No presente texto, busco analisar os registros do naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire a respeito dos povos originários que viviam na então capitania de Goyaz no ano de 1819.
As bases epistemológicas do presente capítulo são inspiradas nas ideias das epistemologias do sul em Sousa Santos e Meneses (2010), que questionam a superioridade cultural do norte global e buscam dar visibilidade às culturas ausentes ou desdenhadas nas narrativas históricas estabelecidas por aqueles que invadiram territórios ou escravizaram povos para fi ns de se estabelecerem no topo do domínio econômico, social e cultural do mundo.
Assim, inicio o presente capítulo retratando o quadro dos povos indígenas visitados pelo referido explorador francês com uma análise sobre a resistência desses povos em relação aos invasores luso-brasileiros. Logo após, são retratados os aldeamentos (reduções ou presídios) indígenas visitados pelo viajante oitocentista, seguidos por análises sobre suas opiniões quanto ao regime sob o qual os nativos foram submetidos. Por fi m, as impressões de Saint-Hilaire em seus encontros com os povos originários em Goiás são analisadas.
O texto participa, portanto, da ideia de descolonização do pensamento latino-americano (Quijano, 2000), que busca dar visibilidade e voz, por meio de um viés decolonizante, às identidades latino-americanas marginalizadas pela cultura dominante, eurocentrista. Isso, sobretudo, em relação aos povos originários de Abya Yala, como é chamado o continente americano pelos povos nativos (Declaración de Kito, 2004).
(...)
Considerações Finais
Como vimos, a realidade dos povos originários em Goiás no momento da passagem do naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire era dramática. Depois de 150 anos das primeiras invasões luso-brasileiras naqueles territórios no século XVII, suas condições de vida foram se deteriorando ano após ano, chegando ao ponto de o referido explorador prognosticar a eliminação total desses povos em pouco tempo.
Entrementes, o que vemos atualmente é um singelo fortalecimento da identidade e territorialidade indígena no país. Os poucos que sobreviveram ao genocídio e ao etnocídio, às duras custas, lutam pela garantia de sua sobrevivência enquanto povo etnicamente estabelecido, cujas raízes estão fincadasno solo de Abya Yala desde tempos pré-cabralinos.
A luta destes povos não acabou, e atualmente o avanço para o oeste da frente invasora retoma seu vigor mais forte do que nunca, na figura do mais cruel e arcaico agronegócio: desmatador, latifundiário, monoculturista e agrointoxicado. Entorpecidos por um suposto progresso que nunca vem, eles tentam a todo o custo esbulhar e desmatar os territórios indígenas, e transformar essas pessoas em mais lenha para sua fogueira, alimentada pela obsessiva privatização e destruição da natureza. Nada muito diferente dos tempos de Saint-Hilaire (1848, p. 293-294), que tomou partido em um dos lados da história:
Não nos devemos pois, admirar de que os portugueses (...) invejassem a terra dos índios; mas fi ca-se com o coração apertado quando se pensa em que não se quer deixar, sequer, algumas léguas, a esses que foram, ainda a tão pouco tempo, os senhores de toda a América.
Esse último excerto do naturalista que exponho aqui demonstra que esta luta não é só dos povos originários, mas de todos aqueles que prezam pela existência da maior riqueza que temos no planeta: a vida, diversa, bioculturalmente.
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