RESUMO
Apresento instrumentos da educação escolar nacional brasileira que buscam reparar injustiças cometidas junto aos diversos povos nativos, tanto pelo Estado como pelos seus cidadãos, no decorrer da história. Faço uma breve avaliação da legislação sobre a temática e o papel do material didático. Depois, enfoco o uso de mapas etno-históricos como instrumentos de transmissão de informações necessárias para essa reparação étnico-racial. Como exemplo, explano sobre o processo de colonização do Brasil Central e a importância de se esclarecer junto aos educandos não-indígenas – por meio de mapas e atlas histórico-geográficos – os fatos que levaram a hegemonia luso-brasileira na região, em detrimento da redução dos povos nativos. Estes fatos contribuirão na formação crítica dos estudantes, compreendendo a origem dos conflitos fundiários entre índios e fazendeiros, e possibilitando o respeito às etnias formadoras do país.
Palavras-chave: Educação, indígena, material didático, cartografia, Brasil Central.
RESUMEN
Presento instrumentos de enseñaza brasileña que buscan reparar las injusticias cometidas com los diversos pueblos indígenas, tanto por parte del Estado y de sus ciudadanos, a lo largo de la historia. Brevemente reviso la legislación sobre el tema y el papel del material didáctico. Luego me centro en el uso de mapas etno-históricos como herramientas para la transmisión de información necesaria para dicha reparación étnico-racial. Como ejemplo, explano sobre el proceso de colonización del Brasil central y la importancia de aclarar com los estudiantes no indígenas – a través de mapas y atlas histórico-geográficos – los hechos que llevaron a la hegemonía portuguesa-brasileña en la región, com la reducción de los pueblos indígenas. Estos hechos contribuyen em la formación crítica de los estudiantes, incluyendo el origen de los conflictos de tierras entre los indígenas y los agricultores, y permitir el respeto de los grupos étnicos del país.
Palavras clave: Educación, indígena, materiales de enseñanza, cartografía, Brasil Central.
INTRODUÇÃO
Durante quase cinco séculos, no Brasil, apenas se valorizou
o conhecimento e filosofia advindos do continente europeu, devido a colonização
lusitana. Muitos povos foram forçados a contribuírem na formação deste novo
país por meio de trabalho escravo, usurpação de suas terras e aproveitamento de
seus conhecimentos e tecnologias alimentares, medicinais, geográficos, dentre
outros. Estes grupos sociais eram constituídos, principalmente, de etnias
indígenas e africanas.
Os povos indígenas, nestes cinco séculos de história,
resistiram a política de genocídio, etnocídio ou integração forçada a uma nova
etnia nacional. O ideário de construção de um Estado-nação atropelou
qualquer diferença étnico-racial existente na sociedade, e prezava para a
formação de um povo miscigenado, mestiço, onde o ancestral indígena figurava
apenas no passado histórico como antigo povoador da terra, em vias de desaparecer
do continente.
O
conteúdo escolar no Brasil durante muito tempo colocou o indígena como uma
figura primitiva, atrasada, longe da realidade moderna, e que tendia a
extinção. As imagens positivas traziam o nativo como um ente mitológico, épico
e puro, que apenas ilustrava a fantasia da raiz de uma nação.
A
política educacional negava as diferenças étnicas do país, seja na educação
formal, seja na educação promovida junto aos povos, efetuada principalmente por
missionários religiosos que faziam com que os índios se transformassem em algo
diferente do que eram. Neste processo, a instituição da escola entre grupos
indígenas serviu de instrumento de imposição de valores alheios e negação de
identidades e culturas diferenciadas (BRASIL, 2001).
O pluralismo
étnico, presente no país, apenas recentemente foi reconhecido pelo Estado
através de sua última Constituição Federal (CF), promulgada em 1988 e vigente
desde então. Onde, por meio do titulo VIII (da ordem social), capítulo VIII
(dos índios), mais especificamente no artigo 231, reconhece “aos índios sua
organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos
originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. O artigo 232, por sua
vez, elimina a figura da tutelagem indígena exercida pelo Estado até então (BRASIL,
1988).
Além desse
capítulo exclusivo aos índios, o § 1º do artigo 215 da CF, integrante do capítulo
III (da educação, da cultura e do desporto), prevê que “o
Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e
afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo
civilizatório nacional”. O § 3º do referido artigo também
cria a figura do Plano Nacional de Cultura, que deverá conduzir a “valorização
da diversidade étnica e regional”. O artigo 216 que trata do
patrimônio cultural brasileiro também remete a diversidade étnico-racial do
país (BRASIL, op cit.).
Antes da atual CF, não havia base legal que
sustentasse uma afirmação étnica ou racial, levando os brasileiros afro-descentes
ou indígenas à marginalização enquanto grupo distinto da prevalência branca e
euro-descendente.
No entanto, para
uma regulamentação completa do direito indígena do ponto de vista legal, se faz
necessário a sanção do novo Estatuto dos Povos Indígenas, em discussão no
Congresso desde 1991, e que deverá substituir o já ultrapassado Estatuto dos
Índios (Lei 6.001/73). Este que é recheado de termos e conceitos pejorativos e
preconceituosos, como, por exemplo, o de que o indígena está em um estado
primitivo cujo destino será a integração à sociedade nacional. Idéia presente
desde os tempos da colonização, e que só agora, no indigenismo moderno, é tida
como ultrapassada. Em seu lugar pensa-se no protagonismo ou autonomismo dos
povos indígenas, onde cada vez mais as próprias etnias decidirão sobre seus
destinos sem a necessidade de interlocutores alienígenas (R. SANTOS, 2012).
A partir do reconhecimento constitucional, muitas pessoas
que antes tinham receio de se afirmarem índios – e também negros – passaram a
fazê-lo, transformando a cara dos resultados censitários do país. Muitos povos
indígenas passaram a “ressurgir” – bem como pessoas de cor preta passaram a se
assumir enquanto tal.
Em relação a questão indígena, a Tabela 1 apresenta o
resultado dos últimos censos demográficos realizados pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), órgão oficial de contagem da população
brasileira.
Tabela 1. Evolução da população indígena de 1991 a
2010.
|
1991
|
2000
|
2010
|
Variação de
1991 a 2010
|
não-indígena¹
|
145.986.780
|
167.932.053
|
189.931.228
|
30,1 %
|
indígena
|
294.131
|
734.127
|
817.963
|
178,1 %
|
não declarou
|
534.879
|
1.206.676
|
6.608
|
-98,8 %
|
TOTAL
|
146.815.790
|
169.872.856
|
190.755.799
|
29,9 %
|
Adaptado
de IBGE (2012). ¹
inclui brancos, pretos, pardos e amarelos
Os dados do IBGE
revelam que a população brasileira em 1991 era de 146,8 milhões de pessoas,
atingindo 190,7 milhões em 2010, um crescimento de 29,9%. No mesmo período, a
população auto-declarada indígena foi de 294,1 mil para 817,9 mil, um
crescimento de 178,1%. A este resultado podemos inferir um aumento na taxa de
fecundidade das mulheres indígenas e melhoria da saúde da população, mas também,
acrescenta a isso o fenômeno do “ressurgimento” étnico de povos indígenas,
principalmente no nordeste brasileiro, onde pessoas que antes não se declaravam
índios devido a diversos fatores (principalmente a discriminação pela sociedade
envoltória), passaram a fazê-la, pois
as modificações por
que passa a região [nordeste], a presença de agências indigenistas ou
missionárias que apoiam as populações indígenas, a reivindicação da garantia
das poucas terras de que ainda dispõem ou da recuperação das terras perdidas,
têm propiciado a grupos que escondiam, devido às perseguições do passado, sua
identidade indígena, que voltem a assumi-la. Desse modo, o Nordeste é palco de
um drama em que etnias se desdobram, se fundem, ressurgem. (MELATI, 2011, p. 05)
Corroborando com
essa hipótese há outro dado curioso presente no censo do IBGE: em 1991, 534,8
mil pessoas não declararam sua cor/raça; essa mesma questão foi negada ser
respondida por mais de 1,2 milhões de pessoas em 2000; caindo para menos de sete
mil em 2010.
Isso pode estar
relacionado, ainda, às políticas de reparação étnico-racial que passaram a ser oficializadas
no país nos últimos anos, como o sistema de cotas e a implantação de uma
história crítica no currículo escolar do ensino básico, contribuindo para que
mais pessoas afirmem a sua identidade de indígena ou afro-brasileiro.
A partir disso,
surge o seguinte problema: o fortalecimento de um conteúdo histórico que
apresenta a violência sofrida pelos índios no processo de colonização do país
seria uma política eficiente? Qual o papel do material didático nessa política
de educação reparadora? Como os mapas poderiam contribuir para a reparação das
injustiças sofridas pelos povos indígenas?
Acredito que a
eficiência de uma política educacional direcionada a todos os brasileiros, valorizando
a história dos povos/raças que contribuíram no processo de formação do país se
faz urgente e necessária, seus resultados mais efetivos serão à longo prazo –
como grande parte das políticas de educação – mas alguns benefícios já são
sensivelmente perceptíveis, principalmente através de mudanças nos instrumentos
legais.
O material
didático é fundamental nesse processo, mas não é exclusivo, deve acompanhar uma
formação crítica do quadro docente do ensino básico que incorpore a importância
da reparação das injustiças sofridas pelas diversas etnias que formaram o país.
Os mapas, por
sua vez, podem ser usados como ferramentas que demonstrem onde estavam e para
onde foram os povos nativos sobreviventes, e como se deu o avanço colonial. Esclarecendo,
assim, as raízes de muitos conflitos fundiários atuais, como os existentes na
fronteira entre o avanço agropecuário e os territórios indígenas, bem como
trazendo uma reflexão aos educandos sobre a questão do domínio, posse,
localização e extensão das terras dos povos originários.
O presente texto
traz elementos que buscam contribuir no entendimento dessa problemática, especialmente
no que tange a educação formal à população não-indígena. Não será focado o trabalho
de educação junto aos povos indígenas, que também é de vital importância para o
sucesso dessa reparação.
A reparação
histórica na legislação educacional brasileira
Como já posto, a
Constituição Federal foi o grande marco para a reparação das injustiças
cometidas aos povos nativos. O § 1º do artigo 242 prevê que “o ensino da
História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e
etnias para a formação do povo brasileiro”. Ou seja, a carta-magna do Brasil
estabelece que o conteúdo da educação escolar dos brasileiros deverá estar a
favor dessa reparação étnico-racial (BRASIL, 1988).
De uma forma
mais específica, a Lei 9.394/96 – Diretrizes de Bases da Educação (LDB) – conta
com dispositivos que obrigam incluir o estudo da história e cultura
afro-brasileira e indígena, graças a redação dada pela Lei 11.645/08, que
acrescentou o Art. 26-A à LDB:
Nos
estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados,
torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.
O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos
da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a
partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e
dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura
negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade
nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e
política, pertinentes à história do Brasil. Os conteúdos referentes à história
e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados
no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação
artística e de literatura e história brasileiras (BRASIL, 1996, Art. 26-A,
incluído pela Lei 11.645/08).
Além dessa premissa, a
Política Nacional de Educação – Lei 10.172/01 – também estabelece que a
educação escolar brasileira tenha como um de seus objetivos e metas:
Promover a
correta e ampla informação da população brasileira em geral, sobre as
sociedades e culturas indígenas, como meio de combater o desconhecimento, a
intolerância e o preconceito em relação a essas populações (Brasil, 2001, item
9.3, subitem 10).
Para que essa prerrogativa tenha êxito, será necessário capacitar
professores aptos a ministrar aulas de história, literatura e arte indígena e afro-brasileira
na educação básica; além de dispor de material didático que trate dessa
temática.
A formação do corpo docente
da educação escolar tem como diretriz prevista na PNE a inclusão das etnias nos
programas de formação, além de ter como um de seus objetivos e metas:
Incluir,
nos currículos e programas dos cursos de formação de profissionais da educação,
temas específicos da história, da cultura, dos conhecimentos, das manifestações
artísticas e religiosas do segmento afro-brasileiro, das sociedades indígenas e
dos trabalhadores rurais e sua contribuição na sociedade brasileira (BRASIL,
2001, item 10.3, subitem 21).
Assim, para que esses pontos sejam efetivados, será
necessário que as universidades formadoras de professores do ensino básico,
especialmente os cursos de licenciatura em pedagogia, história, letras e artes,
abordem a questão afro-brasileira e indígena, promovendo pesquisas que
aprofundem o conhecimento a respeito desses grupos étnico-raciais. A
antropologia será um grande contribuinte para esse propósito.
Evidente que estas
questões não deverão ficar exclusivamente a cargo dessas disciplinas citadas,
pelo contrário, a transdisciplinaridade, abarcando a filosofia, ciência e
tecnologia dos povos indígenas e afro-brasileiras, serão fundamentais para que,
no futuro, haja mais equidade social entre as três matrizes étnico-raciais que
constituíram o Brasil.
A PNE apresenta,
ainda, como um dos objetivos e metas no ensino fundamental:
Manter e
consolidar o programa de avaliação do livro didático criado pelo Ministério de
Educação, estabelecendo entre seus critérios a adequada abordagem das questões
de gênero e etnia e a eliminação de textos discriminatórios ou que reproduzam
estereótipos acerca do papel da mulher, do negro e do índio (BRASIL, 2001, Item
2.3., subitem 11).
A
citada Lei sinaliza como deve ser o conteúdo de uma das essenciais ferramentas da
educação básica brasileira: os livros didáticos. Sendo necessário um conteúdo
crítico. Além disso, os meios de comunicação educativos, em especial a
televisão, também devem se adequar à diversidade étnica do país, eliminando
estereótipos e preconceitos:
Promover
imagens não estereotipadas de homens e mulheres na Televisão Educativa,
incorporando em sua programação temas que afirmem pela igualdade de direitos
entre homens e mulheres, assim como a adequada abordagem de temas referentes à
etnia e portadores de necessidades especiais (BRASIL, 2001, item 6.3, subitem
7).
Dessa forma, a atual legislação brasileira contempla a
reparação das injustiças étnico-raciais, sendo a educação escolar dos
não-índios uma importante estratégia dessa reparação. No entanto, a implantação
dessa política educacional é que será o desafio. Para isso, além da formação de
educadores com uma visão crítica sobre a história do Brasil, algumas
ferramentas didáticas serão necessárias.
O mapa como
instrumento didático de reparação etno-histórica
Laproni &
Prieto (2011) apontam para a “necessidade de se implementar um conjunto de
ações centradas, por um lado, no reconhecimento dos povos indígenas como parte
da cultura nacional e, por outro, como grupo com as suas particularidades”,
conforme consta no documento final da Conferência Nacional de Educação 2010. Além
disso, o referido documento destaca a necessidade de promover o estudo dos
povos indígenas nas escolas e a elaboração de propostas pedagógicas e materiais
didáticos que reflitam as suas realidades (CONAE, 2010).
As autoras citadas afirmam, ainda, que será necessário “garantir
a presença da concepção de educação inclusiva, na formação inicial e continuada
de professores, o que pressupõe a incorporação do respeito às diferenças e o
reconhecimento e a valorização da diversidade”.
CONAE (op cit.) também indica que é necessário
garantir o estudo/aprofundamento da história da África e culturas
afro-brasileiras, cultura indígena e diversidade étnico-racial, conforme prevê
a LDB. Mas como fazer isso?
Cada vez mais surgem ferramentas didáticas que tratam de uma forma
crítica as questões indígena e negra no Brasil, principalmente
em relação a história, como os livros didáticos de Schmidt (2005) ou Prezia e
Hoonaert (2000). Também há autores indígenas como Daniel Muduruku e Olívio
Jekupé, que possuem obras adotadas pela rede de ensino brasileira. Além de
livros, outras mídias podem ser utilizadas como material didático, por exemplo
os vídeos-educativos do projeto Vídeo nas Aldeias do Ministério da
Educação, que possuem diversas produções cinematográficas dirigidas e
produzidas por cineastas indígenas.
Matérias de
jornais como o Porantim (editado pelo Conselho Indigenista Missionário) ou
revistas como a Caros Amigos (da Editora Casa Amarela) e a Brasileiros de Raiz
(Editora RRCK), também podem ser utilizadas em sala-de-aula para que o educando
entenda o que se passa na fronteira entre o avanço agrícola e os povos
indígenas. Além de entender o contexto do índio urbano, e outras situações onde
há discriminação ao nativo.
Os mapas e atlas também são importantes ferramentas
didáticas, pois podem apresentar elementos geográficos da paisagem atual ou
histórica. Uma ilustração vai além do idioma e pode se comunicar com pessoas de
diversas culturas e línguas. Pode transmitir informações diretas e claras e
apresenta grande facilidade de entendimento pelo interlocutor.
Uma coleção de mapas, ou melhor, um atlas que apresente a
evolução de deslocamento de grupos indígenas, juntamente com o surgimento de
currais, povoados, freguesias e vilas, poderá ser elucidativo para se entender
como se deu a expansão da colonização e retração da ocupação nativa, podendo
inferir direções ou destinos.
O atlas elaborado por Anjos (2005) é uma inédita iniciativa no campo da
educação para reparação étnico-racial no Brasil. Há ainda o atlas histórico de
Jofilly (1998), que traz além de mapas, frisas-cronológicas, gráficos e resumo
de importantes fatos que marcaram a história do país envolvendo, inclusive,
povos nativos ou africanos. No entanto, ambos tratam o Brasil como um todo, não
se debruçando em regiões ou casos específicos, deixando uma importante lacuna
que, quando preenchida, poderá amenizar os conflitos localizados entre índios e
a sociedade nacional.
A importância de
uma educação às novas gerações é estratégica para o país. Caso os filhos dos
neo-colonizadores continuarem o avanço sobre os povos originários, muitas
outras tragédias ocorrerão. É necessário educá-los, mostrando como se deu o
avanço agropecuário em sua região, onde estavam os indígenas. Quem são os
invasores?
Mostrar que os
índios, assim como todos os brasileiros, devem ser respeitados e podem conviver
com os benefícios da humanidade, como o uso da tecnologia e bens de consumo.
Mostrar que não pararam no tempo, assim como os não-índios, a humanidade sempre
esteve em movimento, em modificação. Não vemos mais nas ruas pessoas trajando
como os navegadores portugueses da era de Cabral, então porque os índios
haveriam de estar nus como a séculos atrás?
A importância
de um mapa etno-histórico do planalto central
Todo o território brasileiro era ocupado por populações
indígenas antes da chegada dos colonos europeus, a população nativa girava em
torno de cinco milhões de indivíduos, pertencentes a milhares de etnias,
falantes de outro milhar de línguas (RIBEIRO, 1995, p. 151).
Algumas regiões
eram mais povoadas que outras. O cerrado, por exemplo, era habitado por horticultores
de regiões secas, que viviam basicamente do cultivo de milhos e favas e,
principalmente, de caça e pesca. Estes nativos pertenciam em sua maioria à
família lingüística Jê, como os Akwén (Xavante, Xerente e Xakriabá) e os Kayapó
(Panará e Kreen-Akarore), mas também haviam outras nações indígenas, como os Ãwá
(Canoeiros), da família Tupi-Guarani, habitante das matas encravadas no
interior do bioma (PREZIA; HOONAERT, 2000).
O Mapa Etno-histórico de Curt Nimuendadjú (IBGE, 1987) indica
a localização dos nativos grupos indígenas na época da colonização, menciona
inclusive o último ano em que foi registrada alguma informação sobre determinada
etnia na referida localidade. Mas, devido a sua escala nacional, é muito
genérico, apresenta grandes áreas vazias, dando a impressão de que não haviam
populações nativas em grande parte do Planalto Central. Mas será mesmo que estas
áreas eram despovoadas? Esta hipótese é pouco provável em se tratando de uma
região rica em rios piscosos e caça de porte, como o tamanduá, o veado, a anta,
a ema, dentre outros.
O bandeirante, instrumento de colonização da coroa
portuguesa, enfrentou o nativo sertanejo, escravizou, garimpou e repovoou a
terra, eliminou culturas, criou outra. Alguns povos deslocaram-se sertão à
dentro e guerrearam entre si. Ao mesmo tempo um contingente constituído de
brancos, pretos e mestiços (mulatos e mamelucos) frutos da miscigenação que
vinha ocorrendo desde a ocupação do litoral, parte para o sertão “despovoado”,
em busca de riqueza (ABREU, 1963).
Abreu (op cit.) sinaliza que essa nova
atividade econômica estabelecida nos sertões trás como consequência a mudança
do eixo econômico da colônia: sai do nordeste e vai para o centro-sul, em
virtude do declínio da produção açucareira na primeira e ascensão das
descobertas auríferas dos bandeirantes paulistas. O cerrado passa a ser
colonizado efetivamente, milhares de portugueses, mamelucos e escravos são
deslocados para a região das minas da Capitania de São Paulo. Esse boom populacional faz com que o
território da capitania fosse dividido, surgem então Minas Geraes, Mato Grosso
e Goyáz.
Em menos de cem anos (durante o século XVIII) a região
central do Brasil transforma-se de paisagem natural povoada por nativos, para a
principal fonte de renda da coroa portuguesa, alterando para sempre o destino
do país. A movimentação ocorrida no final do período colonial trouxe muitas
transformações na paisagem do Planalto Central, diversas trilhas e caminhos
foram estabelecidos, ligando os grandes centros urbanos da época à região dos
garimpos, como a Estrada Colonial que ligava a cidade de Salvador (então
capital do Brasil) à cidade de Vila Bela da Santíssima Trindade (antiga capital
do Mato Grosso) ponto mais ocidental dos domínios portugueses na América do Sul
da época (BERTRAND, 1999).
Além disso, minas, engenhos, fazendas, povoados, aldeias,
pastagens, roças, matas, capoeiras... iam surgindo e desaparecendo, numa
movimentação constante, impulsionada pelo apogeu e decadência da atividade minerárias
da região. Algumas perduram até os dias de hoje, são importantes cidades do
estado de Goiás, como Pirinópolis, Formosa e Cavalcante, outras restam apenas
ruínas.
Poucos foram os autores que se importaram em representar
essa trajetória colonial sobre os indígenas na região, mais raros ainda são os
mapas que tratam dessa movimentação. Por isso a importância de um material
cartográfico que traduza essa transformação da paisagem nativa nas atuais
fazendas e cidades do Brasil Central.
Faz-se necessário informar ao brasileiro, em idade
escolar, que está em fase de formação enquanto cidadão, de que seu território
não nasceu como é hoje, foi gradativamente sendo modificado, deixando marcas
que podem explicar os motivos que levaram a atual configuração, seja ela físiográfica,
seja cultural ou econômica.
Ao cidadão brasileiro é fadada à grande mídia a sua
formação de opinião, e se não tiverem uma educação crítica na idade escolar,
dificilmente observarão nas entrelinhas de notícias como: “índios invadem
fazendas”. Qual a verdadeira vítima do avanço agropecuário no país, que vem
numa curva ascendente desde o século XVI?
Dessa maneira, um atlas etno-histórico do Planalto
Central repassará ao estudante informações de história e geografia,
conjuntamente, que poderão servir tanto para o ensino básico, como para estudos
mais aprofundados de antropologia, arqueologia, sociologia, ou para o
desenvolvimento de projetos de resgate cultural, turístico, dentre outros. Em minha dissertação de mestrado o leitor poderá encontrar informações e mapas que poderão contribuir na elaboração desse material didático (cf. R. SANTOS, 2013).
Poderá ser utilizado como instrumento capaz de subsidiar
a verificação in locu do estado atual
dos elementos que outrora povoaram e foram importantes para a configuração do
país.
CONCLUSÃO
A educação é um
instrumento fundamental para a transformação da realidade social. O conteúdo do
que é passado às novas gerações será o pensamento dos futuros brasileiros,
eleitores, funcionários públicos, operários, agricultores, empresários,
professores, sejam eles índios ou não. Isso demonstra a sua responsabilidade
para a formação das novas gerações.
Um conteúdo
escolar de reparação étnico-racial, em especial nas artes e história, é
previsto em nossa legislação. Conta com o respaldo legal para ser efetivado.
Alguns autores de
material didático já estão se debruçando nesse novo desafio de tornar claro aos
educandos os erros e injustiças cometidos por nossos antepassados europeus.
Somado a isso está a formação dos educadores.
A resistência
dos povos indígenas, com seu progressivo massacre e recuo, abriu espaço para a
entrada violenta de novos habitantes, dando condições para a formação do país
como conhecemos hoje. Estes fatos devem ser do conhecimento de todos nós
brasileiros, devemos compartilhar esta história, para que possamos entender os
nossos conflitos e superá-los, evitando mais etnocídio.
Mapas
demonstrando essa movimentação, apontando as áreas originárias tanto dos povos
que desapareceram como dos que resistiram, serão essenciais para a conscientização
da opinião pública dos cidadãos do futuro, inclusive dos tomadores de decisão.
Todo cidadão tem
o direito de conhecer a realidade dos fatos que levaram a sua existência, para
que os erros cometidos por seus ancestrais não se repitam, e possam ser
reparados na construção de uma sociedade mais justa e humana.
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