeação da demógrafa Marta Azevedo para a presidência da FUNAI, Kretã disse que a contra-carta assinada por Davi Kopenawa e o cacique Justino Xavante não foi escrita por eles. “Há indigenistas por trás! Que querem confundir e desarticular ainda mais o movimento indígena no Brasil.”

Vitor Peruare (Bakairi), meu colega de curso, defendeu que “se querem fazer hidroelétrica em terra indígena, então que dividam os benefícios enquanto estiver usando-a. Quando deixarem de pagar, que parem de usá-la então.” Eu particularmente achei uma idéia brilhante, pois nunca tinha ouvido falar de divisão dos benefícios do uso do potencial energético de um rio. E é o mesmo princípio do que já se faz com a mineração. Seria uma estratégia interessante, pois colocariam os indígenas como sócios do empreendimento. Uma temática que merece maior aprofundamento pelos estudiosos do assunto.

Voltando ao palestrante, ele disse que 

“as grandes agroindústrias [Cargil, Bunge, Monsanto, etc.] não podem mais plantar em suas terras e vem plantar na nossa! Trazendo doenças... São empresas holandesas, americanas, que não se preocupam com a saúde das pessoas ou do lugar.”

Kretã representa uma geração de líderes que estão aprendendo a lidar com o mundo institucional e burocrático do Estado brasileiro. Assim como a nossa colega de curso Samantha Tsitsinã que é filha do ex-deputado federal Mário Juruna, Romancil é filho de uma importante liderança indígena do sul país: Ângelo Kretã, morto em um acidente de automóvel no Paraná há mais de 30 anos, aparentemente forjado por poderosos daquele Estado (em plena ditadura militar).

Ele diz que o seu despertar para a mobilização política veio muito tarde, não teve a oportunidade de conversar com seu pai, que morreu quando ele ainda era muito jovem. Quando soube da importância que teve seu progenitor para a história indígena recente, decidiu entrar no movimento.

Sua apresentação foi uma aula de comportamento político, refleti a partir de sua história e atuação como se dão as transformações políticas em nosso país. Algo muito lento, repleto de injustiças. Coisa que eu já sabia, mas a reflexão que ele nos possibilitou trouxe mais luz sobre que caminhos podemos tomar, quais ações e em que momento. Todos esses fatores devem ser observados na militância para a transformação da sociedade.

Acredito que no futuro Romancil Kretã esteja liderando um movimento de mobilização nacional mais organizado, compartilhando os benefícios com outras lideranças, e abrindo caminho para a juventude que se prepara, como a jovem Tsitsinã.

A tão sonhada articulação dos indígenas brasileiros, representada na figura da APIB, pode ainda não ser real neste momento, mas tudo é uma questão de tempo. E paciência é uma das maiores virtudes dos indígenas.


Pós-Escrito: No final de 2012 diversas lideranças indígenas anunciaram a intenção de fundar o Partido Indígena Brasileiro no ano de 2013. Torço para que dê certo.

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Tema de aula na disciplina "Questões Indigenistas na Contemporaneidade", 1º semestre de 2012. Mestrado Profissional em Sustentabilidade junto a povos e terras indígenas, Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS)Universidade de Brasília (UnB).
¹ Romancil Kretã, liderança do povo Kaingang, integrante da ARPIN-Sul (Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul) e da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).


Caso Tupinambá de Olivença

A questão que o povo Tupinambá de Olivença (Ilhéus-BA) vêm sofrendo nos últimos anos com a usurpação de suas terras e violência sobre suas lideranças, foi tema de uma apresentação conjunta, onde o cacique Tupinambá Alício Francisco¹, e o professor Carlos Santos², da Universidade Estadual Santa Cruz, de Ilhéus, falaram a respeito.

O professor Carlos iniciou sua exposição apresentando um pensamento de E.P. Thompson sobre leitura inversa: “ver na visão do branco, viajante, o que eles estavam escondendo”. Isto porque a história oficial tradicionalmente sempre foi escrita pelos colonizadores, não há referências que enfoquem os indígenas, suas ações e pensamentos. Assim, é necessário ler nos antigos textos o que eles estavam escondendo. Tentar decifrar isto nos textos.

Ele disse que o reconhecimento étnico dos Tupinambá de Olivença é de 2002. E reclama que 

no dia-a-dia todos eles são pejorativamente taxados de índios pelos não-índios, mas quando entra a questão fundiária, não são mais considerados como tal.

O professor questiona o uso das fontes oficiais, dos documentos elaborados por representantes do Estado colonizador, como os arquivados na Torre do Tombo em Lisboa:

Quem me garante que essa documentação é verdadeira? Que não foi forjada para justificar a colonização? É diferente da fonte oral? Não foi feita por apenas uma das partes? Seria imparcial? (...) Entre a história e a memória eu fico com esta. A memória é a história.

Dessa forma ele defende que a oralidade é tão ou mais válida quanto a documentada, pois é uma outra versão, de uma das partes. Ele nega conceder “valor a uma documentação do período colonial ou posteriores que negam a existência dos Tupinambá em Olivença”, pois acredita que este povo pode até ter sido massacrado, mas nunca exterminado.

Ele diz que “toda a classificação é um exercício de poder, de acordo com seus interesses” citando Michael Foucault. A começar pelo termo aldeia, que é uma palavra portuguesa, usada por eles para classificarem os modos rústicos de vida de sua população camponesa. Logo transplantaram o mesmo termo para o outro lado do oceano, mas a conotação deveria ser outra.

O Cacique Alício, liderança do povo Tupinambá de Olivença, disse que não há porque generalizar os indígenas a partir de estereótipos ou mitos de determinado povo. Ele acredita que 

da mesma forma que tem o índio preguiçoso e o índio trabalhador, tem o negro e o branco preguiçoso e trabalhador.

Ao se tratar da etnia Tupinambá, o professor e historiador Carlos disse que os atuais são uma “farofa” de etnias que sobreviveram a diversos massacres:

Nessa farofa o tempero mais forte foi o Tupinambá. Não que não tenham outros temperos, mas esse se destacou hoje. (...) No futuro, após a terra estar demarcada, virá movimentos internos de auto-identificação.

Nesta mesa tive uma surpresa, o professor Carlos quando chegou à sala e tomou um lugar junto aos alunos, pouco se diferenciava dos outros indígenas estudantes. Aliás, ele afirma ser descendente dos Pankararu de Pernambuco. Mas o conhecimento que esse jovem doutor nos proporcionou, foi magnífico.

Um dos aprendizados que tive reforçado foi o uso da memória, da história oral para contar a versão dos excluídos da história oficial. Este caminho eu já estou utilizando em minha pesquisa, que trata de mostrar os locais por onde se estendiam os territórios dos povos do Planalto Central.

Também me surpreendeu a própria história dos Tupinambá de Olivença, um povo que na verdade são vários, e que se reuniram sob a denominação de uma das etnias formadoras, para garantir a sua identidade indígena. Isto também ocorre com diversos outros grupos ressurgentes, como os Xakriabá, os Pataxó, e de certa forma até entre os Fulni-ô, pois na verdade são refugiados de diversas origens étnicas, que para sobreviver do genocídio luso-brasileiro buscaram uma aliança inter-étnica ou até mesmo a miscigenação entre tribos.

Esta mesa também veio a reforçar a idéia de que muitos conflitos fundiários que sofrem diversos povos indígenas no Brasil são semelhantes, estão vinculados a enganações e ocultações de informações por meio de órgãos oficiais na história do país, bem como o pensamento de integração e eliminação do componente indígena da sociedade brasileira.

A minha perspectiva é de que oportunidades como a oferecida pelo nosso curso de mestrado, com cotas para indígenas poderem receber titulação acadêmica, tragam mais “Carlos” no futuro. E que eles possam gerar outros, e outros... Novos pensadores indígenas no Brasil e no mundo.

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Graves violações aos direitos humanos de povos indígenas, tema de aula na disciplina "Questões Indigenistas na Contemporaneidade", 1º semestre de 2012. Mestrado Profissional em Sustentabilidade junto a povos e terras indígenas, Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS)Universidade de Brasília (UnB).
¹ Alício Francisco, cacique da etnia Tupinambá de Olivença, Ilhéus, Bahia.
² Carlos José Santos, historiador, mestre e doutor em arquitetura e planejamento, professor da Universidade Estadual Santa Cruz (UESC), Ilhéus, Bahia.

CONVERSA COM PARLAMENTARES¹

Os deputados Padre Ton² e Sarney Filho³ participaram de uma conversa com os mestrandos em sustentabilidade e indigenismo da UnB.

Padre Ton criticou o fato de não haver parlamentares indígenas “pois negros já temos, faltam indígenas como o Juruna”. 

Ele, que é integrante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Fedral, se dispôs a ajudar na execução de uma audiência pública que trate dos casos mais dramáticos da questão indígena no Brasil, como os Xavante de Marãiwatsédé, os Guarani do Mato Grosso do Sul, e os Tupinambá e Pataxó do Sul da Bahia.

O deputado Sarney Filho esteve presente a um café-da-manhã em nosso curso e falou a respeito do funcionamento do processo legislativo no Brasil. Ele que é filho do ex-presidente da República e atual presidente do Senado, José Sarney, discursou sobre a revisão do Código Florestal, criticando o processo como está sendo conduzido pelo governo.

Quanto a reforma política, Sarney Filho não se prolongou no tema, e se restringiu a dizer que “como os atuais deputados foram eleitos com essas regras, dificilmente vão mudá-las”, isso em relação ao financiamento público de campanha.

Narrou um pouco de sua trajetória política, desde os tempos de estudante na UnB. Filiou-se ao ARENA e elegeu-se deputado estadual pelo Maranhão na década de 1970. Com o fim deste partido integrou o PDS, depois PFL. No início do governo Lula filiou-se ao PV, onde está até hoje.

Na ocasião de sua apresentação no CDS (Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB) se prontificou a conduzir uma audiência pública na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, que tenha como pauta a questão da Terra Indígena de Marãiwatsédé, e outras terras com conflitos graves. Esta audiência seria conjunta com a Comissão de Direitos Humanos, onde o deputado Padre Ton (PT-RO) faria a articulação.

A oportunidade de termos dois parlamentares em nosso curso foi algo excepcional. Não imaginava que fosse possível. Já tive a oportunidade de ver Marina Silva no CDS, e diversas personalidades políticas brasileiras, como o senador Cristovam Buarque, que também leciona na unidade. Mas a presença dos dois deputados foi algo tão marcante quanto estes.

O pragmatismo com que conduziram a conversa, trazendo não apenas problemas que afligem o quadro político atual, mas sim possibilitando soluções. A audiência pública marcada pelos parlamentares realmente ocorreu no mês seguinte, em maio. E serviu de grande ajuda na consolidação da conquista dos Xavante, cuja terra já está sendo alvo de desintrusão pela FUNAI para dar posse definitiva aos indígenas.

A imagem que eu tinha dos parlamentares era outra. Padre Ton eu desconhecia sua atuação, tinha apenas informações superficiais, mas sei que é um dos parlamentares de maior atividade na causa indígena e indigenista.

Quanto ao “Zequinha Sarney”, eu já o conhecia, pois fui militante do Partido Verde, mas nunca o admirei, pois pertence a umas das famílias mais conservadoras do país, verdadeiros “coronéis” no Maranhão. No entanto, deu para notar que o nobre parlamentar é uma ovelha negra, tem uma causa mais humanitária, e é um dos mais fortes porta-vozes do ambientalismo brasileiro no Congresso.

Minhas expectativas é que nós possamos estar cada vez mais próximos de parlamentares como estes, e que nossos representantes estejam dispostos a fazer valer a sua função: que é representar os interesses reais de todos os grupos sociais, incluindo seriamente a causa indígena e ambiental na agenda política do Estado brasileiro.

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¹ Tema de aula na disciplina "Questões Indigenistas na Contemporaneidade", 1º semestre de 2012. Mestrado Profissional em Sustentabilidade junto a povos e terras indígenas, Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS)Universidade de Brasília (UnB).
² Padre Ton, Deputado Federal pelo PT-RO, integrante da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados;
³ José Sarney Filho, Deputado Federal pelo PV-MA, Presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, Ex-Ministro do Meio Ambiente.

Linguagem audiovisual¹ com Takumã Kuikuro²


Quando um Kuikuro era filmado, tinha medo de não morrer mais e ficar pra sempre na Terra. Mas logo depois que viram o primeiro filme pronto, sempre pedem para serem filmados: querem se ver no telão. Querem viver para sempre!

Com estas palavras o jovem cineasta Takumã abre sua prática oficina de áudio-visual. Ele nasceu no Parque Indígena do Xingu e é aluno da Escola de Cinema Darcy Ribeiro no Rio de Janeiro. Já dirigiu alguns filmes, dentre eles o “Hiper Mulheres” vencedor de três Kikitos no Festival de Gramado, e outros não menos interessantes como “O dia em que a lua menstruou” e “Cheiro de pequi”. Os três filmes foram projetados durante a oficina.
Ele diz que o vídeo é um importante instrumento que pode ser usado como denúncia e documento. Registrando histórias, mitos, rituais, contos, rezas, canções... Sua oficina foi dividida da seguinte forma:

  1. Manuseio da câmera:
    1. apresentou técnicas de uso e manipulação do equipamento;
    2. Também apresentou algumas especificações básicas de equipamentos que podem ser usados para um bom resultado final.
  2. Projeção de Material:
    1. apresentou três filmes:
      1. As hiper mulheres;
      2. O dia em que a lua menstruou;
      3. Cheiro de pequi.
  3. Função e importância:
    1. Dissertou sobre a importância do vídeo-documento:
      1. salvaguarda da cultura e língua;
      2. Intercâmbio entre povos;
      3. Divulgação cultural;
      4. Documento.
  4. Treinamento e documentadores:
    1. necessidade de se capacitar o pessoal envolvido.
  5. Como usar os equipamentos:
    1. cuidados (zelo);
    2. proteção contra intempéries (sol, chuva, umidade, poeira);
    3. cuidados com a lente (não tocar, nunca!).
  6. Câmera nas mãos:
    1. iniciar gravação entre 10 e 15 segundos antes do fato de interesse;
    2. Escolha da mídia;
    3. Programa de edição, finalização;
    4. Qualidade da gravação:
      1. SP (maior definição de imagem, melhor qualidade de som, usa mais espaço na mídia);
      2. LP (qualidade reduzida, usa menos espaço na mídia).
  7. Explorando a câmera:
    1. Bater branco:
      1. Sair do modo automático;
      2. Necessário para manter a cor das cores reais;
      3. Exposição à luz: diafragma e íris.
  8. Preparando a gravação:
    1. Posicionamento da câmera;
    2. Uso de tripé;
    3. Divisão em cenas: imaginar o produto terminado.
  9. Gravando:
    1. Quando o alvo está em movimento (pessoas caminhando) a câmera pode caminhar também;
    2. Quando alvo está parado, a câmera deve ficar parada;
    3. Nem sempre uma estória começa no início dela:
      1. A estória pode começar no meio ou no fim, ou com alguém contando;
      2. A edição pode inverter a posição das cenas.

Confesso que muitas surpresas tive com a presença desse jovem Kuikuro, a facilidade com que ele lida com a tecnologia, sua percepção da sétima arte (o cinema), a sensibilidade, tudo isso me impressionou.

Takumã representa o quanto os indígenas são capazes como qualquer outra pessoa, basta ter oportunidade, incentivo, sem preconceitos.

Eu sou um amante do cinema e do áudio-visual, fiz alguns cursos de fotografia e participei de exposições. Tenho muito apreço às pessoas que sabem distinguir a singeleza que é a luz, sua capacidade de construir imagens por meio de equipamentos técnicos produzidos pelo homem.

O cinema é a arte de maior tecnologia, envolve fotografia, som, imagem, movimento, cores, paisagens, e diversos outros elementos técnicos, artísticos ou da natureza.

Aprendi bastante com o pouco tempo que tive com esse jovem xinguano, também pude relembrar alguns conceitos que já não usava a algum tempo, devido ao fato de ter deixado a fotografia para seguir a carreira ambiental com intervenção social.

Esta oficina fez reacender uma chama que havia dentro de mim, a de praticar a fotografia. Após ela eu tomei a decisão de comprar uma câmera novamente, e voltar a fazer meus ensaios fotográficos, e porque não, cinematográficos.

No futuro pretendo fazer um curta-metragem, para testar algumas técnicas que aprendi com Takumã e outros professores da sétima arte.


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¹ Tema de aula na disciplina "Questões Indigenistas na Contemporaneidade", 1º semestre de 2012. Mestrado Profissional em Sustentabilidade junto a povos e terras indígenas, Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS)Universidade de Brasília (UnB).
² Takumã Kuikuro, cineasta, é indígena xinguano da etnia Kuikuro.

MARÃIWATSÉDÉ


Marãiwatsédé(1), é "mata perigosa" ou "misteriosa", na língua A'wén (Xavante), disse Vanderlei Temirete (Daduwari)(2) e seus primos. Eles apresentaram o filme “Vale dos Esquecidos”, participante do festival “É Tudo Verdade”, e que resume o caso dramático que vem ocorrendo com seu povo.
A película demonstra como os Xavantes foram retirados pela Força Aérea na década de 1940 a pedido do Governo de Mato Grosso para fins de implantação de um assentamento para reforma agrária. No entanto, no lugar, foi implantado a maior fazenda da América Latina na década de 1970, a Suiá-Missu.
Os índios foram levados para a terra indígena São Marcos, distante 600 km ao sul de Marãiwatsédé, mas retornaram – após um sonho do cacique Damião – por diversos motivos, dentre eles o fato de manterem uma ligação ancestral com a área em que foram retirados; e pelo fato de não se adaptaram a nova área, apesar de dividirem-na com integrantes da mesma etnia.
            O caso repercutiu na Conferência da ONU no Rio de Janeiro (ECO-92’), pois a área estava sob a propriedade de uma multinacional italiana, a Agip. A empresa sob pressão internacional entregou-a ao governo federal, para a criação de uma terra para os Xavante. O governo homologou-a como terra indígena. No entanto, ao retornarem ao local, os indígenas viram a “mata misteriosa” ser gradativamente sendo devastada para dar lugar ao agronegócio.
Alguns agricultores mato-grossenses, aproveitando a saída da empresa italiana do local, ocuparam-na, e intensificaram o desmatamento, confiantes numa possível regularização fundiária aos posseiros, por meio de reforma agrária. Esse grupo é apoiado pela multinacional do agronegócio Cargil, que tem investimentos em soja na área. E também pelo frigorífico Friboi.
Dessa forma, inicia-se uma disputa que tem como campo de batalha os tribunais estaduais e federais, e a própria reserva indígena, com violentos embates entre índios e colonos. De um lado os agricultores e classe política ruralista do Mato Grosso, que quer aumentar a área produtiva do Estado, para fortalecer ainda mais o agronegócio, e do outro os indígenas, que tem apoio de algumas ONGs.
Este conflito é tão grave que a Terra Indígena Marãiwatsédé é considerada a mais devastada do país. Em 2004 os indígenas conseguem retomar 10% da área total homologada, no entanto, o solo está contaminado com agrotóxicos.
Os xavantes convidados dizem que “a verdade tá se distorcendo pro lado do dinheiro, a justiça é dinheiro!” Dizem que “nunca nenhuma das três prefeituras locais fizeram algo para ajudar os indígenas, nem mesmo com saúde que é básico!”
O Greenpeace faz propaganda contra as frigoríficas, principalmente a JBS-Friboi, para não comprarem mais carne de áreas com irregularidades, o que inclui Marãiwatsédé.
Assim, o Tribunal Regional Federal dá causa favorável aos indígenas, mas um desembargador estadual suspende a decisão, tendo em vista uma Lei Estadual que autorizada a permuta da terra com um Parque Estadual para abrigar os índios. A disputa continua, pois os xavantes querem a Mata Perigosa de volta.

A memória dos anciões foi fundamental para o ganho da causa nos tribunais federais.

Os indígenas que estavam representando a comunidade de Marãiwatsédé mantém suas esperanças na retomada do local, pois “apesar dos retrocessos, sempre houve, há e haverá muitas vitórias”, eles dizem que “ter uma visão trágica, fatalista, que não terá solução, é um caminho sem sucesso. Tem que pensar o contrário!”

            Após esta comovente apresentação, eu vejo que a luta desse povo Xavante, é a mesma dos sul-mato-grossenses do primeiro dia, e também as que enfrentam Pataxós, Tupinambás e diversos outros povos que têm suas terras invadidas por produtores rurais ou especuladores imobiliários.
            Umas das mudanças que tive após o contato com o caso desta mesa é o fato de ver que há divergências não só no movimento indígena nacional, mas dentro da própria etnia. Poucos são os Xavante que apóiam a retomada de Marãiwatsédé.
      Também percebi que há diferenças culturais entre aldeias desta etnia, por exemplo, o cacique Damião, liderança máxima do movimento desta retomada, utiliza um cocar que nunca havia visto um Xavante utilizar, pelo contrário, é muito parecido com o cocar Kayapó, seus inimigos históricos.
            Aliás, quando visitei a aldeia Etenhiritipá, na terra indígena Pimentel Barbosa,cerca de 200 km ao sul da ‘Mata Perigosa. O cacique me disse que “a população de Marãiwatsédé já foi a mais numerosa da nação a’uwê uptabi [Xavante], e sempre foram a barreira contra os assaltos dos Kayapó que vinham do norte”.
          

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¹ Tema de aula na disciplina "Questões Indigenistas na Contemporaneidade", 1º semestre de 2012. Mestrado Profissional em Sustentabilidade junto a povos e terras indígenas, Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS)Universidade de Brasília (UnB).
² Vanderlei Temirete (Daduwari), foi eleito vereador de Bom Jesus do Araguaia em 2012, um dos municípios que abrange a Terra Indígena Marãwatsédé.